Remédio heroico

Ao defender HC, Gilmar Mendes resgata direitos esvaziados pela jurisprudência

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17 de janeiro de 2018, 14h00

O artigo do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defendendo que o uso de Habeas Corpus não pode ser limitado pelos tribunais deixa claro que o fato de o instrumento estar sendo esvaziado pela jurisprudência tem causando problemas graves à sociedade.

Para juristas e advogados ouvidos pela ConJur, o texto, publicado originalmente na Folha de S.Paulo é mais que oportuno: corajoso e necessário. “É bom lembrar que a amplitude do Habeas entre nós compreende tanto o ataque direto à liberdade, que atina com o abuso na prisão, como para coibir aquilo que o ministro Gilmar chamou de ‘interpretações equivocadas’ e que rompem com o devido processo legal”, diz o criminalista Alberto Zacharias Toron, autor do livro Habeas Corpus e o controle do devido processo legal.

Crítico à jurisprudência restritiva dos tribunais, Bruno Rodrigues, presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro, complementa: “Mais importante que fechar as portas do Judiciário limitando seu manejo, é investigar o porquê dessa demanda altíssima”.

O jurista Lenio Streck, os criminalistas José Luis Oliveira Lima e Pierpaolo Cruz Bottini, bem como o juiz Alexandre Morais da Rosa também teceram elogios ao posicionamento do ministro do Supremo, contrário à redução de direitos em prol de um suposto combate à corrupção. O ex-advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirma: "O HC é um dos mais importantes instrumentos da sociedade contra os abusos do Estado".

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, lembra que, além da jurisprudência defensiva, o HC já esteve também ameaçado pelo projeto de lei apelidado de "10 medidas contra a corrupção", encabeçado pelo Ministério Público Federal e combatido pela advocacia.

Leia o que disseram sobre a defesa do HC feita por Gilmar Mendes:

Alberto Zacharias Toron, autor do livro “Habeas Corpus e o controle do devido processo legal” (Revista dos Tribunais, 2017).

A busca desenfreada no combate à impunidade não pode ensejar o desrespeito à lei. Daí a importância do alerta do ministro Gilmar Mendes sobre o Habeas Corpus. Como lembrou Elio Gaspari citando Raymundo Faoro, “o Habeas Corpus não é só uma reclamação da sociedade civil, mas uma necessidade do próprio governo, pois a boa autoridade só pode vigiar a má autoridade pelo controle das prisões, proporcionado pelo Habeas Corpus” ("O Comissário Fontana e o Habeas Corpus", Folha de S. Paulo, edição de 13/7/08). E é bom lembrar que a amplitude do Habeas entre nós compreende tanto o ataque direto à liberdade, que atina com o abuso na prisão, como para coibir aquilo que o Min. Gilmar chamou de “interpretações equivocadas” e que rompem com o devido processo legal. Não por acaso, inúmeros julgados de norte a sul do Brasil, de Tribunais Estaduais, Regionais e Superiores têm proclamado a idoneidade do habeas para sanar nulidade processual decorrente de inépcia de denúncia, ou, para exemplificar, a decorrente da determinação da realização de interceptação telefônica por autoridade incompetente ou da colocação indevida de algemas no júri de modo a transmitir a ideia de que o acusado seja perigoso; para evitar o indevido indiciamento e para preservar a cronologia das sustentações orais de modo a se impedir a inversão do contraditório.


Luís Inácio Adams, advogado e ex-advogado-geral da União

O HC é um dos mais importantes instrumentos da sociedade contra os abusos do Estado. A posição o ministro Gilmar no ponto é irretocável. O desejo e necessidade de combater a corrupção não pode ser desculpa para perda de direitos conquistados com tanto sofrimento.


Bruno Rodrigues, sócio do Bruno Rodrigues Advogados, presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro

Como sempre tocando na ferida. O ministro Gilmar Mendes, de forma clara, didática e, principalmente, corajosa, desenha para o leigo para que serve o Habeas Corpus. Mais importante que fechar as portas do Judiciário limitando seu manejo, é investigar o porquê dessa demanda altíssima. A população carcerária só aumenta sem qualquer redução da sensação de insegurança. Não podemos relativizar os direitos e garantias individuais em prol do combate à corrupção e muito menos chegar ao assustador número de 1 milhão de presos.


