Opinião

Tarifação do dano moral segundo a Lei 13.467/2017

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19 de janeiro de 2018, 5h20

A fixação do valor da indenização por dano moral na Justiça do Trabalho sempre foi o calvário de advogados e juízes. Há lesões gravíssimas subestimadas pelos juízes e para as quais foi fixada indenização irrisória, assim como há lesões de somenos, para as quais os juízes fixaram indenizações claramente desproporcionais à gravidade da ofensa. Como “dor não tem preço”, e o Código Civil limita-se a dizer que a indenização se mede pela extensão do dano[1], o arbitramento de um valor justo e razoável para indenizar o prejuízo moral do empregado fica a critério do juiz e vai nisso grande dose de subjetividade. Juízes são pessoas sujeitas como todas aos influxos de grande número de estímulos e, queiramos ou não, no cálculo da indenização que arbitram para o dano moral entram certos fatores imponderáveis que vão desde a história pessoal do julgador, o seu humor no dia do julgamento, o peso da mão e alguns outros elementos fáticos dos autos que ele entenda devam ser sopesados. Nesse ponto, a doutrina ajuda muito pouco, e os critérios sugeridos são sempre aleatórios. E nem dá para ser de outro modo. Muitas legislações modernas já tentaram estabelecer uma espécie de tarifa para essas lesões, e todas fracassaram. A melhor regra é, sem dúvida, deixar ao prudente arbítrio do juiz.

Uma regra de ouro, recomendada nos manuais mas nem sempre observada na prática, diz que o juiz, ao arbitrar o valor da indenização, deve levar em conta a necessidade do ofendido e a possibilidade do ofensor. Mesmo que isso pareça uma diretriz segura, ainda assim é obviamente aleatória e subjetiva. Com que régua se mede a necessidade do ofendido? Em qual balança pesar a possibilidade do ofensor? Como esses limites nem sempre são fáceis de divisar, os cadernos de jurisprudência mostram discrepâncias de julgamentos que, além de não punirem adequadamente os excessos, contribuem para aprofundar a descrença das pessoas no aparato judicial.

Alguns critérios objetivos podem entrar nessa conta, como a primariedade ou a reincidência do ofensor, o grau de fidúcia que liga o ofendido ao agressor, a repercussão da ofensa na esfera pessoal da vítima (honra subjetiva) e o estrago corporativo que a agressão possa representar na sua honra objetiva, isto é, no conceito que terceiros fazem dele como empregado e como vivente na sociedade, mas mesmo assim essa soma de fatores muito particulares e voláteis pode alçar o valor de uma indenização por um dano simples, de alguma quantia módica a um valor extremamente desproporcional e iníquo e, dependendo do porte do negócio, ou do número de pessoas envolvidas na lesão, a vida econômica de uma empresa pode vir a ser seriamente abalada pela extensão da condenação.

O pior que pode ocorrer no campo da responsabilidade civil por dano moral nem é tanto o valor da conta a pagar, porque o descompasso entre a gravidade da lesão e o valor fixado para a sua indenização muita vez a própria situação dos autos se encarrega de demonstrar. O que realmente incomoda é a falta de fundamentação para a fixação deste ou daquele valor. Dizer o porquê de estar apenando em “x”, e não em “y”, não é favor que o julgador faz às partes ou ao processo. É obrigação. Na maioria dos casos, o que se vê é um extenso relatório da situação de fato que gerou a lesão, mas nenhuma fundamentação quanto aos porquês de haver fixado este valor, e não aquele. É claro que não há uma fórmula, um padrão indenizatório ou uma tarifação das lesões, como ocorre, por exemplo, no mercado securitário, mas isso não exime o julgador de dizer minimamente quais critérios utilizou para encontrar o valor arbitrado para a reparação do dano. Casos há em que a lesão e a sua autoria não são nem mesmo controvertidas nos autos, mas os julgados se demoram na “fundamentação” do ponto quando sobre isso nem se controverte no processo. Do que normalmente a sentença se ressente é de uma fundamentação consistente dos porquês da fixação de uma indenização tão vultosa, ou tão pífia[2].

A Lei 13.467/2017[3] introduziu na CLT o artigo 223, letras A a G, disciplinando o dano moral (ou extrapatrimonial)[4]. De acordo com a redação da MP 808/2017, que a modificou, em parte, são objetivamente protegidos como bens morais do trabalhador a etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a sua integridade física, assim como a imagem, o nome, o segredo empresarial e o sigilo de correspondência das pessoas jurídicas.

A nova lei estipula alguns critérios objetivos que o juiz deve examinar na fixação do valor da indenização por dano moral, além de possibilitar a indenização dobrada nos casos de reincidência entre as mesmas partes[5]. O artigo 223-G, da CLT, diz que o juiz, ao apreciar o pedido de indenização por lesão moral, considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;
II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III – a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII – o grau de dolo ou culpa;
VIII – a ocorrência de retratação espontânea;
IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X – o perdão, tácito ou expresso;
XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII – o grau de publicidade da ofensa”.

O §1º do artigo 223, modificado pela MP 808/2017, estabeleceu parâmetros mínimos de indenização:

a) — para ofensas de natureza leve, indenização de até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
b) — para ofensas de natureza média, indenização de até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
c) — para ofensas de natureza grave, indenização de até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
d) — para ofensas de natureza gravíssima, indenização de até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social[6].

Como a nova lei não diz o que se deve entender por lesões de natureza leve, média, grave e gravíssima, ainda vai levar um tempo para que a doutrina e a jurisprudência acomodem algum consenso sobre esses conceitos.


1 Cód.Civil, art.944.

2 CPC, art.489.

3 Lei da Reforma Trabalhista.

4 “Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’

‘Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’

‘Art. 223-C. A etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural.”

‘Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.’

‘Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.’

‘Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

§ 1º Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.

§ 2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.’

‘Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;

II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III – a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII – o grau de dolo ou culpa;

VIII – a ocorrência de retratação espontânea;

IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X – o perdão, tácito ou expresso;

XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII – o grau de publicidade da ofensa.

§ 1º Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – para ofensa de natureza leve – até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;

II – para ofensa de natureza média – até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;

III – para ofensa de natureza grave – até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou

IV – para ofensa de natureza gravíssima – até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

5 CLT, art.223, §§3° e 4°.

6 O teto dos benefícios previdenciários para 2017 era de R$5.531,31, com aumento de 11% em relação ao de 2016 (R$5.189,82)

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