Opinião

Autofinanciamento ilimitado abre espaço para políticos com poder econômico

Autor

  • Rafael Araripe Carneiro

    é doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade Humboldt de Berlim professor e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Improbidade Administrativa do IDP. Sócio-fundador do Carneiros & Dipp Advogados.

5 de julho de 2018, 14h57

*Artigo originalmente publicado na edição desta quinta-feira (5/7) do jornal Folha de S.Paulo, com o título "Autofinanciamento ilimitado e candidatura avulsa".

Sem financiamento de empresas privadas, umas das características das eleições deste ano é que alguns partidos políticos aceitaram encampar candidaturas porque os interessados ofereceram custear as campanhas eleitorais com seus próprios recursos. Isso porque a legislação eleitoral, ainda pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, permitirá o financiamento integral das campanhas pelos próprios candidatos nas eleições de 2018, exceto se até lá houver pronunciamento judicial em sentido contrário.

O critério da riqueza pessoal passou então a ser decisivo nas escolhas dos candidatos pelos partidos políticos. Nesses casos, os pretendentes não convenceram a militância partidária ou as bases eleitorais a partir de programas de governo ou projetos ideológicos. Convenceram as cúpulas partidárias com base em recursos privados e generosidade financeira.

O autofinanciamento eleitoral sem limites é, por si só, antidemocrático. Beneficia-se os mais abastados em prejuízo daqueles que não detêm poder aquisitivo, com influência direta e indevida do poder econômico no pleito eleitoral.

A ausência de limites para a utilização dos recursos do candidato vai na contramão da decisão do STF que proibiu as doações de empresas, exatamente com o fim de coibir a influência econômica nas eleições. A participação empresarial nos pleitos ao menos permitia o apoio econômico a qualquer candidato independentemente de sua condição pessoal de riqueza, o que não ocorre com o autofinanciamento. O tema é bastante relevante no Brasil diante da importância eleitoral desempenhada pelo dinheiro por aqui, pois os números demonstram que o êxito das candidaturas é diretamente proporcional à quantidade de recursos aplicada.

A preocupação com o autofinanciamento ilimitado cresce quando o critério da riqueza pessoal passa a ser decisivo na filiação e escolha dos candidatos. Nessa situação, a condição financeira torna-se um diferencial não apenas na corrida eleitoral em relação aos adversários, mas na própria possibilidade de candidatar-se. As candidaturas deixam de ser fruto de processos internos de maturação e escolha levando-se em conta os interesses sociais representados pela agremiação. O poder econômico individual dos candidatos passa a ditar a possibilidade de ser candidato. A plutocracia atinge os partidos políticos internamente, e a pureza do latim candidatus é substituída pela riqueza originária do grego pluto.

Ao outorgar aos partidos políticos o monopólio das candidaturas, já que a filiação partidária é uma condição necessária para a elegibilidade, a Constituição Federal prestigiou a função histórica das agremiações na intermediação política entre o Estado e a sociedade. A exclusividade no lançamento de candidaturas foi uma legítima opção do constituinte diante da importância da participação das agremiações nos sistemas de governo. Cabe aos partidos políticos canalizar as demandas da sociedade civil que representam e aglutinar os interesses parciais através de soluções decisórias aceitáveis entre os diferentes setores sociais em disputa.

Contudo, é preciso que os partidos políticos tratem a prerrogativa de lançar candidatos com responsabilidade democrática, preservando a vinculação das candidaturas à ideologia, história e identidade partidária, não à condição pessoal dos candidatos. Caso contrário, os partidos políticos passarão a ser mero caminho de passagem do poder econômico e aumentarão os anseios da sociedade por candidaturas independentes.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!