Opinião

A responsabilização do compliance officer e a Lei Anticorrupção

Autor

  • Arnaldo Quirino de Almeida

    é pós-graduando em Direito Corporativo e Compliance (Escola Paulista de Direito) pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra Portugal) e em Direito e Processo Penal (Universidade Mackenzie) e especialista em Governança Corporativa Compliance Controle de Riscos e Lavagem de Capitais (Saint Paul Escola de Negócios).

31 de janeiro de 2018, 5h19

Por consectário lógico da previsão constante do artigo 42, inciso I, do Decreto 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), a responsabilidade pela implantação e efetividade do Programa de Integridade Corporativo pertence à alta direção da empresa, atraindo naturalmente sua responsabilidade pelo “não compliance” (artigo 3º da Lei 12.846/2013).

Nenhuma surpresa até aqui. Em matéria de ilicitude empresarial ou de delitos econômicos, é primordial que a sanção seja dirigida aos white-collar criminals (Edwin H. Sutherland. White-Collar Criminality: American Sociological Review, vol. 5, February, 1940, nº 1, Indiana University).

São exemplos de casos nos quais o legislador priorizou (elegeu expressamente) como sujeito da imputação os dirigentes ou membros da alta direção da pessoa jurídica (os white-collar criminals): Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (artigo 25 da Lei 7.492/1986); Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica (artigo 11 da Lei 8.137/1990); Lei de Defesa da Concorrência (artigo 32 da Lei 12.529/2011); Lei de Defesa do Meio Ambiente (artigo 2º da Lei 9.605/1998); Lei de Lavagem de Dinheiro (artigo 12 da Lei 9.613/1998); e Lei de Defesa do Consumidor (artigo 75 da Lei 8.078/1990).

Entretanto, uma leitura mais cuidadosa do artigo 3º da norma anticorrupção (Lei 12.846/2013), na sua integralidade, nos conduzirá à possibilidade de o compliance officer ser responsabilizado também pelas ilicitudes que decorrem daquela lei (além dos white-collar criminals).

A parte final do referido dispositivo legal é expresso: além dos dirigentes ou administradores (alta direção), será responsabilizada “qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito”.

Em matéria de imputação de responsabilidade na Lei Anticorrupção, o preceito legal pode mesmo ter abrangência extraordinária, alcançando, indistintamente, empregados, colaboradores internos e externos, dentre quais, portanto, tranquilamente podemos elencar, por exemplo, o compliance officer, fornecedores e prestadores de serviços terceirizados etc.

Note-se que a responsabilização da pessoa física, na hipótese, dar-se-ia por intermédio da Lei de Improbidade Administrativa (e, eventualmente, também em ação penal para apurar o crime correlato), pois ao denominado ato de “improbidade empresarial” corresponde ilícito de mesma natureza previsto na Lei 8.429/1992. É determinação expressa que decorre dos artigos 3º e 30, incisos I e II, da Lei Anticorrupção.

De regra, a literatura especializada não insere o oficial de compliance entre aquelas pessoas que naturalmente detém poder de direção ou representação da pessoa jurídica (sócios, dirigentes ou administradores: presidente, diretor executivo, membros do Conselho de Administração etc).

A hipótese mais comum é a contratação, pela empresa, de profissional especializado, sem que detenha, ele próprio, qualquer poder de comando, direção ou representação na pessoa jurídica.

Como bem esclarece novamente o professor Marcos Assi, “o compliance officer se reporta diretamente ao diretor de compliance ou a algum outro diretor indicado pela organização” (Gestão de compliance e seus desafios. São Paulo: Saint Paul Editora, 2013, pp. 50-56). Portanto, de regra, poderá exercer suas atividades em regime de relação de emprego e subordinação.

É mero coordenador (ou facilitador) que atua conjuntamente com áreas vitais à sobrevivência da empresa, tais como os setores de controles internos, gestão de riscos e segurança da informação, orientando e monitorando para o seu pleno e correto funcionamento, consoante menciona também o professor Marcos Assi (idem, p. 58): deve o compliance officer contribuir também para a manutenção e preservação da cultura ética e de integridade da empresa. Porém, não ostenta e não está necessariamente investido de poderes que são típicos daqueles que compõem a alta direção da empresa.

O compliance officer exerce função de orientação e coordenação. Não possui, de ordinário, obrigação ou dever, legal ou contratual, de evitar o cometimento de ilícitos: o exercício de seu ofício não implica inexoravelmente que tenha “deveres de garante”.

Esse dever reforçado na norma anticorrupção pela necessidade, ainda que implícita, de implantar um programa de governança e integridade corporativa, pertence aos membros da alta direção de empresa.

O que se pretende afirmar com tais ilações é que, em eventual processo administrativo ou judicial (cível e penal), para apurar responsabilidade à luz da Lei Anticorrupção, será necessária cautela na análise da conduta do compliance officer sempre consoante à estrutura organizacional da empresa e a real autonomia e independência do profissional responsável pelo programa de integridade.

