Comportamento adquirido

"O sigilo não é da essência da arbitragem, pois, em princípio, o processo é público"

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28 de janeiro de 2018, 6h02

Spacca
O sigilo imposto em processos arbitrais por cláusulas contratuais é uma medida estranha à arbitragem, segundo Marcelo Von Adamek, advogado especializado em Direito Societário e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.

"Em princípio, o processo arbitral é público, mas é comum que as partes insiram uma cláusula de sigilo nos seus contratos ou então que os regulamentos das câmaras de arbitragem prevejam esse sigilo", explica.

Ele diz que essa prática é problemática quando o litígio envolve várias pessoas legitimadas a propor uma ação, que é o caso, por exemplo, de empresas com capital aberto, de disputas societárias ou arbitragens em que uma das partes é o poder público.

"A informação sobre a existência do processo, os motivos que estão sendo debatidos e as causas dessa disputa interessam não só às partes, mas também a terceiros que vão investir", opina.

Até o momento, a única regulação oficial envolvendo o sigilo arbitral partiu da Comissão de Valores Mobiliários. Mas o advogado considera a solução insuficiente, apesar de engenhosa. A CVM entendeu que o sigilo é legítimo, mas não permite ao administrador deixar de divulgar a existência do litígio. O segredo seria restrito às especificidades do caso se a disputa for um fato relevante.

"Ao investidor não interessa saber apenas se há litígios envolvendo a companhia, mas eventualmente disputas que envolvam os acionistas entre si. Por exemplo, será que o fato de um minoritário processar um controlador não interessa a um terceiro investidor? Saber quem é o controlador daquela companhia e o que pesa contra ele antes de investir?", questiona o advogado.

Leia a entrevista:

ConJur — Os esforços do Judiciário para promover meios extrajudiciais de resolução de conflitos têm alcançado os objetivos esperados pela advocacia?
Marcelo Von Adamek —
A conciliação e a mediação em processos já instaurados infelizmente não tem se mostrado uma realidade. O Código de Processo Civil deu um passo para implantar a mediação e a conciliação como etapas necessárias do processo, mas, além da intenção do legislador, é necessário que exista uma estrutura. Porém, o que temos observado é a falta dela. Os Cejuscs não têm conseguido dar vazão, pelo menos com a eficiência esperada. Isso tem feito muitos juízes simplesmente ignorarem a letra da lei e tocar o processo como já vinha ocorrendo.

ConJur — E a arbitragem?
Marcelo Von Adamek —
Essa sim, principalmente na área societária. Nós temos grandes centros de arbitragem e mediação, por exemplo, a Câmara da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], a AmCham, entre outros. Mas é preciso notar que esses métodos não são aplicáveis a todo e qualquer litígio por serem custosos. Portanto, são indicados para questões de maior envergadura. É preciso bastante cautela ao inserir uma cláusula compromissória relacionada à arbitragem no contrato, porque, em vez de representar uma solução, pode gerar um problema no momento de apresentar uma demanda.

ConJur — Qual o custo de um processo arbitral?
Marcelo Von Adamek —
Se o interessado não tiver, pelo menos, entre R$ 600 mil e R$ 1 milhão para começar a arbitragem, colocando isso como custas, melhor nem iniciar. Essa diferença existe porque o valor cobrado depende da câmara, pois cada uma tem seu próprio regulamento de custas. Geralmente elas exigem um depósito inicial e um pagamento mensal como taxa de administração. Há ainda o depósito dos honorários dos árbitros. Também é preciso lembrar que os advogados que atuam com arbitragem o fazem em grandes equipes, o que encarece o litígio.

ConJur — Quais outros empecilhos da arbitragem?
Marcelo Von Adamek —
Um deles é a dificuldade de trazer terceiros para dentro de uma arbitragem. Muitas vezes há a necessidade de convocar um sócio ou algum partícipe, aí inicia a questão sobre a vinculação ou não desses terceiros à cláusula arbitral. Se não estiverem, não há como trazê-los, e o caso acaba desaguando no Judiciário. Desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, na arbitragem, é de rara aplicação, de escassa aplicação exatamente por esse problema de jurisdição.

