Zeca Camargo X Cristiano Araújo

Jornalista não pode criticar morto durante período de luto, diz juíza

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24 de janeiro de 2018, 16h22

Jornalistas não podem usar a liberdade de expressão para agredir, desprestigiar e humilhar a pessoa humana em veículo de imprensa, de grande repercussão nacional. É o que pensa a juíza Rozana Fernandes Camapum, da 17ª Vara Cível e Ambiental de Goiânia.

No entendimento dela, como o jornalista Zeca Camargo não respeitou a morte cantor Cristiano Araújo ao criticar sua música num artigo, ele deve pagar indenização de R$ 30 mil à família do artista. Mesmo que o artigo 220 da Constituição Federal recite: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição".

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Cristiano Araújo morreu em 2015, após sofrer um acidente de carro.
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Cristiano Araújo morreu em 2015 em um acidente de carro. Os autores da ação alegaram que o texto foi escrito e interpretado de forma preconceituosa contra a imagem do cantor e da música sertaneja.

Zeca Camargo escreveu que, embora muitas pessoas tenham estranhado a comoção nacional motivada pela morte do cantor, “a surpresa maior, porém, vem do fato de [o artista] ser tão famoso e tão desconhecido”.

“É só lembrar as despedidas de Cazuza, Ayrton Senna, Kurt Cobain, Lady Diana, Michael Jackson, Mamonas Assassinas. Mas Cristiano Araújo? Sim. Eles, sim, eram, guardadas as proporções, ídolos de grande alcance. Como fomos, então, capazes de nos seduzir emocionalmente por uma figura relativamente desconhecida?”, escreveu.

Ele relacionou a comoção pela morte do cantor ao fato de o cenário musical brasileiro atual ser dominado “por revelações de uma música só, que se entregam a uma alucinada agenda de shows para gerar um bom dinheiro antes que a faísca desse sucesso singular apague sem deixar uma chama mais duradoura”.

Para a família, vários trechos deturpam a imagem de Cristiano Araújo. Já Zeca Camargo negou ter ofendido a honra e a imagem do cantor. Disse que buscou demonstrar a emoção e os sentimentos relacionados ao fato para analisar o impacto da situação e trazer uma reflexão opinativa.

O réu negou qualquer menção preconceituosa à música sertaneja ou à imagem do artista, argumentando que a crítica não foi ao trabalho do cantor, mas ao cenário musical brasileiro. O jornalista alegou que não fez deboches, pois apenas expôs sua opinião de que o cantor não era, ainda, um artista de projeção nacional.

Desprestígio e compaixão
Rozana Camapum disse que o jornalista pode fazer crônicas e falar com emoção, "mas não deve descambar para a agressão gratuita, desprestígio e humilhação à pessoa humana no momento da narrativa". Afirmou ainda que Zeca Camargo não respeitou o momento do luto do pai, da família, do empresário e dos fãs do cantor.

"Não teve o mínimo de compaixão e sensibilidade e no seu egoísmo e narcisismo, com pensamento de autoridade acerca do que deve ser considerado bom ou não, passou a agredir aquele que já não tinha defesa, morto ao alçar voo, causando sofrimento intenso a todos os fãs e em especial aos familiares e empresário que nele depositavam os sonhos de uma vida melhor", disse a juíza.

Raphael Dias / TV Globo/Divulgação
Zeca Camargo questionou o motivo de um cantor lançado recentemente pela mídia causar tanto alvoroço por ter morrido.
Raphael Dias/TV Globo/Divulgação

Ela também afirmou que o texto de Zeca Camargo " desmerece inteiramente a imagem de Cristiano Araújo” por meio de subterfúgios, tom “despropositadamente escandalizado ou artificioso” e “dramatização” para dizer que o público e os fãs não eram dele, mas sim pessoas carentes de paixões e heróis. “E, tão somente por isto, arrastaram-se ao seu velório”, complementou.

Segundo a juíza, a crítica poderia sim ter sido feita, mas não em momento de luto e usando imagens de alguém recém-falecido. "Dever de respeito é imposto a todos, quer sejam jornalistas ou não", opinou.

"Não é sua opinião, quanto ao que seja música de qualidade que deve emocionar e comover multidões, que enseja a prática do ato ilícito e o abuso no exercício regular de um direito, mas os excessos cometidos, sem qualquer razoabilidade e sem respeito ao luto, imagem e honra dos autores", concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de Goiás.

*Texto editado às 9h50 do dia 25/1/2018 para correção.

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