Opinião

A conversão das multas em serviços ambientais e as mudanças dos decretos

Autor

  • Alexandre Burmann

    é advogado professor especialista em Direito Ambiental mestre em avaliação de impactos ambientais doutorando em Direito Ambiental presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e autor do livro: Fiscalização Ambiental (Editora Thoth 2022).

27 de janeiro de 2018, 6h04

No final do ano de 2017, com a edição do Decreto Federal 9.179, ocorreu alteração do Decreto 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas e regulamenta o processo administrativo ambiental em nível federal. A norma foi alardeada como o “decreto que concede 60% de desconto para as multas ambientais”[1], como o “decreto que converte a multa ambiental em serviços”[2]ou ainda, como o “decreto que dá 60% de desconto em multas por crimes ambientais”.[3]

Esta breve análise pretende apontar algumas novidades da norma e prestar alguns esclarecimentos, sem, contanto, esgotar o assunto. E sobre as manchetes acima, de pronto, esclarecemos que: a) o decreto concede desconto – porém, antes da sua alteração o desconto já era oferecido, ainda que em outros patamares; b)o decreto possibilita a conversão da multa em serviços ambientais – situação que também era possibilitada antes da sua nova redação; c) o decreto NÃO concede desconto em multas por crimes ambientais; estamos tratando de processos administrativos e, por consequência, somente da responsabilidade administrativa ambiental.

Isto posto, verificamos que as alterações propostas pelo Decreto nº 9.179/17 ao Decreto nº 6.514/08 estão identificadas nos artigos 139 e seguintes.

No caput do artigo 139, alterado, é instituído o “Programa de Conversão de Multas Ambientais emitidas por órgãos e entidades da União integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama”. Este programa é tentativa de dar efetividade ao pagamento das multas ambientais – a maioria delas não cobradas – e, de certa forma, demonstra o caráter arrecadatório da mudança. Se, por um lado, há uma redução significativa do valor originário da multa aplicada (descontos de 35% ou 60%), a receita entrará de forma efetiva aos cofres do Ministério do Meio Ambiente, reforçando o orçamento desta combalida área.

O artigo 140 traz uma nova caracterização dos serviços ambientais a serem convertidos. O rol indicado na redação possibilita praticamente todo o tipo de serviço ambiental – isso se faz necessário, considerando a pretensão de alcance do “Programa de Conversão de Multas Ambientais”. De outra banda, importante salientar da vinculação com o Cadastro Ambiental Rural que também apresenta a nova redação do decreto, ao indicar que a recuperação de vegetação nativa em imóvel rural deverão ser realizadas em áreas inscritas no CAR (artigo 140, §2º).

O sucesso do “Programa de Conversão de Multas Ambientais” está estritamente ligado à participação de entidades públicas e privadas na elaboração e execução de serviços ambientais, conforme a redação do novo artigo 140-A. Ali se propõe o chamamento públicopara apresentação e execução dos projetos que serão considerados “serviços ambientais oficiais”. A partir de agora, além dos órgãos e instituições governamentais, as associações civis, ONGs e outras poderão propor ou executar projetos, financiados pelo mecanismo criado pela nova regulamentação.

Anova redação do artigo 141 traz uma mudança significativa nos projetos de serviços ambientais, ao determinar que “não caberá conversão de multa para reparação de danos decorrentes das próprias infrações”.Se a redação anterior[4] do Decreto nº 6.514/08 permitia a conversão da multa pela “execução de obras ou atividades de recuperação decorrentes da própria infração”, agora existe vedação expressa. Com tal exclusão, em tese, uma constante confusão ocorrida em processos administrativos ambientais poderá ser solucionada, quando o serviço ambiental proposto se confundia com a responsabilidade civil de reparar a área degradada. Agora, isso não será mais possível: a obrigatoriedade de reparar os danos causados (responsabilidade civil) será resolvida de forma independente[5] da eventual aplicação de sanção administrativa (responsabilidade administrativa) pelo Poder Público – sendo esta exclusivamente em razão do descumprimento da norma.

Na mesma linha de raciocínio de separação das esferas da responsabilidade ambiental, o §1º do artigo 142 (nova redação, repetindo o §2º do artigo 143 ora alterado) indica que “independentemente do valor da multa aplicada, o autuado fica obrigado a reparar integralmente o dano que tenha causado”. Resumindo: a reparação do dano ambiental é vinculada à responsabilidade civil; a multa simples à responsabilidade administrativa.

A nova redação do artigo 142 propõe uma relevante alteração no processo administrativo ambiental: pela redação anterior, o pedido de conversão deveria ser requerido no momento da apresentação da defesa[6]; a partir de agora, fica possibilitado o seu requerimento até o momento das alegações finais.

O novo artigo 142-A estabelece a “opção” que o infrator deve realizar para fins de conversão da multa simples: ao optar por realizar os serviços ambientais por seus próprios meios – atendidos os objetivos do artigo 140, mediante avaliação do órgão ambiental – receberá o desconto de 35% do valor consolidado da multa ambiental (artigo 143, §2º, inciso I). Se a opção for de “adesão” e suporte financeiro a projeto previamente selecionado (artigo 140-A), receberá o desconto de 60% do valor consolidado da multa ambiental (artigo 143, §2º, inciso II).