ConJur — Por que o sigilo é tão necessário na arbitragem?
Marcelo Von Adamek —
Esse é um ponto curioso, porque o sigilo não é da essência da arbitragem, a lei de arbitragem não o impõe. Em princípio, o processo arbitral é público, mas é comum que as partes insiram uma cláusula de sigilo nos seus contratos ou então que os regulamentos das câmaras de arbitragem prevejam esse sigilo. E essa prática traz problemas quando se está tratando de litígios em que há várias pessoas que são legitimadas a propor uma ação.

ConJur — Como assim?
Marcelo Von Adamek —
Vamos imaginar uma ação que um sócio propõe contra a sociedade. Ela poderia ser proposta por qualquer outro sócio, ao menos em tese, e, portanto, todos esses, que mesmo não sendo parte da arbitragem, teriam interesse de saber desse processo e, se for o caso, intervir. Essas cláusulas de sigilo muitas vezes estão postas em estatutos de companhias abertas, que têm investidores de mercados de capitais entre os acionistas. Já foram feitas reclamações contra a cláusula de sigilo do regulamento da Câmara do Novo Mercado.

ConJur — E a CVM?
Marcelo Von Adamek —
A CVM entendeu que esse sigilo, apesar de legítimo, não desobriga o administrador de divulgar a existência do litígio, exceto as especificidades do caso, quando a disputa caracterizar fato relevante.

ConJur — Um contrato malfeito que preveja arbitragem vai, invariavelmente, acabar no Judiciário?
Marcelo Von Adamek —
Isso é o que chamamos de cláusulas com promissórias patológicas, que são regras que indicam a arbitragem mas não especificam quantos árbitros vão constituir o tribunal arbitral, onde que essa arbitragem vai se processar, segundo o regulamento de qual câmara, entre outras coisas. Muitas vezes, isso obriga as partes a recorrerem primeiro ao Judiciário para resolver esses problemas e poder então instalar uma arbitragem. É por isso que todas as câmaras divulgam cláusulas e modelos de contrato em seus sites, para mostrar as sugestões aos interessados que queiram trazer as arbitragens naquele local.

ConJur — Porque uma solução malfeita acaba se tornando um problema a mais para o Estado, não?
Marcelo Von Adamek —
Sem dúvida. Em primeiro lugar, é necessário saber se aquele contrato realmente comporta uma solução por via arbitral, se o custo-benefício justifica o recurso em tese ou uma arbitragem. Além disso, é preciso que essa cláusula seja bem tratada. Em muitos casos, elas estão no fim dos grandes contratos de compra e venda de ações e de investimento, que muitas vezes são inseridas em cima da hora sem que as pessoas atentem para sua relevância.

ConJur — O que acha do uso da arbitragem em litígios envolvendo o poder público?
Marcelo Von Adamek —
Ainda sinto um certo desconforto na imposição do sigilo em arbitragem societárias, e o mesmo vale para as arbitragens para o poder público, porque a informação sobre a existência do processo, os motivos que estão sendo debatidos e as causas desse processo interessam não só às partes, mas também a terceiros que vão investir. E a solução que a CVM deu, embora engenhosa, não responde adequadamente à questão.

ConJur — Por quê?
Marcelo Von Adamek —
Ao investidor não interessa saber apenas se há litígios envolvendo a companhia, mas eventualmente litígios que envolvam os acionistas entre si. Por exemplo, será que o fato de um minoritário processar um controlador não interessa a um terceiro investidor? Saber quem é o controlador daquela companhia e o que pesa contra ele antes de investir? Essa é uma questão delicada e existem alguns países, por exemplo, Estados Unidos e Alemanha, onde a arbitragem societária em companhias abertas não é admitida, justamente por conta dessas questões.

ConJur — Qual desses dos dois modelos mais lhe agrada para o Brasil tomar como base e ter o seu próprio?
Marcelo Von Adamek —
A importação de modelos tem que sempre ser feita com bastante cautela. Cada um desses países tem a sua particularidade. Por exemplo, os Estados Unidos têm um mercado de capitais bastante pujante, com bastante dispersão, que não é a mesma coisa que ocorre na Alemanha e seguramente não é a mesma coisa que ocorre no Brasil. Temos que olhar as experiências de fora e adaptá-las ao nosso sistema. Deveríamos olhar para o que aconteceu lá e o que poderíamos aprimorar aqui. E essa parte de sigilo me parece algo que merece ser repensado.