Pedro Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional

O interprete não pode estabelecer restrições a uma garantia constitucional , salvo as previstas na própria Constituição .Não é o que tem ocorrido em nossas Cortes. O HC, como garantia, paulatinamente foi desidratado por decisões “contra legem”. O artigo do ministro é muito bem-vindo, como uma chamada não apenas para restabelecer o HC como garantia , mas resgatar os direitos fundamentais que vem sendo esvaziados de sentido pela jurisprudência, O artigo é uma peça de defesa da Constituição.


Lenio Streck, advogado e procurador aposentado

O ministro Gilmar está corretíssimo no seu texto. Não se pode limitar o remédio heroico. Mormente em um país com quase 300 mil pessoas em prisão cautelar. Quem ler o artigo que será publicado nesta quinta-feira (18/1), na coluna Senso Incomum vai vislumbrar a dimensão do problema!


Alexandre Morais da Rosa, juiz

A ideia de juízes em Democracia é a de poderem limitar o arbítrio e servirem de mecanismo de contenção aos abusos praticados pelos detentores de poder, inclusive os magstrados. A avalanche de Habeas Corpus impetrados diariamente é o meio de democraticamente se avaliar a legalidade/legitimidade dos atos estatais praticados pelo Estado. Ceifar uma garantia constitucional por força de uma hermenêutica defensiva (diminuir o volume de acesso) significa denegar todas as ordens que chegariam ao STJ e STF. Acabar com o acesso é sinônimo de negar jurisdição, mantendo-se pela omissão as ilegalidades praticadas no âmbito do Poder Judiciário. A medida só se justificaria — utilitariamente — se não houvesse concessões na história do STJ e do STF, quando a realidade demonstra o contrário (em maior ou menor medida). Do ponto de vista Constitucional implica em excluir os magistrados das cortes superiores do dever de garantir a liberdade como pressuposto ao exercício dos direitos, incentivando, pela omissão, a ampliação dos abusos e ilegalidades.


Claudio Lamachia, presidente do Conselho Federal da OAB

Muito oportuno o artigo do ministro Gilmar Mendes, que aborda de maneira clara e objetiva a importância ímpar do Habeas Corpus. Importante também a lembrança de que por muito pouco a sociedade escapou de tê-lo absurdamente restrito, motivado pelo projeto das chamadas 10 medidas contra à corrupção.
Muito batalhamos junto ao relator do projeto na Câmara, deputado Onyx Lorenzoni, até que ele acolhesse as ponderações da OAB e retirasse do texto os itens que criavam obstáculos para a manutenção do instituto da defesa da liberdade, além das igualmente absurdas propostas como a possibilidade de uso de provas ilícitas e a subjetividade da chamada boa fé.
Assim como a advocacia, a magistratura também possui em seu DNA a característica de ser contramajoritária, o que nos remete diretamente a um outro posicionamento importante do ministro, que foi a concessão de liminar ao pedido do Conselho Federal da OAB, contra o uso indevido das conduções coercitivas.


José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da OAB

Em meio às espessas trevas do punitivismo patológico, destes obscuros tempos da volúpia sancionatória, rebrilha a chama luminosa da liberdade e dos valores da legalidade democrática, em suma, da civilização. Não importa o ranger de dentes dos autoritários. Nenhum preço exigido pelo resgate das liberdades sequestradas é demasiadamente alto para is que não sabem viver sob o jugo da tirania. Esse texto magistral de Gilmar fez raiar a liberdade no horizonte do Brasil!


Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor

“O artigo revela uma posição é uma preocupação adequadas aos tempos de hoje. A sensibilidade de um ministro da mais alta corte do país aos riscos de um primitivismo desmedido é digna de elogios.”


Luíz Flávio Borges D’Urso, advogado e ex-presidente da OAB-SP

"O artigo é um bálsamo no meio do pântano. Aliás, o Ministro Gilmar tem sido uma das poucas vozes a ecoar ares de liberdade, a qual deve ser o padrão, o eixo do sistema de Justiça numa democracia. Na verdade o conteúdo técnico-jurídico e filosófico do artigo não traz nenhuma novidade, pois desde as primeiras aulas de direito durante o curso de bacharelado, o aluno aprende e compreende os conceitos ali reprisados; também não existe um verdadeiro advogado criminalista que não corrobore as idéias ali defendidas e as advogue na militância do exercício da defesa. O grande mérito do artigo reside na figura de seu autor e no momento em que o artigo é publicado, pois, nos dias atuais, torna-se absolutamente necessária a reiteração desses conceitos basilares para a democracia, defendidos por vozes qualificadas.


José Luis Oliveira Lima, advogado

O brilhante e corajoso artigo do ministro Gilmar Mendes demonstra a omissão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que deveria defender a concessão de Habeas Corpus pelos juízes sempre que o direito de defesa e a presunção de inocência forem violados.

