Limite Penal

A inteligência artificial chegou chegando: magistratura 4.0

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13 de julho de 2018, 8h00

Spacca
A inteligência artificial chegou de vez no ambiente jurídico[1]. Após 30 anos do texto da Constituição da República, o desafio não é mais o de analisar o plano semântico, mas, sim, o de ampliar o modo de aprendizagem do modo constitucional de perceber o mundo, enfim, de se colocar lentes constitucionais adequadas à democracia, no eterno jogo de matizes ideológicos e de interesses econômicos. No campo da magistratura, o desafio ainda é maior em face da formação plural dos atuais componentes dos tribunais e das demandas por eficiência jurisdicional. Esta pequena reflexão, então, partindo da premissa de que o futuro da magistratura brasileira é incerto, mas deve se manter nas balizas constitucionais, aponta para o impacto da transformação digital, a saber, a magistratura 4.0, em que a tecnologia passa a compor, cada vez mais, o universo jurisdicional.

A pretensão de construir máquinas inteligentes passa pelos desafios da tecnologia, tendo recentemente o Supremo Tribunal Federal noticiado a utilização do denominado “Victor”. Por isso, 30 anos depois, parece necessário buscar minimamente compreender o que se passa. Há um fosso entre o ensino do Direito e as novas tecnologias[2]. Enfim, o campo da inteligência artificial pretende discutir as possíveis equivalências entre os mistérios do cérebro humano e as capacidades das máquinas. O desenvolvimento da inteligência artificial se deu por diversos caminhos e não cabe aqui fazer uma introdução à inteligência artificial. O que se pretende é indicar algumas variáveis capazes de autorizar o estabelecimento de diálogos com o campo do Direito, mais especificamente sobre a possibilidade da tomada de decisão e a predição dos resultados processuais penais[3].

Para tanto, será necessário distinguir a inteligência artificial forte e a fraca. Enquanto o objetivo da primeira (forte) é construir uma máquina que responda à inteligência geral humana, a segunda (fraca) busca emular a realização de tarefas específicas[4]. Enquanto na geral se busca um substituto, na especializada se pretende predizer aplicações individualizadas. O alvo das duas é diferenciado e, no que se refere ao Direito, a pretensão se vincula à compreensão fraca, dada a multiplicidade de fatores que podem, em potência, constituir-se em fatores da decisão. Nesse sentido, a partir da Ciência da Computação e da Matemática, pretende-se construir máquinas/programas capazes de ampliar o horizonte de informações, do manejo de dados e da produção de decisões em conformidade com a normatividade.

Os problemas associados a esse objetivo são enormes, fundamentalmente porque a modulação de novas tecnologias depende de diversas premissas que não podem compor, por definição, o desempenho da máquina. Parte-se, assim, de diversas alusões e premissas teóricas que, uma vez alteradas, colocam por terra os resultados pretendidos (lógica não monotônica). Daí que a leitura será sempre situada em face das premissas eleitas a priori, em conformidade com os pesquisadores. Será sempre a partir de hipóteses que se poderá construir um saber minimamente coerente, sem que as premissas muitas vezes sejam demonstráveis empiricamente. Há uma doxa no centro da inteligência artificial aplicada ao Direito. Esse fato, todavia, longe de ser um problema que desqualifica os resultados, situa-se no contexto do que se passa ordinariamente no campo da Teoria do Direito.

O ambiente da linguagem será o campo pelo qual a temática será situada. A linguagem invocada apresenta-se como divisão de três campos: sintático, semântico e pragmático. A construção de algoritmos partirá das possíveis articulações dos diversos campos (sintático, semântico e pragmático), dando-se relevo ao fato de que a Teoria da Decisão minimamente realística deverá buscar os alicerces em mecanismos realisticamente pragmáticos, sob pena de se situar em espaço em que a articulação meramente lógica e de vinculação de conceitos (campo semântico) mostra-se insuficiente dado o fator contexto e suas diversas recompensas.

A hipótese básica é a de que o Direito opera no nível da linguagem, e quanto mais se puder articular os campos de modo realístico, mais se poderá construir aparatos tecnológicos próximos da realidade e operativos. O aparato a ser desenvolvido auxilia o processo de tomada de decisão que guarda um coeficiente humano, especialmente no procedimento de atribuição de sentido no processo penal. O novo caminho nem tanto artificial da decisão judicial chegou. O jurista 4.0 chegou, queira-se ou não. Em colunas posteriores voltarei ao tema.

P.S. Sobre as decisões dominicais (solta e prende), indico o artigo de Rômulo Moreira (aqui).


[1] Na Univali (Universidade do Vale do Itajaí), onde sou professor do mestrado/doutorado, desenvolvo pesquisas e aplicativos de big data e predição judicial, com perfis e mapas mentais de julgadores, bem assim expectativas de comportamento decisório em diversos campos do Direito. Pretendo divulgar os resultados por aqui também. Em breve.
[2] FELIX, Yuri; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Novas Tecnologias de Prova no Processo Penal: odna na delação premiada. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
[3] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Teoria dos Jogos e Processo Penal: short introduction. Florianópolis: EMais, 2018. No livro, desenvolvo a temática das expectativas de comportamento decisório a partir de uma leitura adaptada e profanada da Teoria dos Jogos.
[4] LÓPEZ DE MÁNTARAS BADIA, Ramon; MESEGUER GONZÁLEZ, Pedro. Inteligencia artificial. Madrid: CSIC/Catarata, 2017.

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    é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Processo Penal na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

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