ConJur — O que achou da reforma da Lei da Arbitragem brasileira?
Marcelo Von Adamek —
A reforma já deu um passo ao definir se a cláusula compromissória vincularia todos os acionistas, inclusive aqueles que não prestaram seu assentimento à sua inserção no estatuto. Antes, alguns entendiam que até os minoritários ou os que votaram contra estariam vinculados, mas a lei não previa nenhum mecanismo de saída para esses acionistas que divergissem dessa alteração. Então eles ficavam vencidos e vinculados à cláusula. Agora, a lei prevê que os dissidentes tenham direito de recesso, ou seja, podem se retirar dessa companhia, exceto se ela já tiver um elevado grau de liquidez que ofereça um mercado secundário e essas ações possam ser negociadas.

ConJur — O que o senhor acha da possibilidade de CVM e BC poderem firmar acordos de leniência?
Marcelo Von Adamek —
Essas são iniciativas necessárias, interessantes, afinal de contas a própria CVM já tem um histórico para fazer esses termos de compromisso nos processos sancionadores. Isso já é uma realidade e, em termos de disciplina do mercado e funcionamento das sociedades por ações, estamos bem servidos. Existem alguns problemas recorrentes, como a questão de conflito formal, conflito material, mas não sei se para esse problema seria interessante uma intervenção legislativa. Onde temos dificuldades é na disciplina das sociedades limitadas. Essa merecia ser realmente objeto de atenção.

ConJur — Por quê?
Marcelo Von Adamek —
Porque o Código Civil foi idealizado ainda praticamente quando não se conhecia o mecanismo de proteção à minoria. Basta ver a época em que foi elaborado (2002). E, por isso, acabou trazendo para a disciplina da sociedade limitada regras bastante rígidas, voltadas a proteger a minoria, mas que acabaram por embaraçar o funcionamento. Falo especificamente de uma quantidade muito expressiva de quóruns de deliberação, que muitas vezes não fazem sentido. Para destituição, é um quórum, e para eleição, é outro, o que acabou engessando. É preciso simplificar.

ConJur — A culpa é do legislador?
Marcelo Von Adamek —
A crítica não é em relação ao legislador, porque quando o código foi idealizado a época era outra, com uma diferente realidade. Talvez a crítica deva ser dirigida a todos nós, os estudiosos da área, que ao longo do processo legislativo não apresentaram as contribuições necessárias. Mas isso pode ser modificado. E essa mudança deveria ser feita dentro do livro dois da parte especial, ou seja, na disciplina do Direito de Empresa, e não por meio de uma nova lei extravagante ou, menos ainda, de um Código Comercial, que só aumentaria os problemas ao invés de solucioná-los.

ConJur — Mais um adendo do que uma lei em si.
Marcelo Von Adamek —
Pois é, porque temos exemplos de códigos longevos, como é o código alemão, tanto o comercial como o civil; o código das obrigações suíço; mesmo o Código Civil italiano, que é de 1942. Esses códigos são atualizados, levados a efeito por comissões, grupos de juristas que ficam encarregados de fazer um anteprojeto e que permitem então que você tenha toda essa disciplina codificada e não posta de maneira esparsa.

ConJur — E por que no Brasil não é assim?
Marcelo Von Adamek —
Não sei por qual razão, mas aqui temos aquilo que o grande societarista Paulo Aragão chama de complexo de joão-de-barro: em vez de reconstruirmos, modificarmos e aprimorarmos, nós construímos uma nova casa em cima da outra, só piorando a estrutura desse edifício. O problema é o puxadinho. Se tivesse a designação de uma comissão de juristas encarregada de fazer uma atualização, e isso fosse realmente discutido com todos os segmentos envolvidos, poderia aprimorar.

ConJur — Indo além do Direito Societário e Empresarial, a legislação brasileira sofre com a falta de comissões especializadas e de uma elaboração de leis com tempo de maturação e para debate?
Marcelo Von Adamek —
Existe, sim, um problema de deficiência na formulação das leis, é um consenso. Mas, falando especificamente da área empresarial, os problemas sentidos pelos empresários estão mais fora da legislação empresarial do que dentro. Por exemplo, nas legislações trabalhista, tributária, administrativa. É o custo Brasil. A modificação da lei societária solucionaria problemas como o da responsabilização dos sócios por dívidas trabalhistas — um abuso no uso da desconsideração da personalidade jurídica — e aumentaria a agilidade na recuperação dos créditos.

