Retrospectiva 2017

Postura rigorosa em atos de concentração
e nova formação marcaram ano no Cade

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10 de janeiro de 2018, 6h30

2017 foi um ano de desafios para a defesa da concorrência no Brasil. Dois conjuntos de fatos importantes relacionados ao Conselho Administrativo de Defesa (Cade) tiveram especial relevância: as indicações de novos integrantes a posições-chave no tribunal e na Superintendência-Geral e uma postura rigorosa em alguns atos de concentração, destacando-se dois casos de reprovação (Kroton-Estácio e Ipiranga-Alesat).

Atos de concentração
Operações relevantes foram analisadas pelo Cade em 2017. Cinco delas serão particularmente destacadas aqui, entre as quais dois casos de reprovação, que levantaram muitos questionamentos sobre o rigor e consistência da agência na análise de atos de concentração.

Em março, foi aprovada com restrições a união entre BM&FBovespa e Cetip nos mercados de bolsas de valores e de balcão. A preocupação em garantir o acesso à infraestrutura de serviços de central depositária (CSD) norteou o desenho dos remédios. As partes se obrigaram a negociar por pelo menos 120 dias com qualquer interessado na contratação de CSD e, caso as negociações não sejam exitosas, poderá ser acionado mecanismo de arbitragem.

Em maio, o Tribunal do Cade aprovou a fusão entre Dow Chemical e DuPont de Nemours. As empresas atuavam em uma série de mercados, como plásticos, serviços de energia, produtos químicos e agroquímicos, polímeros, sementes, entre outros. Os remédios negociados em Acordo em Controle de Concentrações (ACC) envolveram desinvestimentos. O Cade coordenou as restrições com autoridades estrangeiras, em razão do caráter global da operação.

Em junho, a aquisição da Estácio Participações pela Kroton Educacional foi vetada por maioria pelo Cade. Em uma análise rigorosa, o Tribunal entendeu que a operação geraria concentrações relevantes no setor de educação superior privada, acentuando preocupações concorrenciais sem gerar eficiências específicas em contrapartida. Na votação, o então Conselheiro Gilvandro Araújo chamou a atenção para o fato de que a operação Kroton-Anhanguera, aprovada com restrições em 2014, sequer havia produzido todos os seus efeitos. A operação Kroton-Estácio suscitava, assim, uma sobreposição entre as operações.

Em agosto, o Cade reprovou, por unanimidade, a aquisição da distribuidora de combustíveis Alesat pela concorrente Ipiranga. O Conselheiro Relator João Paulo de Resende ponderou que a compra colocaria em risco o abastecimento a postos de bandeiras de menor porte e de bandeira branca. Além disso, constatou-se elevado risco de exercício de poder coordenado após a operação, com a saída de agente que apresentava atuação mais agressiva no mercado.

Em outubro, a aquisição da Time Warner (TW) pela AT&T foi aprovada pelo Cade com restrições. As preocupações concorrenciais eram relacionadas à relação vertical decorrente da operação: licenciamento de canais para operadoras de TV por assinatura da TW (programadora), de um lado, e serviços de TV por assinatura prestados pela Sky Brasil (empacotamento e distribuição), controlada pela AT&T, de outro. Os riscos de discriminação e fechamento de mercado foram endereçados no ACC por meio de compromissos de não-discriminação.

Cartéis
O Cade deu continuidade ao combate aos conluios anticompetitivos. Os Acordos de Leniência e os Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) permanecem como importantes instrumentos de detecção de práticas coordenadas horizontais.

Nesse contexto, importantes investigações vêm sendo conduzidas pelo Cade. O mercado de autopeças, por exemplo, desde 2014, tem sido investigado pela autoridade antitruste e já conta com mais de dez processos. Em 2017, mais cinco novos processos administrativos foram instaurados.

Os casos decorrentes da "lava jato" também continuam sendo investigados, tendo surgido, neste ano, novos acordos em investigações já em trâmite (como os TCCs de Andrade Gutiérrez e UTC nos casos da Petrobras e da Eletronuclear) e novas investigações (a exemplo da Leniência da Camargo Corrêa referente a projetos de infraestrutura de transporte de passageiros sobre trilhos e da Leniência da Odebrecht relacionada a licitações de infraestrutura e transporte em São Paulo).

Vale mencionar também o TCC celebrado em março pela Cascol Combustíveis no âmbito de inquérito que investiga cartel na revenda de combustíveis no Distrito Federal. Entre as obrigações, há compromisso de desinvestimento de postos geridos pela Cascol no DF, com o objetivo de reduzir a concentração e permitir a entrada de concorrentes. O TCC pôs fim à medida preventiva adotada pelo Cade em janeiro de 2016, consistente na nomeação, pela autoridade, de administrador independente para a rede de postos do grupo.

