Opinião

Verbas indenizatórias e a jurisprudência vinculante do STJ

Autores

  • Rafael Brito

    é sócio-diretor da Strategicos Group Consultoria Fiscal e Tributária especialista em tributos indiretos pela IICS-Direito IOB e Abat.

  • Augusto Tenório

    é sócio-diretor da Advocacia Tenório Moura especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet) e em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco.

24 de julho de 2018, 6h15

O Superior Tribunal de Justiça, no decorrer deste ano, tem decidido pela ilegalidade da inclusão na base de cálculo da contribuição previdenciária das verbas concernentes ao auxílio doença, aviso prévio indenizado e o terço constitucional de férias. Trata-se de aplicação da tese firmada em recurso especial[1] (REsp 1.230.957/RS) de caráter vinculativo aos demais órgãos do Poder Judiciário, bem como do próprio Poder Executivo, dentre eles a Receita Federal. Regra, portanto, que deve ser aplicada em todo o país.

Foi preciso uma decisão dos ministros para esclarecer o conceito de salário de contribuição, fixado na Lei 8.212/91, bem como a importância e repercussão dessa verba — se trataria de ganho habitual do empregado ou se possuiria natureza de verba salarial ou não — indenizatória. A interpretação que a Receita Federal vinha dando era de forma bastante abrangente, talvez no afã de aumentar a arrecadação. Entendimento esse que, como visto, não tem sido mantido.

É necessário esclarecer que o Supremo Tribunal Federal, em um julgado anterior de 2006, interpretando os dispositivos constitucionais pertinentes ao tema, entendeu que “somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária”. Trata-se do acordão do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 389.903-1/DF.

Não obstante o caso pautado se refere a servidores públicos, porém a decisão pode ser aplicada por extensão às empresas privadas, já que se trata de pessoas e situações equivalentes, sendo vedado o tratamento desigual tal qual determinado na Constituição Federal.

Além disso, o próprio STF decidiu que o tema deveria ser objeto de decisão do STJ para firmar jurisprudência, por ser o órgão julgador responsável por matéria de natureza infraconstitucional. Eventuais outros questionamentos seriam meramente reflexos à Constituição e ao precedente acima.

Na CF/88 está claro que a previsão do custeio da seguridade social virá pela receita de contribuições sociais a cargo do empregador, quando incidentes sobre a folha de salários, receita ou faturamento e lucro, e a cargo do trabalhador e demais segurados, além do importador.

O artigo 195 é que trata dessa espécie de custeio:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Especificamente quando nos referimos à “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”, nos reportamos à contribuição a cargo da empresa — ou entidade a ela equiparada[2].

Trata-se do tributo que se convencionou chamar de contribuição previdenciária sobre folha de pagamento. Destinado à manutenção e desenvolvimento da Previdência Social (que integra a estrutura da seguridade social — mais abrangente), que, nos termos do artigo 201 da CF/88, estrutura-se sob regime geral de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenda, nos termos da lei: a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

De toda sorte, a convencionada contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento não se destina apenas aos empregadores em geral — que contribuem, regularmente, com uma alíquota básica[3] de 20% —, mas também serve de parâmetro para os próprios segurados (dentre eles os empregados) que contribuem com uma alíquota variável entre 8% e 11%.

Percebe-se, portanto, que apesar de possuírem bases de cálculos idênticas, as contribuições de ambos distinguem-se em razão da alíquota que lhe é aplicada, o que, apesar de alterar substancialmente o critério quantitativo da norma de incidência, não as desnatura de contribuições previdenciárias.

Dada a expressão “folha de salários” constante da CF/88, acreditamos que é importante esclarecer como tem sido sua aplicação pelos tribunais, tornando-se ponto sensível nas discussões dos tribunais judiciais e administrativos.

Desta forma, é importante que o contribuinte conheça os temas firmados e já pacificados no STJ, no REsp 1.230.957/RS, citado anteriormente:

a) Terço constitucional de férias (usufruídas ou gozadas) (Tema repetitivo 479): “A importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa)”.

b) Aviso prévio indenizado (Tema repetitivo 478): “Não incide contribuição previdenciária sobre valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial”.

c) 15 (quinze) primeiros dias de afastamento por doença ou acidente (Tema repetitivo 737): “Sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória”.