A OAB deveria defender os ministros que estão sendo atacados por respeitar a constituição e o devido processo legal.

Como ensinou Sobral Pinto a advocacia não é para covardes. Parabéns ministro Gilmar.


Henrique Ávila, conselheiro do CNJ

Num país repleto de mazelas, a sociedade, compreensivelmente embora, porém muitas vezes sem o necessário preparo técnico, clama e vibra com condenações sumárias, buscas e apreensões espetaculosas e conduções coercitivas deletérias e sem sentido jurídico. Sem saber, clama por justiçamento, não por Justiça. É preciso que vozes respeitadas do meio jurídico se empenhem em favor do Habeas Corpus, dos direitos e garantias fundamentais, previstos na Constituição, como salvaguarda de toda a sociedade. Parabéns ao autor, pela coragem, objetividade e desassombro com que enfrenta o tema.


José Del Chiaro, advogado

Existe de fato uma pressão social pela punição. O encarceramento é visto por muitos como solução para todos os problemas. Um evidente equívoco. Esse fenômeno dá margem para o arbítrio. Há um balizamento que precisa ser sopesado, avaliado serenamente pelo juiz. Mas o que se vê é um clamor crescente para encarcerar, enclausurar. Não se considera a aplicação de penas alternativas, gradação de pena, dosimetria… A própria matriz do pensamento punitivista, os Estados Unidos, já revê essa diretriz, como noticia hoje a Agência Bloomberg. Prende-se cada vez menos. Por que fazer justiça não é, necessariamente, condenar. Suprimir a garantia do Habeas Corpus ou restringir a sua jurisdição é uma violência.


Luís Henrique Machado, advogado

O ministro Gilmar vem desempenhando um importante papel contra o abuso desmedido de prisões cautelares sem fim, com nítido viés de pena antecipada ou para se extrair exclusivamente delações. Proteger a integridade jurídica do Habeas Corpus significa não fechar os olhos para a Constituição. Com paciência e coragem o ministro tem sido o freio de arrumação de operações marcadas por um clima punitivista no país.  


Adib Abdouni, criminalista e constitucionalista

O Habeas Corpus é um instrumento constitucional da mais alta importância num Estado Democrático de Direito, a fim de reverter prisões abusivas, sem justa causa.

De tal sorte, devem ser repelidas com veemência quaisquer iniciativas que visem restringir sua utilização, sob pena de neutralizar o direito do acionamento desse mecanismo processual penal heroico – exercitável por qualquer cidadão contra o arbítrio do Estado punitivo – que objetiva garantir o afastamento do maltrato, da violência ou da ameaça de constrangimento ilegal da sua liberdade de locomoção, constitutivo de direito fundamental inalienável do indivíduo."


Miguel Pereira Neto, criminalista

Criar obstáculo à impetração de Habeas Corpus significa quebrar ao meio a espinha dorsal do processo penal. É remar contra heroica conquista do Estado de Direito, impedir o célere acesso do jurisdicionado ao afastamento de ilegalidades e nulidades em qualquer grau. Criar restrições ao seu conhecimento, primando pela manutenção da prisão,  afeta a própria orientação do Supremo Tribunal Federal (prisão como ultima ratio), além de implicar atuar contra a Constituição, da qual deve ser seu maior guardião. É prestigiar o estado punitivista, de exceção; flexibilizar indevidamente normas processuais e fundamentais sem a devida alteração da lei ou emenda à Constituição. O encarceramento cautelar tornou-se meio errôneo de antecipar pena (muitas vezes por mais tempo ou por regime mais severo que a própria pena), além de servir para atolar ainda mais as celas de forma indigna, desumana, inútil, desnecessária e estimulante à marginalidade. Acertada, novamente, a posição do Eminente Ministro Gilmar Mendes. Vamos deixar livre o Habeas Corpus! Não obscureçam o sinônimo do próprio raio da liberdade nesse utópico, longínquo e amedrontado horizonte de harmonia vivido no Brasil.


Cristiano Zanin Martins, advogado

Efetivamente existe na prática uma limitação pelos Tribunais para o uso do Habeas Corpus que é incompatível com a Constituição Federal como bem destacou o ministro Gilmar Mendes.