Debate sobre vantagem auferida
Uma discussão suscitada, sobretudo, pela Conselheira Cristiane Alkmin e pelo Conselheiro João Paulo de Resende é a referente à forma de calcular a sanção pecuniária aplicada pelo Tribunal do Cade. O debate a respeito do papel da vantagem auferida na definição de multas no Cade foi das discussões mais importantes dos últimos tempos e contou com desenvolvimentos em 2017. Alkmin e Resende, cada um a seu jeito, argumentam que o Cade deve estipular a vantagem auferida pelas empresas participantes de condutas anticompetitivas como base para a fixação da sanção pecuniária.

Dois dos novos integrantes do Conselho, o Presidente Alexandre Barreto e o Conselheiro Maurício Maia, posicionaram-se a favor da manutenção dos percentuais de faturamento do art. 37, I, da Lei nº 12.529/2011 como parâmetro para a definição da sanção pecuniária, não se alinhando às propostas de Alkmin e Resende para a mensuração da vantagem auferida. Na última sessão do ano, a nova Conselheira, Polyanna Vilanova, acompanhou o entendimento de Barreto e Maia. Junto com Burnier, eles formam a maioria nesse ponto. Ou seja, ainda que a provável futura Conselheira, Paula Farani Silveira, acompanhe Alkmin e Resende, o cálculo da sanção pecuniária possivelmente continuará tendo como base principal os percentuais de faturamento estabelecidos pela lei, sem que a vantagem auferida tenha papel mais central no cálculo da multa a empresas infratoras.

Abusos de posição dominante
No que concerne a práticas de abuso de posição dominante, o Cade enfrentou temas de grande relevância, seja por seu impacto jurídico-institucional, seja pela importância e pelas particularidades dos mercados envolvidos.

O Tribunal do Cade deu início ao julgamento do processo decorrente da representação movida pela Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Anfape) contra Fiat, Ford e Volkswagen. As montadoras são acusadas de exercer abusivamente seus direitos de propriedade intelectual referentes ao desenho industrial de autopeças ao promoverem ações judiciais no sentido de resguardar a exclusividade na fabricação e comercialização das peças protegidas. O Conselheiro Relator Paulo Burnier votou pela condenação das representadas ao pagamento de multa no mínimo legal (0,1%). O baixo percentual, segundo Burnier, deu-se, notadamente, por considerar que a atuação das empresas não demonstrou má-fé. Seu voto também determina a não imposição dos desenhos industriais no mercado secundário de autopeças. Antes do voto, o Ministério Público Federal recomendou a condenação das montadoras e a ProCade, por outro lado, pronunciou-se oralmente na sessão de julgamento pela inexistência de ilícito. O Conselheiro Maurício Maia pediu vista, suspendendo o julgamento.

O Inquérito Administrativo que investigava a prática de “zero rating” por parte de Claro, Tim, Oi e Telefônica foi arquivado pela Superintendência-Geral do Cade. As operadoras de telefonia haviam sido denunciadas por alegadamente ofertarem planos de dados que ofereciam condições discriminatórias em favor de aplicativos online específicos, como Facebook e Whatsapp. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se manifestou no sentido de não existirem indícios de infração à ordem econômica nas ofertas dos planos contendo cláusulas de “zero rating” das prestadoras do Serviço Móvel Pessoal. A Superintendência concluiu que as ofertas de “zero rating” tinham por objetivo viabilizar o acesso a determinados conteúdos sem o consumo de dados da franquia contratada pelo consumidor, e não otimizar condições de tráfego de parceiros específicos.

Outro inquérito arquivado pela Superintendência em 2017 investigava condutas anticompetitivas da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) nos mercados de distribuição de água no atacado e no varejo. A autoridade afastou as denúncias de discriminação e “margin squeeze” atribuídas à Sabesp, tendo em vista que os preços praticados pela empresa às distribuidoras são padronizados e estabelecidos pelo órgão regulador (Arsesp). Além disso, as distribuidoras independentes foram reconhecidas como monopolistas naturais em seus mercados municipais de varejo, tendo condições de estipular preços condizentes com a manutenção de suas atividades.

Por fim, destacam-se os TCCs relativos ao fim da exclusividade das bandeiras Elo e Hiper, que agora devem contratar com todas as credenciadoras. Esses TCCs foram negociados após longa investigação do mercado de meios de pagamento, seguindo iniciativas do Banco Central de abertura desses mercados à maior concorrência ao garantir total interoperabilidade entre bandeiras e credenciadoras. Os TCCs celebrados pelo Cade visam garantir que toda credenciadora seja capaz de ofertar as principais bandeiras do país.

