Embargos Culturais

O eterno problema da precarização das condições de trabalho

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

8 de julho de 2018, 8h05

Spacca
Siwa-Akofa Siliadin nasceu no Togo em 1978 e ainda menina foi para Paris. Chegou na França com cerca de 15 anos de idade, acompanhada de uma francesa, de origem togolesa, para quem inicialmente trabalhou como empregada doméstica, enquanto aguardava a regularização de sua documentação. Siwa-Akofa trabalhou e economizou até pagar o montante referente ao que foi gasto com a passagem. Viveu como se fosse uma serva; seu passaporte fora confiscado.

Mais tarde, foi cedida a uma outra família, onde cuidou de crianças e fez serviços domésticos. Trabalhava todos os dias, sem feriados ou descansos. Recebeu permissão para ir à missa (suas patroas eram muito religiosas), eventualmente. Dormia num colchão instalado no quarto das crianças da casa. Vestia roupas velhas e nunca recebeu nenhuma forma de pagamento, exceto uma ou outra nota de pequeno valor, dada pela avó da dona da casa.

Em julho de 1998, Siwa-Akofa conseguiu contar a estória a um vizinho, que contatou um comitê que lutava contra a escravidão moderna. Ajuizou-se uma ação penal contra os donos da casa, que foram acusados de exploração de trabalhadores, forma muito mitigada de se falar sobre a escravidão contemporânea. Também responderam por terem obrigado Siwa-Akofa a viver sob condições incompatíveis com a dignidade humana.

Os donos da casa foram condenados em 1ª instância a 12 meses de prisão, mas conseguiram suspender a condenação. Apelaram e foram absolvidos em outubro de 2000. Em maio de 2003, a Corte de Apelação de Versalhes reverteu a decisão, definindo pela culpa dos donos da casa. No entanto, a corte especificou que as condições de trabalho não eram incompatíveis com a dignidade humana. Determinou-se o pagamento de salários atrasados.

Siwa-Akofa, com apoio de várias entidades defensoras de direitos humanos, levou a questão à Corte Europeia de Direitos Humanos. Protestou pela aplicação do artigo 4º da Declaração Europeia, que proíbe a utilização de trabalho forçado. Invocou que não houve suficiente proteção do Direito francês em relação à servidão à qual foi submetida. Ela viveu como uma escrava doméstica, e não foi adequadamente protegida.

Definiu-se que há obrigação positiva dos Estados, no sentido de que adotem leis penais que façam do uso do trabalho escravo uma ofensa efetivamente punível. A situação era ainda mais grave na medida em que Siwa-Akofa tinha medo de ser presa e deportada, razão pela qual hesitava em procurar as autoridades. Configurou-se que ela foi submetida a regime de trabalho forçado.

Essa rápida reflexão, calcada em uma tragédia, e incontáveis tragédias como essa há, na Europa e aqui bem na frente de nossos olhos, é mais uma permanente lembrança para que lutemos incessantemente contra a precarização das condições de trabalho, onde quer que elas ocorram.

Autores

  • Brave

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Tem MBA pela FGV-ESAF e pós-doutorados pela Universidade de Boston (Direito Comparado), pela UnB (Teoria Literária) e pela PUC-RS (Direito Constitucional). Professor e pesquisador visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

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