Jorge Nemr, advogado

Achei ótimo o artigo! A maior violência ou crime é querer ser justiceiro, mesmo que isto implique em dar uma interpretação diferente às leis existentes para satisfazer a opinião popular. Vale lembrar a questão do Dr. Paulo Maluf que teve um HC indeferido pois, segundo a ministra Cármen Lúcia não cabe HC contra decisão do STF. Sendo assim, que tem foro privilegiado não tem direito ao benefício do Habeas Corpus?


Bruno Salles Ribeiro, advogado

A manifestação pública do ministro é importante e oportuna. A lembrança de um membro do ápice da pirâmide do judiciário sobre o papel dos juízes é de suma importância no momento atual em que opinião pública só entende como "bom" o juiz que prende. Infelizmente, essa mentalidade permeou a magistratura e fez com que muitos juízes esquecessem o seu papel e se tornassem verdadeiros agentes de segurança pública, quando não justiceiros. Todos os regimes autoritários, inclusive no Brasil, tentaram restringir o habeas corpus. Nessa linha de ideias, a defesa do Habeas Corpus é uma defesa ao próprio Estado democrático e constitucional.


Eduardo Carnelós, advogado

É bastante alentador. Afinal, vivemos momento em que mesmo os juízes mais garantistas, e até ministros que sempre atuaram para fazer valer as garantias constitucionais, têm, infelizmente, deixado de fazê-lo. Oxalá a opinião do ministro Gilmar contagie todos, e nós possamos voltar a contar com o Poder Judiciário como o garantidor dos direitos do indivíduo frente ao poder punitivo estatal.


Marco Aurélio de Carvalho, advogado

Oportuno e corajoso o artigo do ministro Gilmar Mendes publicado hoje na Folha de São Paulo.

Vivemos tempos difíceis, em que o "óbvio" precisa ser dito e reafirmado.

Que o nosso Supremo Tribunal Federal "abrigue" a posição exarada, de modo a, como operadores do Direito, voltarmos a sonhar com os dias em que eram válidas e firmes as premissas de nosso tão ameaçado Estado de Direito.


Davi Tangerino, advogado criminalista

A Constituição é muito clara sobre a concessão do Habeas Corpus. O texto constitucional traz uma afirmação sobre esse ponto, não abrindo possibilidade de ponderação. Por isso não vejo como construir filtros ao HC, exceto que se desnature ou se dê novas feição à Constituição, o que seria lamentável do ponto de vista do Estado Democrático de Direito.

Além disso, os clamores de lei e de ordem pela restrição ao HC são míopes em vários aspectos; Um deles envolve a legitimação do poder estatal de punir, que é condicionada à estrita observância das regras. O HC é um meio de aferir se o Estado punitivo seguiu as regras do jogo. Quando há setores clamando pela restrição ao HC cria-se um sentimento de que há nichos que não querem seguir essas normas para não terem seus atos desfeitos por essa via.

Outro aspecto são os chamados abusos de HCs pelas defesas. Mas o que não se diz é que muitos magistrados em São Paulo se recusam a seguir a jurisprudência dos tribunais superiores. O Habeas Corpus foi o que restou à defesa porque o tribunal não se curva à jurisprudência.

Há ainda a miopia em relação aos casos que aparecem na mídia e suas diferenças com ações corriqueiras envolvendo cidadãos comuns. Existem pouquíssimos casos espetaculosos que são uma gota no sistema prisional, mas esses casos dão mídia, repercussão. Quando o HC é concedido a uma pessoa pública ou com certo poderio financeiro, há uma inclinação do juiz a favor do réu.

Mas quando o HC é negado e a pessoa é pobre e negra, não se aceita o argumento de que o sistema penal brasileiro é racista. Com Habeas nós já temos uma das maiores populações carcerárias do mundo, sem ele chegaremos a um total inimaginável


Marcelo Feller, advogado criminalista

O mais preocupante de todos os assuntos abordados pelo ministro é o fato paradoxal de que quanto mais se prende, mais se aumenta a criminalidade. No fim das contas, quando o Estado prende alguém que não está ligado ao crime organizado, ele entrega de bandeja um novo integrante a esses grupos, que são os reais controladores dos presídios.

Por exemplo, eles custeiam a passagem de ônibus para familiares visitarem seus parentes presos e sustentam famílias enquanto um de seus membros está detido. Por isso, quando essa pessoa deixa a prisão, ela já totalmente inserido no sistema. Ou seja, mais prisões, mais crimes.


Alexandre Fidalgo, advogado

O respeito à civilidade se faz obedecendo as leis, ainda que a aplicação delas não atenda, num dado momento, sentimentos esperados pela própria sociedade. O instrumento de Habeas Corpus, em todas as sociedades democráticas, representa – nos limites de seu alcance – exatamente garantir ao povo o respeito às leis e à Constituição Federal.