A partir das teses acima, cabe aos demais tribunais e ao Poder Executivo, como o Ministério da Fazenda, a Receita Federal e Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, reproduzir o entendimento ali fixado, mesmo que dele discordem — quer se trate de causas envolvendo compensação de tributos, quer trate de lançamentos de ofício (autos de infração) ou mesmo pedidos de revisão administrativos de débito.

É que o Código de Processo Civil, pautado no mandamento constitucional da segurança jurídica, isonomia e eficiência, fixou um novo quadro legal para assegurar o respeito aos precedentes dos tribunais superiores, de modo a vincular os demais intérpretes da lei ao cumprimento das teses fixadas em sede de demandas repetitivas. Além do mais, certo é que o código dá um norte claro para as hipóteses de eventual modificação de jurisprudência pacificada no âmbito dos tribunais superiores, o que leva a crer que, em acontecendo, devem ser respeitados “os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia” (cf. artigo 927, parágrafo 4º, CPC), razão pela qual o sistema está protegido de radicais modificações de entendimento já consolidados por meio dos recursos ditos repetitivos, bem como àqueles submetidos à repercussão geral pelo STF e as teses fixadas em súmula vinculante.

O mesmo direcionamento é dado no próprio âmbito administrativo fiscal federal. Nos casos em que houver matéria julgada sob a sistemática dos precedentes anteriormente destacados, extremamente valorizados pela nova ordem processual, o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais determina que seja seguida a linha de julgados firmada pelos tribunais superiores.

O artigo 62, parágrafo 1º, inciso II, alínea “a” e “b” é claro:

Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
§ 1º O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: […]
II – que fundamente crédito tributário objeto de:
a) Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal;
b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, na forma disciplinada pela Administração Tributária; (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016)
[…]
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF. (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016)

Logo, as verbas que já foram objeto de discussão nesse ambiente merecem o tratamento cuidadoso por parte da administração fazendária, de modo a reconhecer o pleito do contribuinte, sob pena de onerar a própria Fazenda Nacional com prejuízos oriundos de honorários sucumbenciais, que, no atual CPC, encontram-se escalonados e aprisionados a rígidos padrões legais, não permitindo mais situações de fixação de honorários por equidade ou coisa do gênero (artigo 85 e seguintes, CPC).

Afora os prejuízos institucionais, cabe advertir que não estão descartados, em caso de desconsideração e não aplicação das teses acima, de responsabilização funcional dos agentes envolvidos na fiscalização e julgamento das causas que envolvam a matéria e, quiçá, responsabilização criminal dada à inexistência de margem de discricionariedade administrativa imposta pela vinculatividade desses precedentes.

Agora, o que resta é o cumprimento dos precedentes decididos pelas cortes superiores brasileiras, pois a uniformidade do entendimento sobre a legislação tributária é caminho inevitável para promoção da tão sonhada segurança jurídica — fomentando avanços em nosso país.


[1] Sistemática inaugurada com alterações no Código de Processo Civil de 1973, com a inclusão do artigo 543-C e reiterado no Código de Processo Civil de 2015.
[2] Esclareça-se desde já que a base de cálculo da contribuição do próprio segurado — ou seja, do trabalhador, coincide com a do empregador (salvo quando este contribui com base na receita bruta — que é exceção, e não é objeto do presente estudo).
[3] Para as empresas e entidades a ela equiparadas, somam-se à essa alíquota regular as alíquotas próprias das contribuições devidas a outras entidades e fundos, também denominadas de terceiros (Sesi, Senai, Sest/Senat e Incra, dentre outros), além das alíquotas variáveis para custeio dos benefícios relacionados aos acidentes de trabalho — Giltrat (antigo SAT/RAT) — e das aposentadorias especiais.

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    é sócio-diretor da Advocacia Tenório Moura, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet) e em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco.

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