ConJur — Então apenas mudar a legislação societária não resolve?
Marcelo Von Adamek —
Não, tem que aprimorar a legislação trabalhista, criar uma lei de desburocratização para facilitar o funcionamento dos registros de empresas, ter uma comunicação mais efetiva desses registros com os diversos órgãos tributários, expedir CNPJ, fazer inscrição estadual e municipal. Aí que estão os problemas. Sem falar que a parte de recuperação de créditos passa por um problema estrutural do Judiciário de um lado e, do outro, da elementar circunstância de que processo não cria dinheiro. Numa época em que todos estão endividados, os processos de execução se arrastam porque não há o que penhorar.

ConJur — Um possível Código Comercial já nasceria morto?
Marcelo Von Adamek —
Um Código Comercial seria inoportuno e desnecessário. Ele não resolveria esses problemas que se colocam fora da legislação empresarial; iria alterar algumas leis que são modelo de excelência, contribuindo para disseminar a insegurança jurídica. Sem falar que o Código Comercial acaba replicando aquilo que nós tínhamos em 1850, que era voltar a uma dualidade no regime das obrigações civis e comerciais, contratos civis e comerciais, o que criava um debate prévio sobre a qualificação da relação jurídica para determinar qual a lei aplicável.

Se vermos a estrutura do que está sendo apresentado, é um código que não codifica, porque deixa diversas áreas importantes do Direito Empresarial de fora. Elege algumas, as consolida, mas, no fundo, modifica aquilo que não deveria ser alterado, além de introduzir soluções novas que só piorariam a situação, aumentando o custo Brasil.

ConJur — O que o senhor acha da reforma trabalhista?
Marcelo Von Adamek —
A reforma trabalhista suscitou severas críticas pela forma como foi encaminhada, porque surgiu de um anteprojeto que tratava de alguns poucos temas e acabou se transformando em uma reforma bastante ampla. Ela altera uma lei bastante antiga, mas muito festejada ainda por muitos profissionais dessa área, e introduz uma nova realidade.

Saber em que medida essas soluções foram efetivas e vão ser aplicadas e trarão a necessária segurança jurídica é algo que depende da prática, de verificar como isso será aplicado. A reforma permite que se traga à formalidade determinadas relações que, pelos custos associados à legislação trabalhista, acabam ficando na informalidade. Quando são reduzidos determinados custos associados ao emprego, as empresas podem gerar novos postos de trabalho.

ConJur — O que o senhor acha da reforma tributária?
Marcelo Von Adamek —
Desde quando entrei na faculdade, em 1991, escuto que essa reforma é necessária, que ela virá, mas ainda não veio. O que temos são sucessivos remendos em um ambiente excessivamente complicado. Existe sempre o risco de mudarem um entendimento que vinha sendo aplicável, e cria-se com isso um passivo, afetando, e muito, as atividades empresárias.

A solução disso passa pela revisão do pacto federativo e alguém vai ter que ceder receita para o outro recebê-la, mas essas negociações simplesmente não andam. O ICMS é um exemplo perfeito disso. A própria União continua desejando manter a arrecadação para depois fazer a distribuição, então nós temos, como dito aqui, uma federação às avessas.

ConJur — O que o senhor acha da reforma previdenciária que está sendo discutida no Congresso?
Marcelo Von Adamek —
Existe um déficit e ele terá que ser reestruturado, portanto, uma reforma é fundamental. Alguns entendem que ela não seria necessária e argumentam com determinados números de quanto o INSS teria a cobrar das empresas. Porém, se nós formos verificar também a consistência desses créditos, são créditos de difícil recuperação.

ConJur — O senhor acha que privatizar execução fiscal é um caminho?
Marcelo Von Adamek —
Me parece um caminho quase sem volta. Isso por causa do número estrondoso de execuções fiscais que estão em andamento, que praticamente não andam — elas são distribuídas e ficam paradas. É preciso pensar em uma ideia de desjudicializar, permitir que só no caso de controvérsia (discutir se é tributo ou não) ela será submetida ao Judiciário. As reformas vão caminhar nesse sentido. Goste-se ou não.

