Yo bien sé que el olvido, como un agua maldita
nos da una sed más honda que la sed que nos quita,
pero estoy tan seguro de poder olvidar…"[1]
É certo que muito se tem publicado sobre decisão do STJ a propósito do julgamento do REsp 1.660.168, tendo por pano de fundo o exame do "direito ao esquecimento". Assim consignado, longe de nós aventurarmos em pretensão de superar os robustos argumentos e ponderações até então deitados sobre o assunto.
Nossa pretensão é agregar novas ideias para futuras reflexões sobre a matéria, que é de primeira ordem e, a nosso sentir, ainda examinada como se estivéssemos a tatear em campo minado.
O julgamento do mencionado apelo especial pelo STJ parece-nos mais um passo no sentido do aperfeiçoamento da análise do direito ao esquecimento; daí a razão para o parcial título: "Esqueçam o Superior Tribunal de Justiça!", que, observamos, nada tem de pejorativo, muito pelo contrário, pois assim o fizemos em razão do horizonte que se nos descortina, aparentando este ser ainda mais amplo do que a até aqui festejada, ou para alguns, apedrejada, conclusão a que chegou o STJ pelo direito de jurisdicionada obter provimento obrigando os "provedores de busca na internet a instalar filtros para que determinado conteúdo não fosse apontado nas pesquisas relacionadas ao nome dessa pessoa"[2].
Não é possível descartar a importância do exame levado a efeito pelo Tribunal Superior, mas cumpre-nos esclarecer e repisar que, quando dissemos "Esqueçam o Superior Tribunal de Justiça!", o foi para alertarmos a sociedade em geral para a situação de que o direito ao esquecimento está abarcado por princípios de ordem constitucional, o que certamente reclamará solução final pelo STF.
E a seguir passamos a explicar.
A corrente doutrinária defensora da não existência do direito ao esquecimento está fundada nos fatos de, se assim reconhecido, estar-se-ia (i) ferindo a liberdade de expressão; (ii) restringindo o direito de acesso à história; (iii) configurando censura; e (iv) afrontando o interesse público de acesso às informações, entre outros.
De outro giro, a corrente que se posiciona em sentido contrário, ou seja, pelo reconhecimento do direito ao esquecimento, finca raízes na contraposição entre a liberdade de expressão e os direitos fundamentais, com especial ênfase para a atração do princípio da dignidade humana.
Aliás, em reforço ao nosso posicionamento sobre a competência do STF para dar termo final ao assunto, temos que reconhecida a "existência de repercussão geral da matéria constitucional" para o Tema 786 no ARE 833.248/RJ, com voto vencedor do ministro Dias Toffoli, que, em apertada síntese, concluiu haver necessidade de se harmonizar os princípios constitucionais em frontal colisão: "De um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada".
Por relevante, destacamos que a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não provimento daquele ARE 833.248/RJ com repercussão geral reconhecida, "por inexistir demonstração de violação aos direitos da personalidade" (Parecer 156.104/2016 PGR-RJMB).
Há de também ter peso para a resolução do assunto o Tema 995, cuja existência de repercussão geral foi reconhecida pelo STF por ocasião do exame do RE 1.075.412/PE, em face de "alegada invasão de competência praticada pelo Superior Tribunal de Justiça" e pelo fato de "estar em jogo questão de maior relevância a versar o campo de atuação dos veículos de comunicação, limitados no exercício constitucional da liberdade de imprensa".
Mais recentemente, na 1ª Turma da corte suprema e ao julgar a Rcl 28.747, foi vencedor o entendimento de que "a retirada de matéria divulgada online em blog jornalístico exige uma caracterização inequívoca de comportamento doloso contra alguém", sendo que "a Constituição protege o direito de retificação, resposta e reparação, mas não o de retirada de crítica plausível"[3].
Firme no posicionamento de que uma decisão definitiva sobre o direito ao esquecimento é e será de competência do STF, adicionamos um "tempero extra" para reflexão, qual seja: o fato de que as cortes alienígenas têm se debruçado há algum tempo sobre a matéria; tendo inclusive o Tribunal de Justiça da União Europeia, em decisão consubstanciada no Acórdão C-210/16, esta divulgada pelo Comunicado de Imprensa 81/18, concluído que "o administrador de uma página de fãs no Facebook é conjuntamente responsável com a Facebook pelo tratamento dos dados dos visitantes da sua página".
Mas a decisão em comento não parou por aí, pois destacamos de sua parte dispositiva o enunciado vazado no sentido de que "não será esse o caso se se afigurar que, por razões especiais como, por exemplo, o papel desempenhado por essa pessoa na vida pública, a ingerência nos seus direitos é justificada pelo interesse preponderante do referido público em ter acesso à informação em questão, em virtude dessa inclusão".
Portanto, como ressalvado na abertura deste expediente, nossa intenção foi a de jogar mais algumas luzes para os debates e reflexões feitas e futuras, necessárias para a análise do direito ao esquecimento, que, ao final sustentamos, será de competência do STF; sendo que, em tom provocativo, deixamos assentado o Louvor do Esquecimento, de Bertold Brecht[4]:
Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se erguia do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigioso?
A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.
[1] BUESA, José Angel. Poema del olvido.
[2] SOUSA, Ulisses César Martins. Decisão do STJ contribui para aprimoramento do direito ao esquecimento. ConJur. Opinião. 11 de maio de 2018.
[3] Notícias STF. 5/6/2018.
[4] BRECHT, Bertold. 'in' Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas. Tradução de Paulo Quintela.