Opinião

O direito de privatizar e a liminar do ministro Lewandowski

Autores

  • Irapuã Santana do Nascimento da Silva

    é ex-assessor de ministro no STF e no TSE procurador do município de Mauá (SP) professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais (CBEC) além de consultor da Educafro e da Rádio Justiça.

  • Elena Landau

    é advogada economista e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.

10 de julho de 2018, 7h19

Recentemente, foi proferida decisão no STF determinando uma espécie de limitação da privatização de empresas no país.

O ministro relator deu interpretação conforme a Constituição a dispositivo da Lei 13.303/2016 para assentar a necessidade de prévia autorização legislativa na venda do controle acionário das estatais.

Apesar de demonstrar muita preocupação com o atual quadro nacional a respeito do tema, as questões tratadas no caso já foram muitas vezes discutidas em nossa suprema corte.

Destacamos um aspecto da fundamentação utilizada para a concessão da liminar: a possibilidade de se entender o Programa Nacional de Desestatização (PND) como autorização genérica dada pelo Legislativo para que o Executivo faça a gestão da coisa pública e a ordenação da vida econômica no país.

O ministro entendeu haver urgência para o Judiciário agir na medida em que, “diariamente, vêm sendo noticiadas iniciativas do Governo no sentido de acelerar as privatizações de estatais”. E, por esse motivo, determinou a suspensão do leilão de privatização da Companhia Energética do Estado de Alagoas (Ceal) na Ação Ordinária 3.132.

De modo a justificar seu posicionamento, citou os precedentes contidos nas ações diretas de inconstitucionalidade 234 e 3.578.

Entretanto, com o devido respeito, nenhuma dessas é aplicável ao caso, visto que a ADI estabelece a necessidade de autorização do Legislativo para a venda de ativos, o que não foi negado em momento algum pela Lei 13.303/2016, como o próprio ministro expressamente reconheceu:

Embora a redação dos artigos impugnados da Lei 13.303/2016 não tratem expressamente da dispensa da autorização legislativa, é justamente a ausência de menção a esta indispensável medida prévia que pode gerar expectativas ilegítimas e, consequentemente, insegurança jurídica, sobretudo no contexto da flexibilização da alienação de ações de que tratam os dispositivos atacados.

Ora, como reconhecer uma potencial inconstitucionalidade de algo que nem sequer está contido na norma questionada?

De outro lado, no tocante à citação do voto do ministro Sepúlveda Pertence, não menciona parte importante do julgado trazido ao debate, qual seja, que sua posição era minoritária em diversos julgados. A partir da transcrição da ementa do acórdão, é possível identificar:

Desestatização de empresas públicas e sociedades de economia mista: alegação de exigência constitucional de autorização legislativa específica, que — contra o voto do relator — o Supremo Tribunal tem rejeitado; caso concreto, ademais, no qual a transferência do controle da instituição financeira, do Estado-membro para a União, foi autorizada por lei estadual (conforme exigência do art. 4º, I, a, da MPr 2.192-70/01 – PROES) e a subseqüente privatização pela União constitui a finalidade legal específica de toda a operação; indeferimento da medida cautelar com relação ao art. 3º, I, da MPr 2.192-70/01, e ao art. 2º, I, II e IV, da L. 9.491/97.

Na página 7 do voto do ministro Sepúlveda Pertence, podemos encontrar os precedentes nos quais o STF já havia reconhecido a desnecessidade de uma lei específica para cada processo de privatização:

Mas, então, fiquei vencido, o que se repetiria de outras vezes em que igualmente a lei específica pareceu dispensável à maioria, satisfeita com a autorização legal genérica de desestatização, a ser individualizada, em cada caso, por ato da Administração (v.g., ADIn 1703-MG, Galvão, 27.11.97, DJ 13.8.99; ADIn 1724-MG, Néri, RTJ 171/410; ADIn 1549-MG, Rezek, 16.12.96; ADIn 1724-MG, Néri, 11.12.97, DJ 22.10.89.

De igual modo, há outros julgados no STF no sentido de que o PND também é uma autorização legislativa suficiente para iniciar uma privatização. A ADI 562, de relatoria do ministro Ilmar Galvão, é a ação na qual foi fixada a posição na corte:

 

Portanto, não há nada de novo na ação julgada liminarmente pelo ministro Lewandowski. Na existência de uma lei com autorização genérica, conforme a Lei 9.491/97, a decisão para privatizar é feita de forma individualizada por ato da administração. No caso do governo federal, a inclusão no PND se dá através de decreto presidencial. Há 27 anos é assim. Dezenas de empresas, inclusive concessionárias de serviços públicos, foram vendidas com base nesse procedimento, e em todos os casos, o leilão de ações de controle foi aceito como forma legal de licitação.

Em seu artigo “Soberania nacional e ativos estratégicos”, publicado na Folha de S.Paulo no mesmo dia em que concedeu a liminar, o ministro deixou claro sua posição pessoal contra privatizações.

O artigo 173 da Constituição diz claramente que a participação do Estado na atividade econômica é exceção, e não a regra. E, pela lei do PND, quem define setores estratégicos é o Executivo. Temos um governo respirando por aparelhos. Só isso explica a invasão de sua competência sem que esboçasse uma reação à altura da gravidade da decisão.

O Congresso, por sua vez, parece não se importar com o fato de o ministro ignorar uma lei aprovada em 1990, ampliada em 1997. O artigo da nossa Constituição que trata da separação de poderes anda meio esquecido por esses dias.

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  • Brave

    é assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, mestre e doutorando em Direito Processual pela UERJ. Procurador do Município de Mauá (SP). Professor da pós-graduação lato sensu da UniCEUB. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais (CBEC). Consultor Voluntário da Educafro.

  • Brave

    é advogada, economista e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.

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