Opinião

À margem do Estado Constitucional não há direito e muito menos democracia

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30 de janeiro de 2018, 5h54

The Post – A guerra secreta, o mais recente e fabuloso filme de Steven Spielberg , com Meryl Streep e Tom Hanks, narra a história do Pentagon Papers, documento publicado pelo The Washington Post que continha diversas informações militares sigilosas sobre as ações dos Estados Unidos na guerra do Vietnã.

Quando o inicia uma série de matérias denunciando que vários governos norte-americanos mentiram acerca da atuação do país na Guerra do Vietnã, com base em documentos sigilosos do Pentágono, o presidente Richard Nixon decide processar o jornal com base na Lei de Espionagem, de forma que nada mais seja divulgado.

Logo que o New York Times divulga os primeiros conteúdos dos documentos — até então secretos — sobre as mentiras em relação à Guerra do Vietnã, manifestantes começam a protestar exigindo do governo Nixon o fim imediato da Guerra. Entre várias palavras de ordem, gritavam: “— Não é sobre política, mas sobre o que é certo”.

Quando centenas de juristas em todo o Brasil e no exterior criticam o processo que culminou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é preciso que a sociedade entenda que não é por uma questão política, mas, sobretudo, por uma questão de direito.

O processo que decorre da famigerada operação “lava jato” e que foi conduzido na primeira instância pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba já nasceu eivado de nulidades, especialmente, no que se refere a incompetência e suspeição do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Ao confirmar a condenação do ex-presidente Lula e aumentar a pena para além de 12 anos o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não só ratificou os abusos e arbitrariedades perpetrados pelo juiz de piso, como tentou legitimar um direito penal do inimigo sob o pálio de se estar combatendo a impunidade, notadamente, a corrupção.

Ao referir-se a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo TRF-4, o processualista Geraldo Prado observa que:

Na área criminal o direito com frequência é escanteado pela política. Hoje (24/1) se deu de forma emblemática: o direito foi suplantado por uma versão da política incapaz de aceitar que, pelas regras da democracia o poder nem sempre será exercido pelos mais fortes e mais ricos. Nunca, parte da toga expôs tão claramente o viés político, ainda que sob o manto de juízos morais.

Desgraçadamente, o ex-presidente Lula vem desde o início da afamada operação “lava jato” sendo tratado como inimigo. Não se pode olvidar que ao inimigo é negada a condição de pessoa. A ele (inimigo) é negado os direitos e as garantias fundamentais. Assim, o conceito de inimigo jamais se compatibiliza com o Estado de direito. O conceito de inimigo é próprio de um Estado de exceção ou de uma guerra.

Necessário ressaltar, como assinalou Jessé de Souza, que:

O ataque cerrado da mídia manipuladora ao PT e o ataque concatenado a Lula não foram, portanto, ataques a pessoas ou partidos específicos. Foram ataques a uma política bem-sucedida de inclusão das classes populares que Lula e o PT representaram. Inclusão social essa que, malgrado toas às falhas que se possa apontar, teve significado histórico que não será esquecido.[1]

Aqueles que defendem a condenação do ex-presidente Lula, na maioria das vezes, o fazem com base em argumentos exclusivamente políticos ou em conformidade com um direito de “botequim” onde prevalece o “achismo”, embalado por certo teor alcoólico, em detrimento do científico.

A sociedade precisa entender que não é somente a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que está em jogo, mas o próprio Estado Democrático de Direito. O que se defende, antes de tudo, é a estrita obediência à legalidade democrática e aos direitos e garantias insculpidos na Constituição da República. À margem do Estado Constitucional não há direito e muito menos democracia. Não é sobre política, mas sobre o que é certo.


[1] SOUZA, Jessé. A radiografia do golpe. Rio de Janeiro: LeYa, 2016, p. 85.

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