Opinião

Ministério da Segurança Pública pode inaugurar gestão integrada

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  • Magne Cristine Cabral da Silva

    é escrivã da Polícia Federal aposentada diretora de Comunicação da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) da Ordem dos Policiais do Brasil (OPB) e do Instituto Federal de Fiscalização (IFF). É pós-graduada em Direito Público especialista em Execução de Políticas de Segurança Pública e bacharel em Direito e Administração de Empresas.

28 de janeiro de 2018, 10h12

Em recente entrevista, o presidente Michel Temer afirmou que planeja criar o Ministério da Segurança Pública, como forma de imprimir uma marca no último ano de seu mandato. A medida, que para alguns soa como marketing político, pode ser o alicerce da gestão integrada da segurança pública no país.

A segurança pública apresenta-se como um dos maiores desafios para o poder público no Brasil. A violência e a criminalidade deixaram um saldo de 61.283 homicídios em 2016, o maior número já registrado no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017. Esse número é superior ao de vítimas de países em guerra e coloca o Brasil entre os 10 países mais inseguros do mundo, segundo o Índice de Progresso Social (IPS/2016).

A população carcerária brasileira atingiu 726.712 presos em 2016, sendo mais de 40% sem condenação. A taxa de ocupação nos presídios atinge 197,4%, segundo levantamento nacional de informações penitenciárias (Infopen 2017). Os números não incluem os que se encontram em prisão domiciliar e os monitorados eletronicamente. Esses dados elevaram o Brasil ao terceiro lugar no ranking dos países que mais prendem no mundo, sem que isso tenha refletido em qualquer diminuição nos índices de criminalidade.

A média nacional de elucidação de homicídios varia de 5 a 8%, segundo estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O arcaico inquérito policial, criado em 1941, burocratiza a investigação e impede a celeridade, fundamental para o êxito da investigação policial.

São raros os processos criminais que resultam de trabalhos de investigação. A maioria dos casos denunciados (53,7%) decorre de prisões em flagrante. A escassez de dados e estatísticas criminais dificulta o diagnóstico mais preciso, que pode revelar um cenário ainda mais caótico.

Os órgãos policiais — civis e militares, estaduais e federais — estão em geral sucateados, com instalações antigas, equipamentos obsoletos, armamentos e viaturas sem condições de uso. O efetivo reduzido e a falta de políticas de recursos humanos faz do enfrentamento ao crime uma missão quase impossível, que tem deixado a polícia acuada e vitimado muitos policiais.

Relatório do Tribunal de Contas da União divulgado em julho de 2016 confirmou a situação desoladora da segurança pública do Brasil, apontando a necessidade de definição de competências para cada ente da federação, de fontes de financiamento e da reestruturação do modelo de policiamento, para conferir ao Estado brasileiro as condições necessárias para enfrentar os problemas da violência e criminalidade.

O governo federal precisa assumir um papel de indutor de uma política integrada de segurança pública, diante de uma criminalidade cada vez mais aprimorada e crescente, em âmbito nacional e internacional, através de planos nacionais que possam reverter os resultados negativos da área.

A segurança pública na Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, incluiu em seu texto a segurança pública, trazendo importantes avanços na legitimação da atuação estatal na formulação e execução de políticas de segurança. Quase 30 anos após a promulgação do texto constitucional, o modelo de segurança pública está muito aquém de garantir a efetiva proteção da sociedade e da cidadania e demanda por profundas reformas estruturais.

No título do texto constitucional que trata “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, foi incluído o Capítulo II, que trata “Das Forças Armadas” e o Capítulo III, “Da Segurança Pública”, primordialmente dedicados à matéria de defesa da ordem e segurança pública, no âmbito externo e interno, respectivamente. Contudo, enquanto as Forças Armadas compõem o Ministério da Defesa, a segurança pública está sob a administração federal e estadual, sem unidade de gestão nacional.

O Ministério da Justiça recentemente foi renomeado, pela Lei 13.502/2017, para incluir a expressão “segurança pública”, mas sua estrutura física, orçamentária e funcional não foi redimensionada. Esse ministério possui em sua estrutura organizacional a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, mas não contempla a Polícia Ferroviária Federal, também de âmbito nacional, nem os demais órgãos policiais que compõem a segurança pública do país.

