Delação em crise

Pioneiro da delação premiada aponta perseguição a colaboradores da Justiça

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18 de janeiro de 2018, 13h56

A mais festejada ferramenta de combate à corrupção, a delação ou colaboração premiada entrou em crise. Quem admite é o pioneiro na matéria, o advogado Figueiredo Basto. O problema, explica o especialista não está na área penal, mas no campo civil e administrativo. Em especial, no campo da leniência.

Os fatos parecem corroborar. Odebrecht, UTC, JBS, Schahin, Engevix, entre outras, pagam pesadas multas, concordaram em confessar seus delitos e de muita gente. Teoricamente, arrependeram-se. Concretamente, não receberam os benefícios que lhe foram prometidos. “O Estado brasileiro age como quem chupa a laranja e joga o bagaço fora”, exemplifica Basto.

As empresas ou seus representantes fizeram acordos de delação e fecharam ou passaram a trabalhar em acordos de leniência. Mas foram para o paredão de fuzilamento da Petrobras, Receita Federal e, principalmente, o Tribunal de Contas da União. No caso da Odebrecht, o acordo celebrado com o Ministério Público Federal não foi reconhecido pelo MP estadual.

Reprodução/Tv Globo
Burocratas estão sabotando o cumprimento de acordos, alerta Figueiredo Basto.
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Os candidatos a coveiros do sistema são “burocratas ligados ao governo ou a outros interesses que estão sabotando o cumprimento dos acordos celebrados judicialmente”, afirma o advogado. “Os burocratas são muitos, mas o Estado é um só. Todos têm que se submeter a um acordo legítimo celebrado com o MPF”, argumenta. Figueiredo gosta de soluções como a legislação americana que prevê multa e detenção de até dez anos para quem perseguir colaborador da justiça.

A discussão não é nova. No ano passado, em um evento promovido pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe), um comitê da Convenção Interamericana de Combate à Corrupção, informou que veio ao Brasil para conferir cumprimento da regra do artigo 3º, inciso 8, da Convenção, que prevê a adoção, pelos países signatários, de “sistemas para proteger funcionários públicos e cidadãos particulares que denunciarem de boa-fé atos de corrupção, inclusive com a proteção da identidade”.

Proposta para incluir essa proteção no ordenamento jurídico brasileiro foi elaborada pelo desembargador Márcio Rocha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e incluída no Projeto de Lei 4.850/2016, mas esboroou quando a Câmara dos Deputados rejeitou as “dez medidas contra a corrupção” do Ministério Público Federal.

Para Figueiredo Basto, norma para punir quem perseguir delator é algo “absolutamente consentâneo com o atual quadro jurídico brasileiro”, mas já há dispositivos prontos para punir a prevaricação, o caso de quem pratica ou deixa de praticar ato em desacordo com a lei, seja a motivação política ou não.

O advogado considera preocupante que burocratas que não geram um centavo de riqueza nem empregos tenham deflagrado uma temporada de caça às empresas. “Uma coisa é punir o empresário malfeitor, outra diferente é dar vazão a rancores de ordem ideológica ou política”, diz. Em uma conversa com funcionários públicos, relata Basto, um deles reclamava que até agora a “lava jato” conseguiu falir apenas três empresas — “um raciocínio obtuso que nada tem a ver com o interesse público”, comenta.

O desfecho desse itinerário, diz Figueiredo Basto, é que os representantes do Ministério Público Federal, “até por dignidade”, terão que alertar quem se dispuser a colaborar com a Justiça, que poderá garantir a aplicação dos benefícios penais, “posto que o Judiciário sempre cumpre o que é pactuado”, mas que não se pode garantir que os benefícios no campo civil e administrativo serão cumpridos”.

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