Simplesmente em razão de ostentar formalmente a função de compliance officer, ou qualquer uma de suas atribuições, não é dado suficiente para indiciá-lo ou responsabilizá-lo, sem que se apure, em concreto, como se comportou em face do ilícito cometido e onde está situado na hierarquia e qual o seu verdadeiro papel na organização ou a quem está obrigado a se reportar: conselho de administração, diretor executivo, diretor de compliance, gerente de compliance, coordenador de compliance, analista de compliance.

Será importante apurar se o compliance officer omitiu por culpa ou dolo providência a que estava obrigado. Será preciso investigar se não decidiu sobre fato relevante ou não o submeteu à deliberação do conselho de administração e à diretoria da empresa, apontando a necessidade de proceder de modo diverso, sob pena de caracterizar-se alguma espécie de ilicitude (por ação ou omissão, conforme o caso).

De sorte que, feita essa digressão, podemos assegurar que o agente ou oficial de compliance somente responderá pelos ilícitos correlacionados àqueles previstos na Lei Anticorrupção por ação ou omissão deliberada (ou culpa grave), jamais pela simples razão da função que exerce, sob pena de caracterizar-se a odiosa responsabilidade objetiva numa esfera na qual ela é vedada.

É imprescindível, deve ser dito: o agente de compliance que tenha suspeita ou notícia de que irregularidades ou ilicitudes estejam sendo praticadas deverá imediatamente se reportar aos diretores ou dirigentes da pessoa jurídica a quem é subordinado, assim como instaurar procedimento interno para apurar e investigar os fatos, evitando qualquer rumor de que atua ou se comportou em face do ilícito omitindo deliberadamente fato relevante subsumido às figuras típicas da Lei Anticorrupção ou da Lei de Improbidade Administrativa, o que poderá ser considerado indício suficiente de sua participação em alguma espécie de ilicitude, seja por ação ou omissão.

Em reuniões setorizadas ou do conselho de administração das quais participe o compliance officer, é importante ressaltar sua divergência ou discordância quanto aos procedimentos e posturas que possam objetivamente incorrer nas condutas previstas na Lei Anticorrupção, na Lei de Improbidade Administrativa e nas normas civis e penais correlacionadas. Sempre que possível, é importante fazer constar expressamente a ressalva de entendimento em atas de reuniões, relatórios gerenciais, comunicados etc.

O grave erro que deve ser evitado a todo custo pela alta direção da empresa e, consequentemente, também pelo compliance officer diz respeito à implantação de compliance (ou de programa de integridade) meramente formal, o que equivale ao “não compliance”, legitimando a responsabilização desses atores. Ademais, não será considerado pela Lei Anticorrupção para fins de atenuação da sanção imposta. Essa é a dicção da Portaria CGU 909/2015 (artigo 5º, parágrafo 2º), que dispõe sobre a avaliação de programas de integridade.

Não observar esse dever de promover uma cultura de integridade com a implantação de um programa de compliance de fato eficiente e eficaz incrementa o risco da prática de ilicitudes e, por conseguinte, converte-se em fundamento razoável e suficiente à responsabilização da pessoa jurídica, ou de quem esteja investido em poderes de direção, vigilância e controle efetivo no quadro societário.

Em conclusão, de regra: (a) a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada "por não estar em compliance"; (b) o compliance officer não poderá ser responsabilizado nos termos da Lei Anticorrupção somente porque a pessoa jurídica é ineficaz ou negligente em manter-se em compliance: é necessário mais que essa circunstância para responsabilizá-lo; (c) tanto quanto os membros da alta direção da empresa, o compliance officer sujeitar-se-á à imputação de responsabilidade por atos de corrupção e correlatos caso efetivamente participe ou concorra, por ação ou omissão, para o cometimento de ilícitos relacionados à norma anticorrupção; (d) deve ser considerada a hipótese de exclusão da responsabilidade do compliance officer, sobretudo, quando evidenciado que, não obstante a existência de uma política de governança e integridade corporativa eficaz e eficiente (capaz de mitigar riscos de ilicitudes), o empregado ou terceiro, contrariando flagrantemente as diretrizes e missão da empresa, atuaram de modo fraudulento para o cometimento de ilícitos, sem qualquer participação ou aderência do agente de compliance à conduta ilícita.


Referência bibliográfica
Almeida, Arnaldo Quirino de. Programa de integridade (compliance program) na Lei Anticorrupção e culpabilidade empresarial. Revista Síntese de Direito Empresarial: São Paulo, set-out/2017, nº 58, pp. 36-85.
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Sutherland, Edwin H. White-Collar Criminality. American Sociological Review, vol. 5, February, 1940, nº 1, Indiana University.
_________________. White Collar Crime, The Uncut Version, Montevideo-Buenos Aires: Editorial BdeF, 2009.

Autores

  • Brave

    é analista judiciário e assistente de desembargador no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Tem pós-graduação em Direito Penal Econômico e Europeu (UniCoimbra, Portugal), em Direito e Processo Penal (Mackenzie) e em Direito Corporativo e Compliance (Escola Paulista de Direito).

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