Segunda Leitura

É hora de tratar o marxismo-gramscismo como história, não como projeto político

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28 de janeiro de 2018, 7h10

Tábido, 2017 jaz insepulto. Tépido, 2018 ainda não mostrou a calidez das emoções que virão da mescla de processos judiciais e eleitoral. Fim de nada, começo de tudo. Essa a sensação nestes dias do átrio do ano, quando ainda não conhecemos os outros 11 cômodos. Até aqui chegamos movidos por ingenuidade estrênua. Melhor assim. A inocência anda em falta e alguma ilusão à Pangloss dá energia para não sucumbir à realidade.

A sequência de textos que escrevi, atendendo ao honroso convite do Vladimir para substituí-lo durante a pausa restauradora, teve por guia a relação do Poder Judiciário com as análises apresentadas pelo Banco Mundial em documento denominado “ajuste justo”. Além do bom jeu de mots, o documento traz informações e considerações que não devem ser preconceituosamente rejeitadas em razão da pessoa que as apresenta. Nada de agir ao estilo "não li e não gosto" porque vem do Banco Mundial. O atual desenho do Judiciário, decorrente principalmente da Emenda Constitucional 45, é assentado no Documento 319 do Banco Mundial. Então, prudente prestar atenção ao que ele tem a dizer.

Vale lembrar que o estudo nominado de “ajuste justo” foi encomendado em 2015, no começo do segundo mandato de Dilma Rousseff. Então, não se trata de intenção do concluinte do mandato, Michel Temer, de obter legitimação do Banco Mundial para as propaladas reformas.

A crítica corrente diz que o Banco Mundial, ao fazer propostas de ajuste do tamanho e funcionamento do Estado, ignorou preceitos constitucionais, fechou os olhos ao processo democrático de decisão popular. Essas e outras considerações podem ser encontradas na página vermelho.org.br e em vários outros endereços na internet. Do outro lado, oantagonista.com diz que as ótimas sugestões do Banco Mundial serão implantadas apenas se o país tiver governo de verdade.

A síntese das proposições: 1) acabar com o ensino superior gratuito para quem pode pagar; 2) unificar programas sociais para diminuir o custo da atividade-meio; 3) cortar despesas estatais em 0,6% do PIB a cada ano, por dez anos; 4) congelar salários dos servidores públicos; 5) acabar com subsídios diretos e indiretos a empresas.

A corporação judicial pode ser atingida pela implementação das propostas do Banco Mundial? A resposta é sim. Sonoro sim! Especialmente na massa remuneratória, assimétrica em relação aos trabalhadores da iniciativa privada e nos proventos de jubilamento, também substanciosamente maiores do que os do regime geral de Previdência.

Os proventos de aposentadoria de um milhão de funcionários da União consumiram mais recursos do que os R$ 800 bilhões destinados ao SUS no período de 2001 a 2016. As pessoas não gostam de números. Eles exigem atenção racional e não enternecem ou enraivecem, per se. Apenas estão ali, como estátuas denotativas de fatos. Pode-se deletar os números, mas a realidade continua presente, apenas menos explícita. É certo, alguém pode dizer: sujeito maçante, fica repetindo números. Catão era desse rol de pessoas que ninguém convida para a festa porque já se sabe qual será a conversa e todo mundo está aborrecido com ela. Porém, não dá para fingir que o déficit público, a nossa “Cartago”, é ficção.

O Judiciário, até em razão da credibilidade da qual frui, tem o dever de fugir do corporativismo e do populismo. A rigor, para celebrar o bicentenário da independência, o Judiciário poderia estabelecer a meta de chegar em setembro de 2022 custando 0,2% a menos do PIB em relação ao custo atual. Intensificar a eficiência, prestando jurisdição em menos tempo e a menor custo. Isso, sponte propria, independentemente de normas vindas do Parlamento.

A autonomia orçamentária do Judiciário o legitima a reduzir a própria despesa em prol da higidez do erário da nação. E o Judiciário pode demonstrar, quantum satis, que é possível haver serviço público de boa qualidade, custando pouco. Mostrar que a má qualidade do serviço público não é fado da América católica.

Outra iniciativa que poderia partir do seio da instituição judicial seria, em vez do congelamento da massa salarial por dez anos como sugerido pelo Banco Mundial, a vinculação ao PIB. Se houver recessão, com queda da riqueza, os salários baixam. O PIB sobe, salários idem. A inflação é gerada pela imperícia dos gestores/servidores públicos. Injusto que fiquem a salvo dela, com indexação automática, enquanto os trabalhadores, aqueles que labutam para produzir riqueza, são atingidos dolorosamente pela perda do poder de compra.

Se os filósofos não sabem atravessar a rua, parece que me expus a atropelamento. Contudo, alguém deve dizer que o rei está nu. O ano nascente, 2018, é decisivo para enxergar muitas impudicícias e não aceitar a cegueira da bajulação ou do temor. Quarenta anos depois de 1968, o ano que não terminou, talvez seja o momento para encerrar o século XX no Brasil, passando a tratar o marxismo-gramscismo como história, não como projeto político.

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