ConJur — E como funcionaria?
Marcelo Von Adamek —
A ideia seria de permitir que essa cobrança fosse feita pelos próprios credores, pelos próprios entes tributários. Eles que iriam fazer, inclusive, o registro de determinados atos de constrição e matrícula do devedor. E, após apresentada a defesa, isso seria submetido ao Judiciário.

ConJur — O que o senhor acha do projeto de atualização da Lei de Falências?
Marcelo Von Adamek —
Houve uma primeira designação de uma comissão de especialistas que elaborou um anteprojeto, depois surgiu um outro anteprojeto alternativo, mas, no fim das contas, o que surgiu foi algo muito mais modesto, que deixou a desejar. Esse projeto apresentado pelo Ministério da Fazenda não é a solução. É fato, no entanto, que muitas das questões enfrentadas hoje não são solucionáveis por via legislativa.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, tem olhado para essa questão com preocupação. Aqui em São Paulo, quando surgiu a lei, foram criadas as varas especializadas, depois as câmaras especializadas e agora foi instalada uma terceira vara, que vai, em um primeiro momento, receber apenas as antigas falências e concordatas que estavam andando nas varas cíveis, mas que depois de tratado esse acervo também receberá novos processos.

ConJur — Mas e o interior do estado?
Marcelo Von Adamek —
Esse é o próximo passo, que é muito importante porque pode ser realmente um aprimoramento dos processos de recuperação judicial e falência. A ideia é que, dividido o território de São Paulo em regiões, você tenha juízes que tenham atribuições para cuidar desses processos concursais, não apenas numa comarca, mas num conjunto de comarcas. Por exemplo, Campinas e região, Bauru e região, Ribeirão Preto e região. Essa, no entanto, é uma proposta que depende de alterações nas próprias leis que regem o processo e os procedimentos, mas é um caminho interessante.

ConJur — Qual o balanço que o senhor faz do CPC de 2015? As mudanças propostas ajudaram a resolver os problemas antigos? Quais foram os problemas novos que surgiram?
Marcelo Von Adamek —
Mais do que mudança da legislação, é necessário mudar a mentalidade dos envolvidos. E isso não acontece da noite para o dia. O ceticismo com que muitos viam o CPC de 2015, achando que ele não representava um avanço substancial em relação ao código de 1973, de certa forma, se confirma. Ao mesmo tempo em que nós tivemos algumas inovações interessantes, outras ficaram a dever, por exemplo, a conciliação e a mediação antes de apresentada a defesa. Esqueceram que essa ideia depende de estrutura adequada para receber esses processos.

Além disso, o sistema de recursal das decisões interlocutórias, com a previsão agora no artigo 1.015 — do cabimento do agravo de instrumento apenas em hipóteses taxativamente previstas —, também tem gerado várias controvérsias. Algumas decisões, por exemplo, que envolvam competência, que deveriam desafiar logo um recurso para que haja solução, e não como na literalidade do 1.015, acabam demorando anos a fio até que venham a ser rediscutidas no âmbito de uma apelação, gerando a anulação do processo e o refazimento de todos os atos processuais. O STJ, recentemente, ao julgar um recurso especial, deu uma interpretação ampliativa ao artigo 1.015 exatamente na questão da competência.

ConJur — Destacaria algum ponto positivo do CPC/2015?
Marcelo Von Adamek —
O código, por exemplo, criou algumas ideias interessantes ao prever, por exemplo, a motivação da sentença (artigo 489, parágrafo 1º). Outras regras importantes foram aquelas que pretenderam dar primazia ao julgamento do mérito dos processos e portanto permitir que todos aqueles defeitos formais sanáveis sejam sanados, concedendo-se às partes a oportunidade de repetirem o ato e de complementarem a sua prática. Mas existe, ainda hoje, sobretudo no STJ, em função do elevadíssimo número de recursos, discussões que na prática recolocam esse problema, por exemplo, a questão da comprovação de feriados locais quando da interposição dos recursos.

Não feito isso, caberia ou não a oportunidade de sanação, coisa que o STJ recentemente enfrentou. O STJ também tem recolocado um movimento de jurisprudência defensiva em relação aos agravos, seja o de instrumento contra decisão denegatória ou os agravos internos. Isso potencializa determinadas súmulas que exigem que todos os fundamentos sejam atacados para que o agravo seja conhecido. Alguns desses entendimentos até ampliam o alcance dessas regras, porque exigem que sejam impugnados não só os fundamentos suficientes para legitimar a manutenção da decisão, mas todos.

