Segurança jurídica

Em decreto criticado por especialistas, Rio regulamenta Lei Anticorrupção

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20 de julho de 2018, 19h18

O governo do Rio de Janeiro regulamentou a Lei Anticorrupção para adaptar à legislação estadual as regras para assinatura de acordos de leniência. O decreto foi publicado na edição desta sexta-feira (20/7) do Diário Oficial do estado.

O objetivo é estimular empresas que cometeram irregularidades contra a administração estadual a assinar os acordos e ajudar as autoridades a investigar os casos, explicar o procurador-geral do Estado do Rio, Rodrigo Zambão, à ConJur.

Um dos principais problemas dos acordos de leniência é a concorrência de entidades competentes. Na esfera federal, a lei dá apenas à Controladoria-Geral da União o poder de fazer acordos, mas tanto a Advocacia-Geral da União quanto o Ministério Público Federal vêm se atribuindo essa função, e o Tribunal de Contas da União se deu o poder de fiscalizar os acordos.

No Rio, a Controladoria-Geral do Estado é quem negociará os acordos. Como o órgão ainda não foi implantado, até junho de 2019 essa atribuição ficará com a PGE.

Mas o objetivo é que todos os órgãos de controle estaduais – CGE, PGE, Ministério Público – atuem em conjunto na celebração dos acordos de leniência, declarou Zambão, um dos autores do decreto.

Conforme a norma, só pode celebrar acordo de leniência a primeira empresa a relatar uma irregularidade. Além disso, é necessário que ela tenha para de praticar o ato ilícito, que admita sua participação no esquema e colabore com as investigações, fornecendo informações e documentos.

Com o acordo, a multa da companhia pode ser reduzida em até dois terços, e ela pode ter atenuação ou isenção de sanções administrativas ou cíveis. Ainda assim, a empresa deverá ressarcir os danos que causou.

A norma reproduz as sanções e critérios para determinação delas previstos na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Ou seja: multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior ao da instauração do processo administrativo de responsabilização, a ser calculada com base em agravantes (como reincidência) e atenuantes (ter programa de compliance).

Críticas à norma
No entanto, advogados criticaram o Decreto 46.366/2018. Segundo o presidente da Comissão Anticorrupção e Compliance da seccional fluminense da OAB, Yuri Sahione, a publicação deveria ser alvo de maior análise pelo governo do Rio. Ele afirma que o decreto fluminense é muito semelhante ao do governo federal e desconsidera aspectos importantes para o estado. "Ao se basear no decreto federal, o texto não trata, por exemplo, da possibilidade de recurso para instância superior, já prevista na legislação estadual."

O advogado, que contribuiu com um projeto de lei sobre o tema, destacou que a possibilidade prevista no texto do decreto de a comissão processante desconsiderar administrativamente a personalidade jurídica do possível infrator acaba sendo controversa, em função de vários posicionamentos judiciais contrários.

Possibilidades de adequação do pagamento da multa também são apontadas por Sahione como um ponto que talvez mereça maior flexibilidade por parte do órgão fiscalizador, pois, segundo ele, poderá gerar desproporcionalidade e comprometimento da existência e manutenção das empresas.

"As multas previstas no texto podem alcançar até 20% do faturamento bruto da empresa, com 30 dias para sua quitação, resultando, em alguns casos, inclusive, no fechamento das atividades de determinadas organizações, o que não seria razoável do ponto de vista de seu cumprimento", analisa. Ele cita que o projeto de lei encaminhado pela comissão da OAB-RJ prevê mecanismos de acordo e parcelamento mais eficientes para facilitar e garantir a execução do pagamento.

Segundo o advogado, no projeto de lei que aguarda parecer da CCJ há, inclusive, um dispositivo importante que poderia ser adotado pelo estado do Rio de Janeiro, para futuros editais de concorrência pública, que trata de critérios para aferição de programa de integridade em consórcios empresariais. "Neste projeto de lei sugerido destacam-se critérios objetivos para que as empresas comprovem, dentro do contrato de consorcio, o seu programa de compliance", ressaltou.

"O estado do Rio de Janeiro acaba perdendo uma grande chance de aprimorar a legislação ao seguir a base do decreto federal, amplamente criticado em alguns aspectos. Seria o momento de aproveitar para avançar sobre esta regulamentação, tão importante para o combate à corrupção e manutenção da ordem jurídica", avaliou Sahione.

Lucas Paglia, especialista em governança, risco e compliance do Braga Nascimento e Zilio Advogados, considerou o decreto "temerário". Em sua visão, a norma pode ter o efeito inverso e estimular a corrupção

“No Rio de Janeiro, como em outros estados, o maior medo é que todo procedimento administrativo mais uma vez fique na mão de pessoas passíveis de corrupção. A criação de mais um procedimento desta natureza aumenta a possibilidade de corrupção”, diz.

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