Segunda Leitura

Erros e consequências nas carreiras e instituições jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

15 de julho de 2018, 8h00

Spacca
Nós, brasileiros, somos queridos no mundo inteiro. Cordialidade no trato, futebol, música, deram-nos a fama de gente pacífica e de boa índole. Isso é muito bom não apenas do ponto de vista afetivo, mas também porque abre muitas portas.

No entanto, temos que reconhecer, somos um povo pouco organizado. Bom exemplo disso é o que se passa nos rendimentos da aposentadoria. O Instituto Paraná Pesquisa, a pedido do estado de Minas Gerais, apurou que “mesmo os mais escolarizados não fazem planos para o momento de deixar o mercado de trabalho. Entre os entrevistados que têm ensino superior, seis em cada 10 não fazem economia para usufruir durante a inatividade”[1].

Se poucos se preparam economicamente para a terceira idade, não sendo raro o caso de profissionais liberais que tiveram sucesso e atualmente não dispõem de dinheiro nem sequer para pagar o condomínio, não é diferente nas demais áreas.

Na educação, “um relatório inédito do Banco Mundial estima que o Brasil vá demorar 260 anos para atingir o nível educacional de países desenvolvidos em Leitura e 75 anos em Matemática”[2]. Na administração pública, o planejamento estratégico avança a passos lentos. Até na organização de eventos, públicos (como posses em tribunais) ou privados (por exemplo, congressos), são comuns os atrasos, o que significa claro desrespeito a quem chegou na hora marcada.

Muitos desses erros prejudicam pessoas, famílias, instituições, ainda que de forma nem sempre perceptível. Mas, além deles, nas relações individuais há outros que mesclam desorganização com irresponsabilidade e até mesmo falta de educação. Causam danos que prejudicam pessoas, serviços, eventos, inclusive economicamente.

Vejamos 10 exemplos tirados de casos reais, com foco nas relações jurídicas, alvo permanente do nosso interesse.

1. Ler instruções. Editais, regulamentos, orientações indicam todos os passos para participar de alguma atividade. Ocorre que muitos não se dão ao trabalho de ler e procedem erroneamente ou telefonam pedindo explicações. Com isso, criam uma série de problemas para quem está na administração, inclusive a perda de tempo útil, tempo que na vida moderna se torna cada vez mais valioso e escasso.

2. Falar tudo de uma vez. Perguntando ou respondendo, é comum que a pessoa, em vez de informar o que deseja de uma vez, coloque o assunto em doses homeopáticas, uma, duas ou três mensagens seguidas, obrigando uma pessoa ocupada a ler e dizer várias vezes o que poderia ser dito em uma. É óbvio que esse procedimento não contribui para nada.

3. Delegação à secretária. Há quem não tenha noção de hierarquia ou etiqueta. Uma autoridade manda um funcionário telefonar para outra autoridade de igual ou superior hierarquia, deixando-o na linha à espera de sua vinda ao telefone. Isso faz com que aquele que atende já o faça com má vontade, predisposto a dizer não, seja qual for a razão do telefonema.

4. Convites sem resposta. O Diretório Acadêmico convida professores para um evento. O convidado, entretanto, não responde ao convite, deixando os alunos sem saber se devem reservar lugar, pagar por mais um no coquetel ou convidar um terceiro. E a se perguntar: e se ele ficar ofendido se convidarmos outro? O exemplo é de um diretório, mas vale para tudo, inclusive cerimônias oficiais. Falta de educação e de sensibilidade mostra o convidado como um irresponsável. Se ele for uma autoridade de alto nível, ainda receberá convites. Mas, no dia em que deixar o cargo, não será lembrado nem para o chá mensal dos aposentados.

5. Alunos criando má imagem. Nos bancos acadêmicos, forja-se a imagem pessoal. Aquele que pedir para ver o trabalho de um colega de classe para "saber como é", mas copia parte ou todo o conteúdo sem que o outro saiba, pede para o professor abonar as faltas em troca de fazer um artigo que nunca é entregue, participa de trabalho em grupo apenas formalmente, obrigando os demais a cumprir a obrigação sem sua ajuda e de tudo reclama e recorre, mais preocupado em enfrentar inimigos imaginários, evidentemente nunca será lembrado para nada que represente uma boa oportunidade de evolução cultural ou boa proposta de trabalho.

