Justiça Tributária

Donald Trump reduz impostos, nossa reforma não sai e vamos ao Paraguai...

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

22 de janeiro de 2018, 7h00

Spacca
“Só conheço duas espécies de governos: os bons e os maus. Os bons que estão ainda por fazer; os maus, em que toda arte consiste, por diferentes meios, em passar o dinheiro da parte governada à bolsa da parte governante. Aquilo que os governos antigos arrebatavam pela guerra, nossos modernos obtêm com mais segurança pelo fiscalismo. É apenas a diferença desses meios que constitui sua verdade. Creio, no entanto, na possibilidade de um bom governo em que, respeitadas a liberdade e a propriedade do povo, ver-se-ia resultar o interesse geral, em contraposição ao interesse particular”. (Claude-Adrien Helvetius, carta a Montesquieu em 1748)

Em seu primeiro ano de mandato o presidente dos EUA Donald Trump cumpriu algumas promessas. Agradou os ricos e colocou os pobres em situação um pouco pior. Sua rejeição junto ao eleitorado tem aumentado e não parece que com isso ele ou seus assessores mais próximos estejam preocupados. Vejamos:

Redução de impostos: Na área interna, o governo estadunidense já fez um corte estimado em cerca de US$ 1,5 trilhão de tributos. O Imposto de renda foi reduzido de 35% para 21% para as grandes empresas, com o que se anunciam vultosos investimentos no país, que, segundo já foi anunciado pelas empresas beneficiadas, resultarão em aumento de empregos internos.

A tentativa que Trump fez de reduzir o sistema de saúde (conhecido como Obama Care) não foi adiante, mas ele conseguiu eliminar uma penalidade para quem não aderir a planos de saúde, o que fazia parte do programa anterior.

Na área comercial seu governo vem cancelando ou tornando mais complexos os tratados de livre-comércio, o que aponta na direção de que os Estados Unidos não vão facilitar as coisas para seus parceiros comerciais, obviamente em prejuízo destes.

No campo da imigração a situação piora cada vez mais, com o país não só se fechando a novas entradas, mas deportando ilegais, muitas vezes com requintes de crueldade, quando, por exemplo, separa membros de uma mesma família.

Ora, com uma política econômica desse tipo, devem se tornar mais dispendiosas e difíceis nossas exportações, além de provavelmente onerar o custo das importações.

"Conforme projeções para a mundo em 2025, feitas pelo Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos devem até ocorrer os seguintes problemas:
a) Impactos ecológicos da atividade humana produzirão escassez de recursos como solo cultivável;
b) demanda por energia, comida e água irá superar os recursos disponíveis e a falta d’água começará;
c) tais tendências criarão choques e perturbações em nossas vidas, economias e sistemas políticos;
(fonte: “Global Trends 2025: A Transformed World”)

Esse quadro pode implicar em restringir e/ou dificultar nossas exportações de manufaturados, direcionando-as para bens de consumo básico, matérias primas ou produtos não industrializados, as “commodities”. Esse mercado é cada vez mais especulativo, através de negociações em bolsas de mercado futuro. Assim, aumentam as possibilidades de que os preços dos nossos produtos agrícolas , pecuários, minerais e similares, sejam manipulados internacionalmente.

A reforma tributária no Brasil
Nesta terra de Macunaíma, estamos há tempos numa lenta tentativa de implantar uma “reforma tributária”. A Proposta aqui já comentada em diversas oportunidades cada vez que se apresenta ao debate fica mais confusa. Vejam-se nossas colunas de

18/12/2017 – Retrospectiva: 2017 foi o ano das grandes esperas

11/09/2017 – Prefeitos podem atrapalhar reforma tributária no país

08/04/1999 – Imposto Mínimo e Loucura Máxima

A expressão “loucura máxima”, utilizada neste espaço há quase nove anos, ainda vale hoje, quando o Ministro da Fazenda, habituado a administrar grandes bancos, inclusive internacionais, admite que se possa, mediante aumento de algum tributo, resolver a questão do nosso déficit fiscal.

