Advocacia 2018

Ideia de mero aborrecimento fechou portas dos juizados, diz presidente da OAB-RJ

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14 de janeiro de 2018, 9h14

Reprodução/Facebook
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A ideia de que prejuízos ao consumidor podem ser "mero aborrecimento" e, assim, não dão direito a indenização, destruiu a jurisprudência dos juizados especiais. Assim, eles deixaram de ser instrumentos da democracia, na avaliação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Felipe Santa Cruz.

A mudança no entendimento, afirma, fechou as portas dos juizados para a população, o que se repete na Justiça do Trabalho, com a reforma trabalhista, que permite que os reclamantes sejam mais cobrados. Isso, diz Santa Cruz, explica por que a Justiça não é bem avaliada pela população: porque presta um serviço ruim. 

Sobre a reforma trabalhista, Santa Cruz diz que é preciso esperar para ver quais serão seus efeitos e aprender com eles. Porém, destacou que essa mudança foi feita pelo "governo mais sem credibilidade da história do país". "Que é preciso modernizar o Direito do Trabalho é óbvio, mas não dessa forma."

Leia a entrevista:

ConJur — O Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] mantém aberto um procedimento administrativo sobre a tabela de honorários da Ordem, por considerar que representa indícios de cartelização. Como o senhor avalia a medida?
Felipe Santa Cruz — A investigação é um absurdo, até porque a tabela de honorários estabelece um patamar mínimo, civilizatório. É uma instrução para os advogados. No Rio de Janeiro, por exemplo, consegui um acordo entre os escritórios e os audiencistas, com ajuda do Cesa [Centro de Estudos das Sociedades de Advogados], que repactuou os honorários desses profissionais. A tabela de honorários é um instrumento político de informação aos advogados. Tanto é que não há pena em caso de descumprimento.

Não tem porque o Cade falar em cartel. No Brasil, tem uns órgãos que deveriam fazer tantas outras coisas… Aí você tem o Cade com todos os problemas do país, com tantos monopólios que estão sendo instalados em suas barbas. A educação, por exemplo, virou commoditie nesse país, não é mais um valor humano, estudante se resume a um número. Mas o Cade vai atrás da tabela de honorários. Sinceramente, o Cade está preocupado em aparecer no jornal.

ConJur — O Ministério Público do Trabalho tem competência para ir a bancas fiscalizar se a figura do associado não está sendo usada para maquiar a relação de emprego?
Felipe Santa Cruz — Eu concordo com o presidente Lamachia, que, em entrevista à ConJur, falou que o MPT tem coisas mais importantes para fiscalizar do que a relação de trabalho nos escritórios de advocacia. Num país que ainda tem trabalho escravo, o advogado vai a juízo pessoalmente. Ele não é hipossuficiente. Também há a Ordem como espaço de discussão exatamente no caso de violações.

ConJur — Quais os efeitos da reforma trabalhista para os escritórios de advocacia?
Felipe Santa Cruz — Vamos aprender. Sou contra a reforma, acho que foi feita para impedir o acesso do trabalhador ao Judiciário. Foi uma reforma antiprocessual, que vem calcada em um discurso muito atrasada. A forma como ela foi debatida no Congresso foi uma das maiores vergonhas que o país já passou em seu processo legislativo. Os deputados não sabem o que votaram, e no Senado houve um acordo para mudar por MP uma lei que foi aprovada por um governo que não tem aprovação nenhuma, já que a administração atual tem 3% de aprovação e a margem de erro é de três pontos percentuais, a variação vai de zero a seis.

O governo mais sem credibilidade da história do país que resolveu fazer um serviço ao agronegócio, àquele que viola os direitos trabalhistas. Que é preciso modernizar o Direito do Trabalho é óbvio, mas não dessa forma, numa busca de uma legislação que é impeditiva. Não acho que acabou a advocacia trabalhista. Tenho visto seminários sobre Direito do Trabalho lotados, coisa que não via desde os anos 1990, quando o Antônio Carlos Magalhães queria acabar com a Justiça do Trabalho.

ConJur — Quais são os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Felipe Santa Cruz — É a questão dos juizados, que já foram instrumentos de democracia, de acesso da população à Justiça na explosão do consumo durante a virada deste século. A jurisprudência desses juizados foi destruída com a ideia do mero aborrecimento. Com isso, se criou um impeditivo, uma porta fechada, que também está sendo criada na Justiça do Trabalho. O caminho da mediação, dos meios extrajudiciais, não existe ainda hoje.

Essa porta fechada gera uma sensação de injustiça. Os conflitos têm que ser solucionados, pois barrá-los só gera insatisfação. Por que o Judiciário, com a atual força política, não tem total confiança da população? Porque presta um serviço ruim. Olha a contradição. A OAB é bem avaliada, mas o advogado, individualmente, não. Já o juiz-herói é bem avaliado, enquanto o Judiciário, não. Judiciário não pode ser o poder do juiz, ele tem que dar respostas sistêmicas.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB. Leia as que já foram publicadas:
Marcos Vinícius Jardim (OAB-AC)
Marco Aurélio Choy (OAB-AM)
Luiz Viana (OAB-BA)
Marcelo Mota (OAB-CE)
Juliano Costa Couto (OAB-DF)
Homero Mafra (OAB-ES)
Lúcio Flávio Paiva (OAB-GO)
Thiago Diaz (OAB-MA)
Mansur Karmouche (OAB-MS)
Alberto Campos (OAB-PA)
Paulo Maia (OAB-PB)
Ronnie Preuss Duarte (OAB-PE)
Chico Lucas (OAB-PI)

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