6. Reação aos equívocos alheios. Claro que ninguém fica feliz quando é vítima de um engano. Mas às vezes eles acontecem e podem, até, ter causa justificada. Somos seres humanos e falíveis. Porém, a reação deve ser proporcional, sem que o fato se torne motivo para mágoa eterna, recheada com promessas de vingança. Certa feita, um dos mais brilhantes ministros que o STJ já teve, Ruy Rosado de Aguiar, foi a Cuiabá dar uma palestra em um seminário do qual participei. Por algum motivo, não havia ninguém a esperá-lo no aeroporto. Ele apanhou um táxi, foi para o hotel e dormiu. No dia seguinte, foi localizado, com mil pedidos de desculpas. Sem dar ao fato maior importância, participou do evento, deu uma excelente palestra e saiu do evento ainda mais admirado por todos. Inclusive por mim, que nunca esqueci aquele exemplo de simplicidade.

7. Tratar mal pessoas intermediárias. Nas relações de estudo ou de trabalho, há sempre funcionários que intermedeiam interesses. Nem sempre são tratados com a consideração que merecem. É prova de péssimo caráter bajular os que estão acima na escala social e maltratar os que estão abaixo. Os que assim procedem devem ser vistos com cautela. Por exemplo, marcar um voo atendendo a um convite e, poucas horas antes do evento, alterá-lo, comunicando então ao funcionário que terá que se desdobrar para achar lugar na nova opção e ainda dando prejuízo a quem paga.

8. Reunião sem agenda. Prova de enorme falta de organização é realizar qualquer tipo de reunião, por mais simples que seja, sem agenda. É quase certa a perda de tempo inútil pela dispersão de assuntos e esforços. Em visita a um tribunal em Singapura, no mês passado, surpreendi-me pela organização. Ao ser confirmada minha visita, recebi o programa que iria ser cumprido, com horários de chegada e de saída. Não é por acaso que Singapura situa-se entre os mais ricos países do mundo, sendo o quarto no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

9. Audiências e sessões. Atrasos no início de audiências e sessões são intoleráveis. A pauta deve ser feita com previsibilidade, inclusive na hipótese de um ato ser adiado. Obrigar pessoas a esperarem é um ato de absoluto desrespeito. Faltar vai além, é falta administrativa que deve ser comunicada à Corregedoria. Constatar que a precatória não será cumprida só na hora da audiência, após as partes e advogados fazerem-se presentes, às vezes até tendo feito caro deslocamento aéreo, é irresponsabilidade inominada que deve ser comunicada aos órgãos de controle e, eventualmente, objeto de ação de ressarcimento civil.

10. Carro oficial em atividade particular e outras pequenas vantagens. Por vezes, atos pequenos são praticados por uma pequena vantagem econômica ou por exibição de poder. O veículo oficial é comum nos tribunais superiores e nos de apelação e em outros órgãos do sistema de Justiça. Sua função é levar e trazer a autoridade. Esta, todavia, por uma economia tola de R$ 50 ou R$ 100, ou para exibir seu “status”, manda que o veículo leve seu filho ao aeroporto ou algo semelhante. Expõe seu órgão de trabalho, cria uma flagrante rejeição social, arrisca-se a ser ofendido com grave dano à sua imagem pessoal e também à de seus colegas, que indiretamente serão atingidos. Não há mais espaço para esse tipo de atitude.

Aí estão 10 simples ações ou omissões que são comuns na rotina dos afetos ao mundo do Direito. Isoladas ou cumulativamente, colaboram, pouco a pouco, para descrédito de pessoas e instituições, criando sentimentos negativos de desconfiança e rejeição. Diante delas, é preciso reagir, e não encará-las com uma benevolência, que é muito mais um ato de covardia do que de bondade.

Evitá-las, aprimorando-nos como pessoas, e alertar os que as praticam, em caráter privado, com educação e firmeza, é nosso dever.


[1] https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/07/23/internas_economia,885939/brasileiros-nao-se-preparam-para-velhice.shtml
[2] http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/brasil-so-deve-dominar-leitura-em-260-anos-aponta-estudo-do-banco-mundial/?cHash=8c1f9864f413b14d166b75d0e6ab407a

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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