Opinião

Correção monetária em processos trabalhistas depende da data da ação

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20 de janeiro de 2018, 6h23

Com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017 em 11.11.2017, estabeleceu-se uma grande polêmica a respeito de qual o fator de correção dos créditos trabalhistas, considerando que a nova Lei alterou a norma do art. 879 acrescendo-lhe o § 7º nos seguintes termos:

A atualização dos créditos de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei n. 8.177, de 1 de março de 1991.

O que se precisa definir é se os processos em tramitação e cujos valores são liquidados na vigência da nova norma, são ou não atingidos pela nova disposição legal que retirou do mundo jurídico o IPCA-E como fator de atualização dos créditos trabalhistas instituindo a TR.

Com o devido respeito, entendendo que a atualização monetária deve obedecer a lei vigente ao tempo da liquidação e cumprimento da obrigação e que a aludida e novel norma é de ordem pública, de natureza imperativa, aplica-se aos processos em curso, nos termos do que previsto nos arts. 14 e 1046 do Código de Processo Civil.

Desse modo, e em princípio, a norma contida no art. 879, § 7º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, que prevê a TR como fator de atualização monetária, deveria incidir de forma imediata aos processos em que o crédito trabalhista venha a ser liquidado na vigência da nova norma.

Entretanto, uma leitura mais atenta do previsto no art. 912 da CLT permite entender que o efeito imediato da aludida disposição legal aos processos em curso não deve ser levado a efeito de forma indiscriminada, à medida que deve respeitar os atos e fatos ocorridos ou praticados sob a égide da norma anterior, embora revogada, sob pena de se violar a garantia do direito adquirido.

De fato, se a lei alcançar os efeitos futuros de fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigência, não há dúvida que será retroativa (retroatividade mínima), porque terminará interferindo no ato ou fato ocorrido no passado, o que é vedado pelos expressos termos do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Por conseguinte, violada estará a garantia do direito adquirido.

Nesse sentido, aliás, decidiu o Excelso Supremo Tribunal com base no voto do Ministro Moreira Alves sobre a aplicação “retroativa” da lei 8.177/1991, no julgamento da ADI 493.

Assim entendido, e com o devido respeito, penso que a norma do art. 879, § 7º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, não pode ser aplicada retroativamente para alcançar créditos trabalhistas constituídos ou adquiridos anteriormente à sua vigência, pena de interferir no fato gerador do direito e, com isso, operar efeitos retro-operantes, violando, como consequência, a garantia constitucional do direito adquirido e, por conseguinte, o disposto no art. 5º, inciso XXXVI do Texto Supremo, em que pese a liquidação se concretizar na vigência da nova norma.

Entretanto, como antes registrado, a 2ª Turma do Excelso Supremo Tribunal, por maioria, depois da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, veio a declarar a constitucionalidade do IPCA como fator de atualização monetária, numa interpretação da norma contida no art. 39 da Lei 9.139/91, em controle difuso.

Tudo, não obstante, e com todas as venia aos que entendem de forma diversa, penso que aquela decisão se aplica apenas ao caso concreto em que proferida não tendo efeitos vinculativos.

De outro lado, referida decisão não tem o condão de repristinar ou restabelecer a norma expressamente revogada pelo art. 789, § 7º, da Lei 13.467/2017, porque apreciou a constitucionalidade o IPCA-E apenas no caso concreto, ou ainda porque a declaração de constitucionalidade do IPCA-E como fator de atualização monetária, que desapareceu do mundo jurídico trabalhista com a entrada em vigor, em 11.11.2017 da nova lei, que de forma completa disciplinou a matéria estabelecendo a TR como fator de atualização dos créditos trabalhista a até momento não foi revogada.

Assim entendido, deve ser aplicada, pena violação do princípio da legalidade previsto no art. 5º, inciso II do Texto Maior.

Deveras, como lembra a doutrina, quando o Supremo Tribunal declara a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo no exercício do controle abstrato de constitucionalidade, esta decisão gera efeitos erga omnes e ex tunc, ou seja, vale para todos e tem eficácia retroativa à data em que a lei foi originada.

A retroação dessa decisão se deve ao fato de que a lei inconstitucional é nula não gerando qualquer efeito, porque “a lei rigorosamente nunca teria integrado o sistema jurídico positivo, pois que colidente com a Lei Maior[1]”. Exatamente por este motivo, que se trata de uma decisão declaratória de uma situação pretérita (nulidade) e não constitutiva negativa (anulabilidade).

Deveras, o efeito repristinatório ocorre quando a lei declarada inconstitucional aparentemente revogou lei anterior constitucional. Portanto, o efeito repristinatório constitucional não se confunde com o fenômeno da repristinação da lei.

Enquanto aquele é o fenômeno da reentrada em vigor da norma aparentemente revogada, este se traduz na reentrada em vigor da norma efetivamente revogada em função da revogação e não declaração de nulidade, da norma revogadora.

Desse modo, enquanto o primeiro fenômeno tem aplicação no âmbito do controle de constitucionalidade – controle concentrado da constitucionalidade das normas, a repristinação da lei revogada tem aplicação no plano da legislação, especialmente em relação ao fenômeno da sucessão das leis.

Assim posto, a lei que em tese teria sido revogada é restabelecida no fenômeno da repristinação da norma declarada inconstitucional, o que não ocorre quando a norma declarada constitucional foi revogada antes dessa declaração, à medida que nessa hipótese, a repristinação, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução as Norma do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei n. 4.65742), salvo disposição expressa em contrário, a lei revogada não se restaura nem é repristinada por ter a revogadora perdido a vigência ou sido declarada constitucional, especialmente essa quando essa declaração ocorre depois da revogação da lei declarada constitucional.

Nesse sentido, lembra Alexandre de Morais[2] ao afirmar que em declaração de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado – o que não ocorreu pela recente decisão da Suprema Corte, que julgou um recurso especifico contra decisão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho – RE e que. Portanto, tem efeito apenas naquele caso concreto – “a lei anterior volta a ter vigência somente a partir da revogação da lei revogadora”, no caso do IPCA-E a Lei 13.467/2017, declarado constitucional como fator de atualização monetária depois de ter sido retirado do mundo jurídico pela nova Lei.

Por essas razões, não vejo como se possa continuar aplicando o IPCA-E como fato de atualização dos créditos trabalhistas após 11.11.2017, pois revogado pela norma do art. 879, § 7º da CLT que de forma expressa que os créditos trabalhistas serão atualizados pela TR.

A manutenção do IPCA-E como fato de atualização monetária dos créditos trabalhista pelo mero fato da ação ter sido ajuizada anteriormente ou porque declarado constitucional em controle difuso pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, mesmo depois da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, a meu juízo e com todo respeito aos que pensam em sentido contrário, fera o princípio da legalidade previsto no inciso II do art.5º do Texto Supremo.

 


[1] ALVIM WAMBIER, Tereza Arruda et al. O Dogma da Coisa Julgada. São Paulo: RT, 2003, p. 41.

[2] MORAIS, Alexandre de.  Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.764.

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