Daniel Gerber, advogado

É absolutamente precisa a observação do ministro Gilmar Mendes.  Ainda que nosso momento esteja marcado pela ânsia punitivista que serve como verdadeira catarse ao povo, a evolução de nossa cultura deixa claro que os caminhos da liberdade e garantias individuais são os que melhor representam o andar civilizatório.  E nem há que se falar em excesso de garantias, pois atualmente vivemos uma realidade tecnológica que permite a intromissão do Estado em qualquer detalhe de nossa vida privada, reforçando a necessidade que temos de proteção contra o excesso.


Raul Haidar, tributarista

O ministro Gilmar Mendes mais uma vez aponta o rumo certo da nossa Justiça. A ideia de que o clamor social por uma reação justifique o encarceramento indica que corremos o risco de voltar à barbárie. 
A Constituição é a Lei das Leis. Não pode receber interpretações que neguem seus fundamentos. O tal “sentimento coletivo”, num “país violento e corrupto” há de ser analisado com reservas.

Limitar, restringir ou dificultar o HC por suposto “clamor popular” é ignorar antiga lição de Sêneca: “Nada representa pior mal para nós que nos regularmos pelo rumor público, com a ideia de que o melhor é o que percebido pela opinião geral, de tomarmos por modelo a maioria e de vivermos, não segundo a razão, mas por espírito de imitação”.


Ulisses César Martins de Sousa, advogado

Digno de aplausos o texto do ministro Gilmar Mendes. Não apenas pela qualidade da crítica, mas também pela coragem de fazê-la.

Em uma época que as ilegalidades se multiplicam, que o abuso se tornou a regra, que a liberdade virou exceção, em que os acusados – ou suspeitos – são presumidamente culpados, e que a ilegalidade é tolerada – e muitas vezes aplaudida – é preciso ter coragem para divergir da “voz das ruas”, que agora, mais do que nunca, busca, no processo penal, puxar os magistrados pelas mangas, tentando constranger aqueles que tem a ousadia de julgar de acordo com a lei e a Constituição.

Os tribunais não podem decidir com base em estatísticas da taxa de crescimento do número de Habeas Corpus. Muito menos com base em “pesquisas de opinião pública” realizadas nos telejornais ou nas redes sociais. A história ensina o que acontece quando se passa a ignorar a lei nos julgamentos.

Limitar a utilização do Habeas Corpus não é uma medida adequada. A Constituição não permite que se limite a utilização de um remédio processual que visa tutelar as garantias do cidadão quando violadas pelo Estado acusador. As regras do processo penal servem exatamente para dizer o que Estado pode muito, mas não pode tudo. O cidadão – culpado ou inocente – é titular de direitos e garantias. Alguns países já descobriam isso há séculos. Outros – como o Brasil – tentam esquecer.

Uma solução mais simples para a questão – e que não é contrária à Constituição Federal – seria diminuir a prática de ilegalidades no processo penal. Um bom começo seria a obediência ao devido processo legal e à regra que exige do juiz o dever de fundamentar as decisões judiciais.


Nélio Machado, advogado

Oportuna e lúcida a manifestação do ministro Gilmar Mendes sustentando a amplitude do instituto de Habeas Corpus. Jamais essa garantia fundamental deixará de ser encargo primordial da suprema Corte brasileira. Qualquer limitação do remédio heroico macula sua história e conspurca as próprias tradições de nossa Suprema Corte.  


Adilson Macabu, advogado e ministro aposentado do STJ

Apoio integralmente a posição do ministro Gilmar Mendes. É a função dele, prevista no artigo 102, ser guardião da carta, onde se fixa que cabe, privativamente, ao STF, zelar pelo cumprimento da constituição. E não há novidade nisso. Não cabe ao STF, nem ao STJ ou a qualquer tribunal do país, relativizar o texto constitucional. Haja vista que o instituto do Habeas Corpus foi criado no direito inglês na Magna Carta de 1215. Não por acaso, pode ser impetrado por qualquer pessoa. Nem exige papel timbrado ou qualquer formalidade. Já julguei pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proveniente de um presídio, manuscrito no verso da embalagem de um maço de cigarros. Chegou ao presidente do TJ indicando a prática de constrangimentos ilegais. E a ilegalidade era patente, devidamente caracterizada. Quando, já no STJ, começou essa tendência de negar todo o conhecimento universal, resisti. Não aceitei a relativização da amplitude constitucional do HC.

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