ConJur — O que o senhor acha do movimento de criminalização da advocacia que tem ganhado cada vez mais força nos últimos tempos?
Marcelo Von Adamek —
O movimento de combate à corrupção é necessário e deve ser incentivado. Afinal de contas, todos são contra a corrupção. Mas todo esse combate tem que ser feito respeitando as regras. E compete ao advogado argumentar pela fiel observância dessas normas. Mas a população, desiludida com toda essa situação, compara o advogado aos clientes.

E isso à mercê de um trabalho de uso da imprensa pelo Ministério Público, que soube se comunicar gerando um olhar enviesado por parte da população. Esse contexto levou a uma situação inaceitável em que os advogados passaram a ser vistos como os defensores da corrupção e da impunidade por fazerem seu trabalho. É evidente que em todas as profissões existem bons e maus profissionais; mas não podemos julgar uma classe a partir da exceção.

ConJur — O que o senhor acha de manifestações de magistrados, promotores e procuradores a favor de projetos de lei? Assim como o Legislativo e o Executivo, MP e Judiciário fazem política?
Marcelo Von Adamek —
Sem dúvida. Magistrados e membros do Ministério Público deveriam seguir aquilo que determinam suas leis orgânicas e evitar emitir opinião sobre processos que estão em andamento ou questões que vão ser submetidas a eles.

Sobre as 10 medidas contra a corrupção do MPF, a população não apoiou as medidas em si, mas a ideia de combate à corrupção. Mas quase ninguém se debruçou sobre essas propostas e verificou o que elas representavam. Algumas delas não seriam nem um pouco desejáveis ou compatíveis com a nossa Constituição. Alguns exemplos foram a inaceitável tentativa de legitimar o uso de prova ilícita e os testes de integridade. Não queremos um país em que o protagonista da sociedade seja o Ministério Público.

ConJur — E quem deve ser esse protagonista?
Marcelo Von Adamek —
A população. Se todo poder emana do povo, cabe a ele decidir sobre os seus próprios desígnios, diretamente ou indiretamente, por meio dos seus representantes. Porque também não está correta a tentativa de criminalização da política como um todo. Fora da política também não há solução.

ConJur — O que o senhor acha da reforma política parcial votada no Congresso?
Marcelo Von Adamek —
A reforma foi tímida e não era a que todos esperávamos, mas dentro do ambiente tão conturbado que temos enfrentado é até difícil imaginar que algo muito melhor que isso tivesse sido aprovado. O certo é que essas reformas terão que ser revisitadas em breve. A questão do financiamento de campanha tem gerado muita preocupação. Vários ministros têm alertado para isso. Há ainda questões a respeito de cláusula de barreira e sobre o prazo com que foram previstas para serem efetivamente implantadas. Elas terão que ser revistas.

ConJur — O senhor é a favor de doação política por empresa?
Marcelo Von Adamek —
Sou, desde que seja algo transparente, controlado. Permitir apenas a doação por pessoas físicas vai acabar incentivando o caixa dois.

ConJur — O Supremo Tribunal Federal está legislando?
Marcelo Von Adamek —
Em alguns casos, sim. Ele tem agido de uma maneira que não é apenas de intérprete, mas reescrevendo o que está na Constituição. E a questão não é entrar no mérito da decisão em si, se foi ou não justa, mas, a partir do momento que concordo com o método, automaticamente terei que aceitar a solução que dele vier, goste-se ou não. E, como jurisdicionado, não gostaria de dar carta branca a um órgão para que vá além da Constituição. Nosso texto constitucional já é bastante prolixo. Praticamente todo e qualquer tema pode parar no Supremo se posto na mão de um advogado hábil.

ConJur — Então o STF assumiu funções do Congresso?
Marcelo Von Adamek —
Em alguns momentos, sob o pretexto de superar uma alegada inércia do Legislativo. Cito o caso do casamento de pessoas do mesmo sexo. Obviamente que ninguém pode dizer que essas uniões não mereçam toda a proteção, mas tinha lá um problema de literalidade que poderia ter sido suprido pela instância apropriada.

