Opinião

O fim da neutralidade de rede nos EUA e os impactos no Brasil

Autores

  • Luiza Sato

    é advogada do Lobo de Rizzo graduada em Direito pela Universidade de São Paulo pós-graduada em Propriedade Intelectual na Fundação Getulio Vargas e LL.M em Law and Technology pela UC Berkeley School of Law.

  • Alexandre Miura

    é advogado do Lobo de Rizzo e graduado em Direito pela Universidade de São Paulo.

31 de janeiro de 2018, 5h45

Recente decisão da FCC (Federal Communications Commission), órgão equivalente à Anatel, decretou o fim da neutralidade da rede nos EUA, gerando fortes reações em todo o mundo. Muito se opina sem de fato conhecer o assunto ou entender as possíveis consequências de existir ou não a tal neutralidade de rede.

Antes de tudo, deve estar claro que, ao falar de neutralidade de rede, estamos nos referindo ao tratamento isonômico de pacotes de dados de internet, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação pelos provedores de conexão, princípio tal que é garantido no Brasil pelo Marco Civil da Internet.

Isso significa que o usuário brasileiro da internet encontra-se hoje livre para usar o pacote de dados que adquiriu como bem entender. Assim, as operadoras estão autorizadas a vender pacotes de dados de tamanhos diferenciados, mas, dentro de um pacote ofertado, o usuário poderá, a seu critério, utilizar qualquer proporção com vídeos, e-mails, sites, redes sociais e outros, independentemente do tamanho de banda que as diferentes mídias consumam.

A decisão da FCC acaba por fortalecer no Congresso brasileiro o lobby das telecoms, as maiores responsáveis pela transmissão, comutação e roteamento de dados na internet, com o propósito de acabar com a neutralidade de rede. Caso isso ocorra, será possível a cobrança de tarifas diferenciadas para acesso a diferentes conteúdos que demandem maior consumo de dados ou até mesmo restrições e bloqueios de acesso a determinados sites, podendo o provedor controlar a natureza dos dados e a velocidade com a qual trafegarão.

As telecoms argumentam que haverá mais investimentos para ampliar o acesso da população à internet e aprimoramento da tecnologia, alegando que, atualmente, o custo de manutenção e garantia da neutralidade da rede é alto. Além disso, poderiam ser criados pacotes de dados mais acessíveis à população, com restrições a determinados serviços e conteúdos.

Quem defende a manutenção da neutralidade diz que o fim do princípio, na verdade, ocasionará custos maiores para os consumidores que desejarem adquirir uma determinada velocidade de internet e uso ilimitado para obtenção de todos os conteúdos, havendo uma verdadeira diferenciação do que pode ser acessado por pobres e por ricos. Haverá também forte ameaça à liberdade do usuário, equivalente a uma censura, por haver bloqueio de conteúdo ou uma velocidade tão baixa para visitar certos sites que inviabilizará o acesso. Ainda, pequenas plataformas de conteúdo terão desvantagens ao negociar a facilidade de acesso com as telecoms, e os grandes players monopolizarão conteúdos e vendas de produtos e serviços.

Com argumentos para os dois lados, as opiniões sobre o assunto nos outros países não poderiam deixar de divergir. Como exemplo, União Europeia e Índia tentam fortalecer a legislação que garanta a neutralidade da rede, enquanto Portugal opta por manter uma internet sem a neutralidade, com oferta de pacotes diferenciados de acordo com as mídias que os usuários desejam acessar, semelhante ao modelo de TV a cabo que temos hoje no Brasil.

Em recentes entrevistas, Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, disse que não há perspectiva de mudança quanto à neutralidade da rede e, no mesmo sentido, André Borges, secretário de Telecomunicações do ministério, posicionou-se contra o fim do princípio, alegando que a revisão da norma não está atualmente sob discussão.

Resta agora acompanhar os efetivos desdobramentos da decisão da FCC nos EUA, para avaliarmos de forma mais precisa o que resultaria, na prática, o fim da neutralidade de rede no Brasil.

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  • é advogada do Lobo de Rizzo, graduada em Direito pela Universidade de São Paulo, pós-graduada em Propriedade Intelectual na Fundação Getulio Vargas e LL.M em Law and Technology pela UC Berkeley School of Law.

  • é advogado do Lobo de Rizzo e graduado em Direito pela Universidade de São Paulo.

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