Novos membros
Este ano foi de grandes mudanças na composição do Tribunal do Cade, que ganhou nova configuração ao longo do ano. O cargo de presidente foi ocupado por Alexandre Barreto a partir de junho. Dois novos Conselheiros tomaram posse, Maurício Bandeira Maia em julho e Polyanna Vilanova em novembro. Diante da iminente vacância de mais uma vaga de Conselheiro, 2017 viu ainda a nomeação da advogada Paula Farani Silveira, sujeita à sabatina pelo Senado. 

Os novos membros de Conselho têm formação e experiências muito distintas, sendo alguns servidores públicos de carreira e outros egressos da iniciativa privada, o que contribui para a pluralidade do Tribunal e a capacidade de consideração de diferentes perspectivas sobre um mesmo assunto. Se confirmada a última nomeação, será a primeira vez que o Tribunal contará com três mulheres em sua composição.

Além disso, o então Conselheiro Alexandre Cordeiro assumiu a Superintendência-Geral (SG), anunciando que pretende perpetuar as bem-sucedidas práticas de investigações de cartéis e aprimorar as investigações de condutas unilaterais. Finalmente, Walter Agra, advogado, foi indicado para chefiar a Procuradoria Federal junto ao Cade (ProCade).

Agenda para 2018
De um lado, o Tribunal do Cade se encontra completo e, salvo algum fato extraordinário, assim permanecerá ao longo de 2018. De outro lado, a composição reformulada do Cade enfrentará grandes desafios. Os casos a serem processados e julgados pelo Conselho têm relevância indiscutível.

Começando pelos atos de concentração, há pelo menos três grandes operações que devem ser finalizadas nos primeiros meses de 2018:

  • (a) a aquisição da Liquigás pela concorrente Ultragaz, concernente a distribuição de Gás Liquefeito de Petróleo;
  • (b) a aquisição da Votorantim Siderurgia pela ArcelorMittal Brasil, nos mercados de aços longos comuns; e
  • (c) a aquisição da Monsanto pela concorrente Bayer, afetando mercados como sementes de soja e algodão transgênico e suscitando discussões sobre inovação e acesso a biotecnologia.

Quanto aos casos de cartel, a expectativa é de continuidade da instrução dos diversos casos relacionados ao setor de autopeças e à "lava jato", além de outros casos de relevância, como o que investiga suposta conduta coordenada entre gigantes das telecomunicações (Claro, Oi e Telefônica), em licitação promovida pelos Correios, cujo processo foi instaurado pela Superintendência em 2017. Mencione-se, ainda, o caso do suposto cartel do sal, que, desde março, conta com parecer da Superintendência pela condenação de 19 empresas e três sindicatos por colusão no mercado de sal marinho entre 1984 e 2012.

Com relação a casos de condutas unilaterais, aguarda-se o julgamento do Processo Administrativo em que figura como representada a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. O processo conta com parecer da Superintendência favorável à condenação dos Correios por prática de ações judiciais repetidas e sem fundamento objetivo (“sham litigation”), restrição pura à concorrência (“naked restraint”) e discriminação de preços e condições de contratação. Outro caso que deverá ser movimentado a partir de janeiro é o caso Anfape, com a retomada do julgamento após o pedido de vista do Conselheiro Maurício Maia. A decisão tem o potencial de estabelecer critérios para casos que envolvam a interação entre propriedade intelectual e direito concorrencial, sendo acompanhada pela comunidade jurídica e econômica interessada nessa relevante interface.

Por fim, vale atentar que, embora as perspectivas de atividades do Congresso em ano eleitoral sejam reduzidas, há importantes projetos de lei que podem ter andamento em 2018, produzindo mudanças na legislação concorrencial. Três merecem menções: (i) o PL do Senado 350/2015, que altera as Leis 4.595/1964 e 12.529/2011 para definir a competência do Cade no setor financeiro e a intervenção do Banco Central em casos que envolvam risco sistêmico, estando atualmente na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado; (ii) o PL do Senado 283/2016, que altera a Lei 12.529/2011 para alegadamente tornar a multa por cartel proporcional à duração da prática e instituir ressarcimento em dobro aos prejudicados que ingressarem em juízo, encontrando-se na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado; e (iii) o PL 238/2017, que modifica a Lei 12.529/2011 para excluir da redação do seu artigo 37, I, a exigibilidade de que a multa seja igual ou superior à vantagem auferida, encontrando-se na CCJ da Câmara Federal.

As expectativas para 2018, portanto, são de mais um ano com casos relevantes e oportunidades para a continuidade do desenvolvimento da política de defesa da concorrência no Brasil.

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