O desconto de 35% ou 60% previsto na nova redação do artigo 143, altera o desconto anterior, que era de 40%. Para projetos executados pelo próprio infrator, uma redução (de 40% para 35%) – nesse tipo de “opção”, não há dispêndio, em tese, de nenhum valor de forma direta ao órgão ambiental – o recurso é aplicado no serviço proposto. A nova “opção” de “adesão” ao projeto/serviço ambientalreferendado pela Administração, aumenta o desconto (de 40% para 60%), de forma a estimular a preferência pela modalidade, pois há pagamento em espécie – trazendo recursos ao fundos governamentais ambientais.

Cabe ressaltar que os projetos ambientais previamente selecionados poderão ser de monta considerável, o que admite a participação de mais de um autuado no suporte financeiro do projeto (artigo 142-A, §1º), o que, de certa forma, demonstra a natureza arrecadatória do programa. Neste sentido, o §3º possibilita também o parcelamento, em até 24 vezes, do valor convertido.

A redação do artigo 145, em seu caput, consolida o momento da decisão sobre o pedido de conversão: quando do julgamento do auto de infração pela autoridade competente. A decisão sobre a possibilidade de conversão dependerá das “peculiaridades do caso concreto, os antecedentes do infrator e o efeito dissuasório da multa ambiental”. Ainda que não exista mais a referência expressa de que a decisão sobre a conversão é uma ação discricionária da autoridade ambiental (artigo 145, §1º na redação anterior), ainda assim o subjetivismo dessa decisão poderá ser motivo de incorreção. Apesar da nova redação, mantemos o posicionamento de que a conversão da multa simples em serviços ambientaisé direito subjetivo do autuado: sendo este cumpridor de todos os requisitos e não existindo óbice legal, não pode ter seu direito ceifado pelo órgão ambiental.

O artigo 145 ainda dispõe, em seu §3º, sobre a suspensão do prazo para interposição de recurso hierárquico, em caso de deferimento da conversão. Prevê, ainda, em seu §4º, a possibilidade de recurso em caso de indeferimento do pedido (prazo de 20 dias, conforme artigo 127 do Decreto nº 6.514/08).

Já o “novo” artigo 146 estabelece a necessidade de firmatura de “termo de compromisso ambiental – TCA” para fins de vincular o autuado à realização do serviço ambiental indicado. As cláusulas gerais do TCA estão estabelecidas nos incisos I a VII, com destaque para o inciso VI – deve estar prevista no termo a forma de reparação do dano ambiental (se houver). Desta forma, na esfera administrativa também se resolve a responsabilidade civil ambiental – inclusive com a indicação expressa do §7º: “o termo de compromisso terá efeitos nas esfera civil e administrativa”.

No mesmo artigo, tem-se a previsão de que a assinatura do termo de compromisso implica na renúncia ao recurso administrativo e a suspensão da multa aplicada – pelo tempo que durar o compromisso (§4º). Além disso, informa que a celebração do TCA não implica em encerramento do processo administrativo (§5º), devendo o órgão ambiental monitorar o seu cumprimento. O §8º refere as consequências pelo inadimplemento do termo de compromisso, impondo a inscrição em dívida ativa do valor da multa integral, na esfera administrativa, e a execução judicial na esfera civil, considerando o caráter de título extrajudicial. Tais dispositivos já existiam na “versão” anterior do decreto.

Cabe ressaltar que NÃO HÁ MAIS restrição para sucessivas conversões e firmaturas de termo de compromisso pelo mesmo autuado, pois a nova redação do artigo 148 suprimiu a regra do prazo (“a conversão da multa não poderá ser concedida novamente ao mesmo infrator durante o período de cinco anos”).

Conclui-se que o Decreto nº 9.179/17, de forma geral, não inova ao dar desconto ou possibilitar a conversão da multa em serviços ambientais: isso já era previsto na redação original do Decreto nº 6.514/08 (e de seu predecessor, o Decreto nº 3.179/99). Todavia, existia (ainda existe) um grande óbice à firmatura dos termos de compromisso – especialmente a sua fiscalização. Ao criar um programa que traz uma opção de adesão do autuado com o estímulo do desconto maior, o governo tenta mudar esse panorama, já que o espectro do monitoramento dos termos se reduz – a averiguação de descumprimento depende apenas da constatação de inadimplência financeira.

Em relação ao processo administrativo ambiental, cabe destacar: a) possibilidade de pedido de conversão da multa até as alegações finais; b) a não vedação de sucessivas conversões/termos de compromisso pelo mesmo autuado; e c) impossibilidade de conversão em serviços para reparação de danos decorrentes das próprias infrações.

O tempo, a prática jurídica (nos processos administrativos ambientais) e a efetivação de projetos e serviços ambientais mostrarão se as mudanças foram bem sucedidas.


[1]https://oglobo.globo.com/brasil/temer-assina-decreto-que-da-desconto-de-60-em-multas-ambientais-21982752

[2]https://www.conjur.com.br/2017-out-24/publicado-decreto-converte-multa-ambiental-servico

[3]http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2017/10/24/internas_polbraeco,635798/publicado-decreto-que-da-60-de-desconto-em-multas-por-crimes-ambienta.shtml

[4]Artigo 140, inciso I

[5]Conforme estabelece o artigo 225 da Constituição da República

[6]Paulo de Bessa Antunes e Luis Carlos Silva de Moraes discordam (discordavam, considerando a redação anterior) desta previsão, argumentando: a) que seria espécie de “confissão” do infrator; b) a Lei nº 9.605/98 não refere momento para o pedido de conversão.

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    é advogado especialista em Direito Ambiental, proprietário de Burmann Advogados, professor, mestre em Avaliação de Impactos Ambientais e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS.

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