Há outras situações também, por exemplo, a questão da presunção de inocência e a possibilidade de cumprimento de penas de prisão após condenação pela segunda instância. O STF já tem uma importantíssima missão que é dar a interpretação à Constituição, mas não me parece que seja desejável assegurar, ainda que o Supremo seja formado por pessoas que merecem todo o crédito, o poder de dar uma interpretação que vá contra a literalidade da Constituição.

ConJur — Esses movimentos nos deixam ao sabor do humor da magistratura?
Marcelo Von Adamek —
Esses movimentos não são tradição da magistratura. O Supremo, nos últimos 15 anos, mudou muito a sua forma de atuação. Ministros da velha guarda, como Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Eros Grau foram bastante enfáticos em condenar esse ativismo atual.

ConJur — O senhor é a favor de mandato para ministro do Supremo? Mudaria o meio de escolha?
Marcelo Von Adamek —
O debate é desejável, mas nenhuma das propostas apresentadas até agora trouxe métodos melhores do que o atual. E as escolhas pela Presidência da República foram boas. Temos ministros qualificados. Sobre o limite de tempo para permanência na corte, acho que deveria existir, sim. Essa ideia existe na Alemanha. Mas o mandato não pode ser muito breve para que não tenhamos uma disseminação de insegurança jurídica por conta das mudanças de composição. Acho que um mandato de dez anos é algo bom.

ConJur — O que o senhor acha da TV Justiça?
Marcelo Von Adamek —
Existem determinadas novidades que se implantam e simplesmente não podem mais ser revertidas. Não dá para acabar com a TV Justiça, porque seria interpretado como uma tentativa de esconder, de escamotear. Mas ela contribui para um funcionamento pouco efetivo da corte, alongando votos por horas para um ministro concordar com aquilo que foi dito anteriormente por outro colega. Em outras situações, os magistrados diriam apenas "acompanho o relator nos termos da declaração de voto que farei juntar". Acabou.

ConJur — E quem quiser que vá atrás do voto?
Marcelo Von Adamek —
Que vá atrás. O modelo atual não é efetivo, da mesma maneira que não é desejável um diálogo entre eles a respeito das questões que são submetidas a julgamento. Eles deveriam dialogar internamente em busca de uma decisão de consenso que reflita um entendimento da corte fundado na sua jurisprudência, aí sim indicando uma orientação, e não uma soma de votos como ocorre. É óbvio que existem questões estruturais que nos distinguem de outros países, especialmente o elevado número de processos que eles são obrigados a lidar.

ConJur — O excesso de decisões monocráticas está atrapalhando o Supremo?
Marcelo Von Adamek —
Mesmo os julgamentos colegiados têm sido uma junção dos julgamentos monocráticos. O problema é que esses julgamentos monocráticos só podem ser desafiados com um agravo interno e não comportam sustentação oral. A forma como o processo é tratado de gabinete para gabinete é que vai determinar o direito do advogado à sustentação oral e isso vira um sorteio, não é algo desejável.

ConJur — Foro por prerrogativa deveria ser competência do Supremo? Ou deveria voltar para o primeiro grau como defendem alguns?
Marcelo Von Adamek —
Tem que existir um foro de prerrogativa de função. Não podemos pensar que em qualquer localidade deste imenso país um juiz vá processar uma autoridade com condições de lidar com processos extremamente complexos. Quando pensamos nos casos da “lava jato”, esquecemos que lá existe um juiz que cuida exclusivamente desses processos, que conta com uma estrutura. Mas essa não é a realidade da Justiça no Brasil. Estamos falando de um segmento da Justiça Federal em Curitiba.

Será que a mudança do julgamento para pessoas com prerrogativa de foro não vai aumentar, em certa medida, a impunidade ao deixar grandes investigações para serem analisadas por um juiz de uma pequena comarca, sem a devida estrutura para lidar com esses processos? Acho que sim. Apesar de tudo, um corte tem que ser feito, mas não simplesmente eliminar na prática, salvo em situações especialíssimas.

ConJur — Mas essa competência deve ser mantida com o Supremo ou, por exemplo, transferida ao STJ, tornando o STF um órgão recursal nessas ações?
Marcelo Von Adamek —
Seria um caminho. Deixar em uma corte superior já seria um tratamento mais razoável. Diminuir a competência do Supremo em matéria penal, delegar mais para o STJ e diminuir o número de autoridades sujeitas a esse foro também, sim. Mas acabar como um todo, não.

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