"Tormento emotivo"

Japonês da Federal conta estratégias que foram usadas para conseguir delações

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6 de julho de 2018, 8h48

A teoria dos jogos é constantemente emprestada da matemática para explicar por que a delação premiada funciona. A imagem preferida é a do “dilema do prisioneiro”: duas pessoas da mesma quadrilha são presas e interrogadas separadamente. De repente, têm de escolher entre ficar caladas e continuar impunes ou delatar os comparsas e conseguir benefícios como o perdão. Mas a impunidade só existe se ninguém falar, e o prêmio só será dado ao primeiro que delatar.

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Pois os dilemas dos prisioneiros da operação “lava jato” são outros. Pelo menos de acordo com a versão do ex-agente da Polícia Federal Newton Ishii, mais conhecido como “Japonês da Federal”.

No livro O Carcereiro, do jornalista Luís Humberto Carrijo, editado pela Rocco e que será lançado neste sábado (7/7), ele conta algumas das estratégias que levaram executivos, doleiros e diretores da Petrobras a assinar os acordos de delação que deram sustentação à “lava jato”.

Embora Ishii seja aparentemente um personagem menor da “lava jato”, o livro narra bastidores que indicam coisa diferente. Agente da PF durante mais de 20 anos, ele ficou famoso por conduzir os presos de suas casas aos carros da corporação, ou dos veículos à carceragem. Mas também era o chefe da carceragem e tinha contato diário com os presos, que o consideram uma pessoa agradável, humana. E nada disso passou despercebido pelas celebridades da operação.

“Com o talento para induzir pessoas a pensarem que chegaram por conta própria a uma conclusão sugerida, o agente poderia ser um instrumento valioso. Não foram poucas as vezes que os jovens delegados, de barba cerrada e cara de mau, recorreram a ele”, segundo a versão contada no livro.

O primeiro dilema descrito por Ishii entre os presos da operação é o do medo. Os presos da “lava jato” ficam presos num setor separado da carceragem da PF em Curitiba, justamente para que não compartilhem da presença de presos comuns, por questões de segurança. Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, e o lobista Fernando Baiano, operador do PMDB, são apontados como dois casos que optaram por falar para se proteger de um medo descrito como irracional pelo Japonês.

Palocci chegou a pedir a Ishii indicação de pessoas que pudessem fazer a segurança de suas famílias, e Baiano mais de uma vez mencionou ter medo de ser assassinado, segundo o ex-agente. Ao que o Japonês explicava que a delação poderia ser um seguro de vida: “Se você fala, não existe mais motivo para alguém te eliminar, porque o segredo que poderia prejudicar alguém já foi revelado”.

Baiano ficou preso por quase um ano, entre 2014 e 2015. Depois que contou ter sido o responsável por repassar US$ 5 milhões ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em 2011 e ter entregado R$ 2 milhões à campanha de Dilma Rousseff à presidência em 2010, foi solto. Em agosto de 2015, foi condenado a 16 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

Palocci ainda está preso, mas só recentemente sua delação, negociada diretamente com a Polícia Federal, foi homologada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva, em novembro de 2017.

Saudade
Fator determinante para que suspeitos tenham se tornado réus confessos e dispensado investigadores de investigar foi a saudade que sentem da família enquanto estão no cárcere.

“Newton conta que a predisposição dos presos em colaborar foi desenhada nas primeiras visitas dos familiares”, narra o livro. Alguns chegaram a consultá-lo sobre a prudência ou conveniência de delatar, ao que Ishii respondia: “Bom, você tem que ver o lado da família, né? Os filhos, a esposa. Aí a decisão é tua”.

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Newton Ishii, chefe da carceragem da PF em Curitiba, era usado por investigadores para incutir em presos a ideia de delatar comparsas, afirma livro.
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Os primeiros encontros com familiares eram sempre no espaço destinado a contatos dos presos com visitas. Ficavam separados dos visitantes, normalmente mulheres e filhos, por um “espesso vidro translúcido”. Os encontros duravam até duas horas, e eram acompanhados de pedidos para que as próximas visitas pudessem ser numa sala sem aquele vidro, para que pudessem se abraçar e se beijar.

“Mas o carcereiro era implacável e não permitia a aproximação física. Somente após um sem-número de visitas, quando o preso apresentava sinais de profunda melancolia, Newton consentia algo mais íntimo, uma colher de chá de foro pessoal do agente para aliviar a tensão dos detentos”, conta o livro.

Ishii observa que os acordos de delação costumam ser fechados nos dias posteriores a esse encontro. “Aí que você comprova o quanto a falta da família interfere nas escolhas do indivíduo. Essa carência era o que mais pegava na vida do cárcere.”

Renato Duque, ex-diretor de serviços da Petrobras, foi um dos que sucumbiu à “colher de chá de foro pessoal”. Ele foi condenado a mais de 60 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro por ter sido um dos coordenadores do cartel de empreiteiras que fraudavam licitações para superfaturar contratos da Petrobras.

Mas teve a pena relaxada para cinco anos por ter “confessado” que o ex-presidente Lula sabia da corrupção em contratos de construção de navios sonda da Petrobras com a Sete Brasil. A medida foi autorizada pelo juiz Sergio Moro, embora o réu ainda nem tenha conseguido fechar sua delação premiada – que exige, principalmente, a apresentação de provas do que se alega.

Ao jornalista Luís Carrijo, Duque deu um depoimento forte para explicar suas escolhas. “Sinto que estou sendo privado de momentos importantes de pessoas que amo: o começo da vida de meus netos e o final da vida de meus pais. É um sofrimento, uma dor muito grande. Só por isso, eu falo que tudo que fiz não valeu a pena”, contou ao livro.

Nova advocacia
O livro também conta como as delações premiadas serviram para mudar a advocacia criminal no Brasil. Segundo o autor, os acordos mudaram o mercado, antes dominado pelo eixo Rio-São Paulo, para incluir também “jovens talentos” de Curitiba e de Brasília, onde estão os principais clientes da “lava jato”.

De acordo com o livro, a “lava jato” dobrou o número de grandes bancas e multiplicou os honorários advocatícios. Carrijo conta em sua obra que os valores cobrados pelos defensores chegam a variar de US$ 1,5 milhão a US$ 3 milhões. À ConJur, ele disse que decidiu dedicar uma parte de seu livro à advocacia depois de perceber que as demais obras literárias sobre a operação deixaram de fora esses personagens tão importantes para as investigações.

Carrijo narra principalmente a história da advogada Beatriz Catta Preta. Responsável pela delação de Paulo Roberto Costa, o primeiro ex-diretor da Petrobras a delatar e a revelar as ramificações políticas do esquema na estatal, ela atraiu outros oito delatores com sua estratégia, afirma o livro.

Acabou causando inveja, segundo a versão do Japonês da Federal. E, diante dos ataques, abandonou a advocacia e foi morar nos Estados Unidos.

O doleiro Alberto Youssef, o primeiro a fazer delação da “lava jato” e já experiente nesse tipo de acordo, põe à prova a estratégia. Segundo ele, a delação de Paulo Roberto quase deu em nada “porque ele contou muita mentira”, conforme conta O Carcereiro.

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