Opinião

TST legisla ao modificar súmula sem a existência de decisões prévias

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30 de janeiro de 2018, 6h46

Qualquer estudante de Direito sabe que “sumular a jurisprudência” é o modo pelo qual um tribunal, ante as repetidas decisões sobre um mesmo tema em seus órgãos fracionários (câmaras, turmas, seções ou até mesmo plenário), pode consolidar o entendimento da corte sobre a respectiva matéria. É a Constituição Federal que disciplina o pressuposto de existência de uma súmula, em seu artigo 103-A, ao estabelecer para o Supremo Tribunal Federal que a aprovação dela pressupõe “reiteradas decisões sobre matéria constitucional”.

Não por acaso, o CPC estabelece em seu artigo 926 o seguinte:

“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.

No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho tal matéria é ainda mais restrita, conforme disciplina a CLT, em seu artigo 702, I, f, ao definir a competência do Tribunal Pleno:

“estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial”

Portanto, uma súmula deve decorrer de repetidas decisões sobre o tema, pois se trata de uma “uniformização” do pensamento da corte sobre a matéria, e não de um pensamento surgido ao acaso, de supetão, por uma discussão ou debate entre seus integrantes.

Pressupõe-se, especificamente quanto ao TST, que o tema normalmente tenha sido discutido em processos nas varas do Trabalho, depois pelos tribunais regionais e, por fim, na corte superior e, ainda, em repetidas decisões. Isso permite ampla reflexão, discussões e argumentos dos mais diversos (utilizados pelas partes em seus recursos e manifestações, pelas sentenças dos juízes e decisões dos desembargadores e ministros).

A Constituição, CLT e o CPC exigem que o tema objeto de uma súmula esteja maduro para ser consolidado e uniformizado em um enunciado, inclusive se atendo às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua criação (CPC, artigo 926, § 2º).

E a razão pela qual a legislação exige repetida reflexão e maturidade sobre os temas a serem objeto de uniformização, é que as súmulas de jurisprudência acarretam grave consequência no âmbito de todo o Poder Judiciário, pois engessam as instâncias inferiores, eis que as decisões devem observar obrigatoriamente tais postulados (artigo 927 do CPC), as que não respeitem tais entendimentos serão consideradas nulas (CPC, artigo 489, § 1º, VI) e os juízes podem até julgar improcedentes pedidos contrários às súmulas mesmo antes da citação da parte contrária (artigo 332 do CPC).

Como se observa, as súmulas assumem força maior que a própria lei em muitas ocasiões, pois estas podem ser interpretadas e desconsideradas pelos juízes em determinadas circunstâncias, o que não ocorre quanto àquelas.

Todavia, o Tribunal Superior do Trabalho divulgou a realização de uma sessão no dia 06 de fevereiro de 2018, com a finalidade de adaptar 35 de suas súmulas e orientações jurisprudenciais aos termos da lei 13467/2017 (Reforma Trabalhista), que entrou em vigor em novembro de 2017. Ocorre que inexiste jurisprudência no âmbito do TST ou mesmo nos tribunais regionais do Trabalho a respeito das implicações da reforma trabalhista, pois o tema é muito recente e os poucos processos que debatem tais matérias ainda se encontram em primeiro grau de jurisdição.

Cancelar eventual súmula ou orientação jurisprudencial que aparentemente contrarie a nova legislação trabalhista é medida salutar e altamente recomendável, pois na dúvida quanto a eventual abrangência da lei, convém deixar as partes livres para lançar seus argumentos e os juízes sem amarras para construir as novas decisões. No entanto, alterar uma súmula é fazê-la novamente, significa reconstruir um entendimento diferente, e isso será feito com base em qual jurisprudência repetitiva, se não há decisões naquela corte a respeito desses temas?

Um professor nos ensinava que se o animal tem quatro patas, possui pelos, fica em cima dos muros, mia e toma leite, o Direito não pode nominá-lo de “jacaré”, pois a natureza das coisas não pode ser desprezada. Assim, modificar o entendimento de enunciados sem a existência de decisões prévias e repetitivas sobre o tema, consolidando um texto novo, à evidência, não constitui um procedimento de “sumular a jurisprudência” (qual jurisprudência?). Nessa hipótese o TST estará “legislando”, criando normas interpretativas sem prévia e madura discussão, com o gravame de engessar toda a estrutura jurisdicional trabalhista sobre tais temas.

Uma das grandes críticas que se faz à reforma trabalhista é que o tema nos foi imposto de cima pra baixo, sem qualquer amplitude democrática e a necessária pluralidade construtiva. Seria muito triste ver o Tribunal Superior do Trabalho repetir o mesmo modo de proceder, enfiando goela abaixo entendimentos sumulados de seus integrantes, produzidos de forma açodada e descumprindo as exigências constitucionais e legais para a sua produção (por mais notáveis e nobres que sejam tais posicionamentos, a intenção e a integridade dos seus autores).

Caso haja certa uniformidade no TST a respeito de temas que desde já despertam controvérsias, nada impede que o tribunal expeça orientações de procedimento, mas sem qualquer vinculação ou engessamento, o que constituirá um grande retrocesso na construção de uma jurisprudência sólida, repetitiva e com o amadurecimento que se espera das decisões da maior corte trabalhista do país.

Autores

  • Brave

    é juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Blumenau, mestre em Direito pela Universidade de Lisboa. Foi conselheiro do CNJ (2011-2013) e vice-presidente da AMB (2008-2010).

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