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe que, num país como o nosso, a carga tributária não pode, como está hoje, ultrapassar 35% do PIB! Isso significa que mais de um terço de toda a riqueza aqui gerada, num país de mais de 200 milhões de habitantes, destina-se apenas ao custeio da máquina pública, financiamento de previdência social, juros da dívida pública e despesas diversas, pouco sobrando para os investimentos públicos, especialmente aqueles que, iniciados por governos irresponsáveis, inconsequentes ou megalomaníacos, não se preocuparam com o término das obras iniciadas.

Nossa história traz, de longa data, decisões absurdamente irresponsáveis, onde vultosos recursos do Povo foram enterrados inutilmente, ou onde o que poderia ser concluído, aproveitado ou melhorado, simplesmente virou sucata, buraco, ruína.

Eis uns poucos exemplos desses crimes cometidos contra os brasileiros: o abandono total de nossas ferrovias, num país continental! Aquela grotesca aventura da Transamazônica, hoje apenas uma longa ferida na maior selva do mundo, sem conservação, com poucos trechos utilizáveis! E o que falar da enorme quantidade de edifícios públicos abandonados, não no longínquo sertão, mas aqui mesmo em São Paulo, a maior cidade do país? Prédios do INSS e outras autarquias, já invadidos e sem uso algum?

E a USP, a mais importante universidade do país, com um enorme terreno abandonado na Rua da Consolação, ao lado do nº 242, onde milhões foram enterrados na obra de um subsolo de suposta garagem para um prédio administrativo desnecessário? Enquanto isso boa parte do ICMS vai para uma universidade que já deveria ter sido privatizada há tempos?

Uma das maiores injustiças que hoje se pratica contra o contribuinte atinge o trabalhador assalariado. A não atualização da tabela de retenção na fonte tira mais de quem tem menos e nem tem como se defender do confisco que sofre. O artigo 6º da Constituição Federal assegura os nossos direitos sociais: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, proteção à maternidade etc.

Tudo isso deveria ser custeado pelo salário do trabalhador. O salário mínimo de menos de R$ 1.000 não cobre esses custos em nenhum lugar do país, o que leva as famílias a procurar moradias clandestinas e precárias, que muitas vezes provocam tragédias, como vimos recentemente em Mauá.

A tabela, a bem da moralidade (CF, art. 37) deve ser reajustada anualmente, atualizada conforme os índices de inflação. Já sofre defasagem de mais de 80%! Ou seja: o governo apropria-se de praticamente o dobro do que é devido. Isso inibe o consumo do empregado, em seu prejuízo em relação ao consumo de coisas essenciais. O governo usa um dinheiro que não lhe pertence para financiar suas atividades, muitas delas de duvidosa legalidade ou necessidade!

Por exemplo: qual a necessidade que uma estatal que tem exclusividade de fornecimento anunciar intensamente em meios de comunicação? Qual é o concorrente da Sabesp, nos serviços que ela presta?

Por outro lado, devem ser revistos programas de incentivos que propiciam fraudes óbvias e ainda dão azo a despesas públicas desnecessárias, estas também passíveis de se tornarem fonte de fraudes. Casos emblemáticos são os relacionados com sorteios vinculados à informação do CPF nas notas fiscais.

Há tempos notas fiscais são eletrônicas, o que também ocorre nos cupons fiscais. Tais documentos são facilmente controlados pelo fisco. O fornecedor da mercadoria a adquire com outro documento eletrônico. Os cruzamentos, inclusive através de cartões de crédito e movimento bancário, são eficazes. As possibilidades de fiscalizar sonegação nesses casos não dependem de CPF na nota, mas de adequados esforços da Fazenda, cujos servidores são muito eficientes.

Incentivar exigência de notas que acabam na mão de ONGs é abrir uma enorme possibilidade de fraudes. Duas ou três pessoas podem abrir uma associação qualquer, apenas para utilizar esses créditos em benefício de aproveitadores.

Como deve ser a reforma tributária

No Brasil, a reforma deve atender a 3 objetivos:

1) Adequar a carga tributaria à realidade de nossa economia, reduzindo-a dos atuais 37% de forma paulatina, num espaço de cerca de 10 anos, até atingirmos no máximo 25% do PIB.

