Opinião

Constituição mostra que demissão em massa exige participação do sindicato

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21 de janeiro de 2018, 6h56

Muito se tem discutido, e já tal questão já chegou aos tribunais, a respeito da necessidade de participação das entidades sindicais nas dispensas imotivadas, individuais, plúrimas ou coletivas, diante de alteração legislativa recente.

O caso enfrenta, de fato, boa controvérsia jurídica.

Em excelente artigo no site Consultor Jurídico[1], Raimundo Simão de Melo traz conclusão, por inconstitucionalidade formal, de vício na Lei 13.467-2017, que veiculou a chamada Reforma Trabalhista.

Isso porque, na forma do art. 7ª, I, da Constituição, a relação de emprego é protegida contra dispensa arbitrária ou sem justa causa nos termos de lei complementar, que inexiste no caso (está-se diante de lei ordinária).

Aqui, olhando diretamente para as dispensas coletivas (em que já há manifestação da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho aplicando de forma seca a norma e entendendo dispensada participação do sindicato[2]), me parece existir regra, também constitucional, clara, a impor a participação da entidade sindical. Vejamos:

Art. 8ª

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

O texto do art. 477-A CLT, incluído na já mencionada Reforma Trabalhista, vai diretamente de encontro aos preceitos constitucionais acima mencionados:

Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.

Ora, além de questionada técnica legislativa – a lei deve veicular conduta positiva ou vedação, não simples exclusão (ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei) – o comando normativo busca exatamente afastar (!) a relevante participação da entidade sindical no momento, talvez, mais frágil da relação laboral: a demissão.

No momento em que o empregador pretende simplesmente demitir, sem justa causa (ele o pode, ao menos até que Lei Complementar venha e o impeça), uma coletividade de empregados, o sindicato, aquele que fala em nome da categoria, foi simplesmente alijado pelo legislador.

Sua participação é simplesmente desnecessária, diz o legislador. Curioso é que a mesma CLT dispõe, em seu artigo 513, alínea b, que é prerrogativa do sindicato celebrar contrato coletivo de trabalho; por paralelismo das formas, também é sua prerrogativa (o legislador da reforma trabalhista se esqueceu de tal norma) celebrar o distrato, a rescisão.

O sindicato é o porta voz constitucionalmente autorizado da categoria, perante o poder judiciário ou qualquer outra esfera. E não poderia o legislador – porque a Constituição aqui o impede – dispensar a participação da entidade sindical na negociação coletiva e na dispensa coletiva.

O regime, constitucional e legal, vai muito além da seca disposição do art. 477-A CLT, e advém mesmo da evolução social das normas jurídicas, especialmente as trabalhistas, que reconhecem as entidades sindicais como importante personagens, intermediários entre patrões e empregadores, mesmo entre categorias e o poder público (inclusive para fins de propositura de Ações Diretas de Inconstitucionalidade).

O célebre Walter Lippman, na obra ‘Drift and Mastery’ (1914), ressaltava o papel primordial dos sindicatos:

a menos que os trabalhadores sejam poderosos para serem respeitados, estarão condenados a uma servidão degradante. Sem os sindicatos, esse poder não é possível. Sem sindicatos, a democracia industrial é impensável.

A democracia industrial, conquista histórica e permanente luta das classes trabalhadoras, tem como um dos principais atores as entidades sindicais, o que explica as funções e competências que nossa Constituição e suas antecessoras conferiram a tais entes.

Central para o pluralismo foi a crença na vitalidade e na legitimidade das associações auto-governantes como meios de organizar a vida social e a crença de que a representação política deve respeitar o princípio da função, reconhecendo associações como sindicatos, igrejas e corpos voluntários. No esquema pluralista são tais associações que desempenham as tarefas básicas da vida social.[3]

E, no momento mais frágil da relação laboral – cuja simples ameaça basta para flexibilizar direitos e garantias – e cujo impacto, no caso das demissões coletivas, atinge uma comunidade, não apenas uma empresa e os trabalhadores, não podem os sindicatos – porta vozes autorizados dos empregados no caso – serem simplesmente excluídos.

Ora, ao se falar em direito coletivo do trabalho, a participação das entidades sindicais é consequência inafastável. São os atores necessários, imprescindíveis. Não se pode dispensar a tutela sindical para qualquer negociação coletiva de trabalho, inclusive (diria principalmente) para a dispensa coletiva.

 


[1] Clique aqui para ler o artigo. 

[2] Clique aqui para ler a notícia. 

[3] HIRST, Paul (org.). The pluralist theory of the state, London; New York: Routledge, 1993, pg. 2.

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