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Advogados criticam ações indenizatórias "ridículas" em Nova York

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9 de janeiro de 2018, 6h30

Para falar em excesso de advogados no mercado, é preciso começar por Nova York. O estado de Nova York tem 177 mil advogados ativos — ou um advogado para cada 112 habitantes, segundo um relatório do Empire Center for Public Policy, endossado por advogados. Nesse cenário, não se pode esperar outra coisa que não uma concorrência extrema entre colegas de profissão.

Além disso, existem milhares de advogados desempregados e de bacharéis que sequer conseguem entrar no mercado. Não se sabe quantos, mas dizem, por exemplo, que mais da metade dos garçons da cidade de Nova York são advogados que esperam exercer a advocacia um dia.

Mas existem advogados e escritórios de advocacia que, na falta de emprego ou de clientes, criaram uma espécie de “indústria da indenização”, que vive de ações frívolas, sendo que muitas delas podem ser definidas como ações “ridículas”, diz o jornal New York Post, que divulgou o relatório.

Em grande parte, são processos coletivos contra empresas que pretensamente enganam os consumidores — embora a grande maioria dos consumidores supostamente lesados sequer saiba que seus interesses estão sendo representados em uma ação judicial, explica o documento, produzido também por advogados.

A “indústria da indenização” não depende de ações meritórias para gerar milhões de dólares. Basta mover uma ação com alegações razoáveis o suficiente para um juiz recebê-la — em vez de rejeitá-la à primeira vista — ou para a empresa supor que a ação poderá ir a julgamento.

Se a ação for promissora para os autores, a maioria das empresas demandadas irá propor um acordo para evitar o contencioso, que custa muito dinheiro, demanda tempo, que poderia ser empregado em suas atividades principais, e, dependendo do júri, pode resultar em uma indenização exageradamente alta.

“Muitos advogados usam a técnica do cozinheiro que joga macarrão na parede para ver se cola [o que indica que está bom]”, diz o relatório. Eles utilizam a mesma petição em múltiplas ações, na qual só mudam dados essenciais, e a protocolam em um tribunal que, historicamente, toma decisões favoráveis aos consumidores. Se “colar”, o espaguete está garantido.

Por esses motivos e pelo fato de que as empresas não correm o risco de serem condenadas se fizerem um acordo para evitar o julgamento, o sistema judicial favorece o ajuizamento de tais ações de responsabilidade civil.

Essa maneira de “fazer negócios” não agrada a comunidade jurídica dos EUA. Pensa-se que esses advogados da “indústria da indenização” denigre a profissão. Além disso, geram novos custos para o consumidor. Essas ações, mesmo que terminem em acordo apesar de não terem mérito, resultam em custos para as empresas. E esses custos são, obviamente, repassados.

Exemplos de ações
Entre os profissionais e escritórios que se dedicam a essa “indústria da indenização” se destaca o advogado C.K. Lee, da banca Lee Litigation Group, diz o Empire Center, para exemplificar o problema. Lee moveu mais de mil ações coletivas e individuais em tribunais de Manhattan e Brooklyn desde 2009.

Ele moveu uma ação, por exemplo, contra a CVS (uma cadeia de farmácias que vendem também produtos não farmacêuticos), na qual acusou a empresa de comercializar caixas de doce de sua marca genérica com muito ar dentro da embalagem. Em outra ação similar, acusou a CVS de vender purificadores de ar que apenas mascaram o mau cheiro.

Em 2015, Lee representou uma mulher do Queens em uma ação contra a empresa canadense Kushyfoot, acusando-a de divulgar anúncios libidinosos de meias. Seis meses mais tarde, ele mesmo desistiu do caso.

No mesmo ano, ele moveu uma ação coletiva alegando que os consumidores estavam sendo burlados na compra de Advil, cujo frasco era grande demais para a quantidade de comprimidos. Um juiz federal em Brooklyn rejeitou a ação, dizendo que a reclamação “não passou no teste da risada”.

Em julho de 2016, ele processou a loja de sanduíches Pret a Manger, alegando que a embalagem em caixa de papelão impedia os consumidores de ver que ela continha ar (ou espaço vazio) por dentro. A loja alegou que os sanduíches são embalados à mão pelos empregados e que qualquer ar em excesso na embalagem era devido a erro humano, não à publicidade da empresa.

