Vítimas e algoz

Petrobras se prepara para arbitragens e ações individuais no Brasil e nos EUA

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6 de janeiro de 2018, 6h48

Oficialmente, a Petrobras foi vítima do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro descoberto na operação “lava jato”. É assim que a empresa tem sido tratada nos processos da megaoperação que correm na Justiça brasileira. Mas a pecha não parece ajudar a companhia em processos movidos por acionistas e investidores em decorrência das informações levantadas pelas investigações.

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Petrobras ainda tem longo caminho de ações judiciais de acionistas e investidores para enfrentar.

Prova disso é o acordo assinado pela companhia com investidores para encerrar uma ação coletiva nos Estados Unidos. A proposta, que ainda pende de homologação judicial, prevê o pagamento de US$ 2,95 bilhões aos autores, em troca de a empresa não precisar confessar a irregularidade de ter omitido do mercado informações sobre o superfaturamento de contratos.

Transformado em reais, o acordo nos EUA custará R$ 9 bilhões à empresa, valor que sequer estava provisionado.

O valor, conforme notou o jornal O Globo, é seis vezes maior do que o recuperado pela empresa desde 2015, quando decidiu partir para a ofensiva contra os condenados na “lava jato”. A companhia recuperou R$ 1,5 bilhão entre ações de improbidade ajuizadas contra os condenados e valores recuperados pelo Ministério Público Federal em ações penais.

As adversidades não se resumem a esses processos. Segundo informações obtidas com exclusividade pela ConJur, a Petrobras ainda tem longas batalhas judiciais e extrajudiciais contra acionistas para quem, em vez de vítima, ela representa um algoz.

Desde dezembro de 2017, corre na Justiça de São Paulo uma ação civil pública proposta por uma associação de acionistas minoritários em empresas de capital aberto, a Aidmin, em que pedem indenização. A alegação é a mesma da ação coletiva dos EUA: foram lesados pela falta de transparência da empresa em relação ao esquema de que se diz vítima.

A ação é assinada pelo advogado André de Almeida, o mesmo que assina a petição inicial da ação coletiva norte-americana. Em petição enviada à 6ª Vara Cível de São Paulo, ele pede que a indenização paga pela Petrobras à Aidmin seja equivalente ao valor pago no acordo dos EUA.

Seriam mais R$ 9 bilhões não provisionados, num contexto em que a companhia já estima gastar R$ 34,8 bilhões com processos cíveis, conforme o balanço financeiro do terceiro trimestre de 2017, encerrado em setembro.

Na Justiça brasileira, a Petrobras comemora a vitória da tese de que acionistas não podem se declarar pessoalmente prejudicados pelo esquema da “lava jato”. Das 45 ações individuais a que responde com base nesse pedido, em 22 já conta com sentença favorável. Em uma delas, já houve a confirmação pela segunda instância — no caso, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Fora da corte
A empresa também enfrenta cinco arbitragens em que acionistas e investidores reclamam da postura da empresa em relação aos fatos apurados na “lava jato”. O maior deles é o processo instaurado por diversos fundos de pensão na Câmara de Arbitragem do Mercado tentando reaver os prejuízos havidos por desvalorização nas ações em decorrência da falta de informação à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O processo arbitral foi instaurado pelos fundos Previ, dos funcionário do Banco do Brasil, Fucef, da Caixa Econômica Federal, Petros, da Petrobra, e Serpros, dos empregados do Serviço de Processamento de Dados do governo federal (Serpro), entre outros. Todos são representados pelo escritório do advogado Modesto Carvalhosa.

A Petrobras não informa quanto estima gastar com as arbitragens, que são, por lei, sigilosas. Mas, em sua última demonstração de resultados, de setembro de 2017, juntou esses procedimentos com um processo em que a EIG Management Company, também nos EUA para gerar uma estimativa de R$ 7,1 bilhões.

O caso da EIG corre numa Corte do Distrito de Columbia. A empresa alega que a Petrobras cometeu fraude ao deixar de comunicar ao mercado a existência de um esquema de corrupção na Sete Brasil, o que a levou a investir na companhia. 

As estimativas de valores da empresa são feitas nos casos em que a companhia considera o risco de derrota possível, mas não provável. Nos casos em que a derrota é provável, o valor é provisionado e retirado de circulação. No balanço de 2016, a Petrobras informa o mercado que a queda em seu lucro operacional se deve ao aumento nos provisionamentos em decorrência dos processos judiciais relacionados à “lava jato”.

Fora do país
Nos Estados Unidos, a Petrobras ainda responde a 13 ações individuais de acionistas que se declaram lesados pelo esquema descoberto na “lava jato”, nunca comunicado ao mercado. A empresa não informa quanto estima gastar com esses processos, mas os autores podem aderir ao acordo assinado esta semana nos EUA, caso tenham comprado ações ou títulos da dívida da companhia entre 2010 e 2015.

Houve ainda 21 ações individuais encerradas por acordos já homologados pela Justiça. Com eles, a Petrobras gastou US$ 448 milhões, entre indenizações e multas. O valor provisionado era de R$ 1,1 bilhão.

No escuro
A petroleira trabalha com a expectativa de recuperar R$ 41 bilhões com ações judiciais nas quais é autora ou assistente. Esses valores são pedidos em ações por improbidade administrativa ou ações penais ajuizadas contra os condenados da “lava jato”.

É uma tese que ainda não teve posição definitiva. A companhia alega ter sido vítima do esquema de corrupção montado por seus diretores com empreiteiras e políticos, e por isso quer reaver o dinheiro que perdeu em contratos superfaturados. Mas a explicação de como se chegou a esse valor é pouco convincente.

Nas notas explicativas sobre o balanço de 2016, enviadas à CVM em março de 2017, a Petrobras disse não ter como saber quanto gastou a mais do que devia com o esquema descoberto na “lava jato”, e por isso trabalha apenas com estimativas.

“Não é possível identificar especificamente os valores de cada pagamento realizado no escopo dos contratos com as empreiteiras e fornecedores que possuem gastos adicionais ou os períodos em que tais pagamentos adicionais ocorreram”, diz o comunicado.

A explicação para os valores é a cifra de 3% de sobrepreço, confessada pelo ex-diretor da companhia Paulo Roberto Costa ao Ministério Público Federal em delação premiada. Segundo ele, todos os contratos da área dele eram contabilizados 3% mais caros, e o dinheiro, dividido entre ele, empresários e partidos.

Para chegar ao valor, a Petrobras listou todas as empresas condenadas por lavagem de dinheiro e fraude a licitações para depois levantar todos os contratos assinados com elas entre 2004 e 2012. A companhia fala em “empresas citadas como membros do cartel”, mas, embora a formação de um cartel seja a tese central dos investigadores da “lava jato”, não houve condenações por esse crime na operação.

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