Polícia Federal e Rodoviária Federal estão estruturadas em meros departamentos, de mesmo nível hierárquico que o gabinete do ministro, Secretaria Nacional do Consumidor, Funai e Arquivo Nacional, dentre outros. Sem desmerecer a importância de tais órgãos, o arranjo organizacional não é condizente com a dimensão e complexidade dos órgãos de segurança pública previstos no texto constitucional.

Já as polícias civis e militares estão vinculadas às administrações dos governos estaduais, ora integrando uma mesma secretaria de segurança pública ou de defesa social, ora em secretarias diferentes, sem qualquer gestão federal. São diversas estruturas independentes, que raramente se relacionam ou compartilham informações criminais.

A ausência de leis nacionais que regulamentem as funções e a integração das polícias federais e estaduais, civis e militares produz no Brasil um quadro de diversos ordenamentos para a solução de problemas similares de segurança. Os órgãos policiais estaduais possuem estrutura, legislação, quadro funcional e remuneração diferentes, assim como formas de atuação independentes, às vezes conflitantes entre si.

O Ministério da Segurança Pública
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em virtude da atuação em diversas outras áreas de governo, não dispõe de estrutura física, orçamentária e funcional necessárias a uma gestão que contemple toda a complexidade e dinâmica da segurança pública, seus órgãos integrantes, com foco na realidade estadual e setorial ou nas deficiências de cada uma das áreas que a compõem.

A segurança pública carece de um modelo integrado, sistêmico e federativo de gestão, que contemple suas partes individuais e interdependentes, possibilitando uma melhor tomada de decisões. Esse cenário precisa ser reavaliado de maneira ampla, analisando os diversos fatores e elementos internos e externos que influenciam no seu funcionamento. Isso será possível com a criação do Ministério da Segurança Pública.

É preciso um novo modelo de administração gerencial na segurança pública, com aplicação de mecanismos de accountability e de governança. Além disso, também é necessária uma série de reformas propostas por especialistas da área, como o ciclo completo de polícia, a desburocratização da investigação criminal, reestruturação do modelo de policiamento, a implantação da polícia comunitária, a reforma do Código Penal e de processo penal, dentre outras.

Como princípio constitucional da administração pública (artigo 37), a eficiência, não por acaso, foi repetida no parágrafo 7º do artigo 144, que trata da segurança pública, dispondo que “a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades”. Mais do que nunca, é preciso buscar uma gestão eficiente, eficaz e efetiva, que implique otimização dos meios, alcance de resultados e o real atendimento dos anseios da sociedade.

A gestão integrada da segurança pública em um único ministério permitiria definir as competências de cada ente da federação e as fontes de financiamento, por meio de um pacto federativo, que possibilite investimentos nas estruturas físicas e logísticas das polícias e na melhoria da formação e treinamento profissional, conferindo as condições necessárias para o enfrentamento da criminalidade no país.

É essencial o intercâmbio de experiências, tecnologias e informações e a promoção de treinamento e capacitação dos profissionais de segurança pública, fomentando a articulação de ações multidisciplinares entre os entes federados, de forma a desenvolver planos e estratégias de atuação conjunta para o combate à criminalidade interestadual.

Para enfrentar esse rol de desafios, é fundamental que o titular da pasta possua capacidade e experiência na área de segurança e administração pública, sem estar contaminado com a atual estrutura, nem com posturas classistas e corporativistas, resistente às mudanças que se fazem necessárias para promover as melhorias que a população espera, em área tão sensível.

A criação do Ministério da Segurança Pública pode se tornar a decisão política mais estratégica do governo nos últimos anos, pelo potencial de fomentar a implantação de um novo modelo de segurança no Brasil, baseado na efetiva cidadania, garantia e respeito aos direitos humanos para toda a sociedade, com redução das alarmantes estatísticas criminais.

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    é advogada, escrivã da Polícia Federal aposentada, diretora de Comunicação da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e diretora da Ordem dos Policiais do Brasil (OPB) e do Instituto Federal de Fiscalização (IFF), além de tutora em ensino a distância da Academia Nacional de Polícia Federal. É pós-graduada em Direito Público, especialista em Execução de Políticas de Segurança Pública e bacharel em Direito e Administração de Empresas.

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