Note-se que em 1967, quando entrou em vigor a reforma que nos trouxe o princípio da não cumulatividade (IVA), em que créditos nas entradas eram usados para compensar o imposto pago nas saídas, nossa carga era de 20% do PIB. Os 5% a mais só se justificam face à necessidade de gerar recursos para atenuar as desigualdades sociais.

2) Simplificar o sistema tributário, inclusive com a eliminação de tributos que sequer deveriam ter sido criados (caso do IPVA, como já demonstrado em outras colunas), além de fixar limite às taxas para que estas não sejam impostos disfarçados.

No caso das taxas, por exemplo, não se justifica o que se cobra em custas judiciais, sem limites adequados. Em muitos Estados seus valores são exagerados, desproporcionais ao custo dos serviços (base de cálculo de taxa enquanto tributo pela prestação de serviço público), assim impedindo ou dificultando o exercício do direito dos litigantes, através de valores acima dos custos máximos dos procedimentos.

3) Fixar barreiras constitucionais que impeçam mudanças bruscas no sistema legislativo em todos os níveis, para que se garanta estabilidade ao direito do contribuinte. Todos devemos saber qual a lei que está valendo hoje e que deve, pelo menos, valer para o ano todo.

Nesse caso, deve-se tornar rigorosamente obrigatória, caracterizado como crime de responsabilidade sua não observância, em todos os níveis de governo, a norma do artigo 212 do Código Tributário Nacional, que é muito simples:

“Art. 212. Os Poderes Executivos federal, estaduais e municipais expedirão, por decreto, dentro de 90 (noventa) dias da entrada em vigor desta Lei, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada um dos tributos, repetindo-se esta providência até o dia 31 de janeiro de cada ano.”

Outrossim, a Lei Complementar 95/98 , em seu artigo 7º ordena:

“Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:

I – excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;

II – a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;

III – o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;

IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.”

Não é possível que, ao examinarmos uma norma tributária qualquer, sejamos obrigados a nos perder em verdadeiro cipoal, onde textos muitas vezes conflitantes ou pouco claros se reportam a inúmeras outras normas por sua vez já alteradas por tantas outras. Isso onera em demasia o contribuinte, com a necessidade de assessorias especializadas. Se todos são obrigados a conhecer a lei, a lei não pode ser um mistério por si mesma! Deve ser clara!

Atualmente usa-se uma forma absurda de elaboração legislativa. O exemplo mais recente é a Lei Federal 13.606 deste mês, que já é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro, conforme noticiado nesta revista eletrônica na última sexta-feira, dia 19. A petição é assinada pelos advogados Rafael de Alencar Araripe Carneiro e Alberto Medeiros e seu teor está na matéria publicada.

Vamos ao Paraguai
Com esse quadro, cresce o número de indústrias que estão a ser instalar no Paraguai, onde impostos, encargos trabalhistas, energia elétrica e muitos outros insumos são muito mais acessíveis.

Nosso vizinho, o Paraguai, merece tudo isso e muito mais! Francisco Doratioto, eminente historiador formado pela USP, escreveu brilhante obra denominada Maldita Guerra (Ed. Companhia das Letras, 2002, 617 páginas) onde, com base em vários anos de pesquisas e estilo claro e didático, mostra a verdadeira história desse triste episódio.

O Brasil pode e deve desenvolver-se além de suas fronteiras, fazendo do Mercosul uma forma inteligente e fraterna de conviver com nossos vizinhos. Isso será lucrativo para todos nós. Nenhum país continental pode isolar-se ou pretender aproveitar-se de seu aparente poderio.

Um libanês que veio para cá em 1924, fugindo do domínio Francês que vigorava em sua pátria, como fizeram mais de 4 milhões de seus patrícios, me ensinou: o Brasil é a verdadeira Terra Santa, pois aqui os irmãos não vivem matando uns aos outros.

O Paraguai, hoje com cerca de 7 milhões de habitantes, tem muito o que nos oferecer e sem dúvida a parceria será cada vez mais proveitosa para todos nós. Vamos ao Paraguai!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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