Ao rejeitar a ação, o juiz disse: “As alegações exageradas dos supostos clientes de Lee contra a Pret se referem a produtos que os clientes não compraram, alegando danos que não sofreram, pedindo uma indenização à qual não têm direito. A ação foi movida supostamente em nome de uma classe de consumidores que não poderiam ter tido exatamente a mesma experiência, uma vez que as embalagens dos sanduíches da Pret são feitas à mão, uma por uma”.

Advogados que representaram o Centro para a Ciência no Interesse Público processaram a Coca-Cola porque as garrafas de sua água vitaminada foram promovidas como benéficas à saúde, mas o rótulo não indicava claramente o conteúdo de açúcar no produto: 32 gramas em uma garrafa de 0,5 quilograma e 120 calorias.

A Coca-Cola refez o rótulo, após fazer um acordo para trancar o processo em outubro de 2015. Os consumidores não receberam qualquer indenização, mas os advogados receberam US$ 2,73 milhões para cobrir despesas e honorários.

Segundo o Empire Center, Nova York é líder nacional (talvez mundial) em ações indenizatórias contra fabricantes ou quaisquer fornecedores de alimentos. Entre 2015 e 2016, o volume de ações coletivas referentes a alimentos, sempre repetitivas em seu conteúdo, representaram quase um quinto de todas as ações similares movidas no país, disse ao jornal o advogado Cary Silverman, um dos coautores do relatório.

Os casos que não são trancados devido a um acordo, com um pagamento substancial, tramitam durante anos pelos tribunais do estado. Após o julgamento, se resultarem em uma indenização substancial, “o dinheiro vai para os advogados, não para os consumidores que supostamente representam”, disse ao jornal o professor da Faculdade de Direito de Fordham, Howard Erichson.

O advogado Ted Frank, de Washington, D.C., criou uma organização para, entre outras coisas, vigiar as ações de advogados que se dizem defensores dos consumidores, o Centro para a Probidade da Ação Coletiva (Center for Class Action Fairness).

No mês passado, a organização se opôs a um acordo de US$ 115 milhões entre advogados e a companhia de seguros Anthem Inc. Em 2015, hackers roubaram as informações pessoais de cerca de 79 milhões de clientes da Anthem.

Dos US$ 115 milhões, US$ 23 milhões cobriram custos administrativos, US$ 41 milhões pagaram os honorários dos advogados e o restante foi usado para monitorar o crédito dos clientes que tiveram seus dados roubados por dois anos e para pagar a indenização de US$ 1 a cada participante da ação coletiva.

A organização conseguiu bloquear um acordo proposto em um tribunal federal em Wisconsin entre advogados e a Subway, loja que vende sanduíches footlong (medindo um pé ou 30,5 centímetros), entre outras coisas. Um garoto australiano tirou uma foto do sanduíche footlong americano à frente de uma régua. A foto, que se tornou viral, mostrou que o sanduíche era uma polegada (2,54 cm) menor do que o anunciado.

Isso gerou diversas ações coletivas, com advogados alegando que os consumidores estavam sendo enganados pela Subway. Mas a juíza Lynn Adelman, encarregada de julgar as ações então consolidadas, trancou todas elas com uma penada.

“Na pressa de processar, os advogados não tiveram o cuidado de examinar se o caso tinha realmente algum mérito. O sanduíche, quando vai ao forno, perde um pouco de seu tamanho, mas não perde nada da comida”, ela escreveu em sua decisão. Ela deixou claro, também, que se concordasse com a indenização proposta de US$ 525 mil, os consumidores não iriam ver um centavo desse dinheiro.

Para o advogado Ted Frank, esse é mais um caso de ação indenizatória por danos que os consumidores, pretensos beneficiários, sequer sabiam que estavam sofrendo.

Uma ação coletiva resultou em algum benefício para compradores de veículos a diesel da Volkswagen, equipados com um software que burlava os testes de emissão de gases. No ano passado, a empresa fechou um acordo de US$ 10 bilhões com os advogados que a processaram.

Desse dinheiro, US$ 175 milhões foram destinados aos advogados, para cobrir custos e honorários. O restante foi colocado em um fundo para cobrir a devolução dos veículos pelos compradores à Volkswagen ou o reparo do defeito, para aqueles que quisessem manter o carro. No entanto, nenhuma indenização em dinheiro foi destinada aos consumidores.

“A questão principal, que preocupa a comunidade jurídica, é que não podemos desmoralizar as ações coletivas, porque elas são uma arma valiosa para consumidores, trabalhadores e para a coletividade em geral”, diz o professor Herihson. “Ela pode reunir, para lutar contra um Golias, um batalhão de Davis.”

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