Opinião

Lei de SP que cobra ICMS na importação para uso próprio é inconstitucional

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5 de janeiro de 2018, 5h51

Primeiramente cumpre destacar que o conceito de importação para uso próprio deve ser interpretado como aquele realizado por pessoa jurídica para seu ativo e/ou uso em seu objetivo social, como máquinas e equipamentos sem intuito de comércio e também para pessoa física, para coleção como por exemplo veículos sem finalidade comercial, moderada e compatível com a capacidade financeira do contribuinte.

Ocorre que muito se discutia sobre a questão da incidência ou não, sendo já inclusive até objeto do enunciado da Súmula 660 do Supremo Tribunal Federal, que restou superada com a atual jurisprudência.

Na esteira do entendimento e colocando uma pá de cal na questão o Supremo Tribunal Federal no RE 439.796/PR, julgando em tema de repercussão geral concluiu, em síntese, pela incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre operações de importação de bem, cujo destinatário não seja contribuinte habitual do tributo, desde que, preexistente ao fato jurídico tributável haja legislação infraconstitucional instituidora, posterior à EC 33/01 e, à Lei Complementar 114/02.

Mais precisamente, o STF, ao julgar o RE 439.796, firmou entendimento no sentido de que, para a exigência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços na hipótese de importação praticada por contribuinte não habitual do gravame, hipótese de incidência prevista na alínea 'a', do inciso IX, do § 2º, do artigo 155, da Lei Maior, na redação dada pela Emenda Constitucional 33/01, é necessária a edição de Lei Complementar de âmbito nacional editando normas gerais acerca dos aspectos dessa nova hipótese de incidência e, posteriormente, lei local do ente competente para a instituição da exação, no caso os estados.

Destaque-se, nesse sentido, que o posicionamento firmado no STF exige que a lei estadual seja não apenas posterior ao advento da EC 33/01, mas, também, primordialmente, à Lei Complementar de âmbito nacional que traça as regras gerais da nova hipótese de incidência criada pelo legislador constituinte derivado, por entender que modificações da legislação federal ou local anteriores à EC 33/2001 não foram convalidadas, tendo em vista que inexistente o fenômeno da “constitucionalização superveniente” no sistema jurídico brasileiro.

No entanto para nossa surpresa e criando total insegurança jurídica nos contribuintes paulistas, o mesmo STF que no RE 439.796 em repercussão geral tema 171 decidiu nos termos acima, ignorou o tema da repercussão geral, decidindo no RE 917.950 através de sua turma contra o Pleno abrindo divergência com o voto do ministro Gilmar Mendes em forma contrária ao precedente da repercussão geral e julgou válida lei paulista que prevê a incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sobre importação de veículo por pessoa física e para uso próprio.

Tal decisão foi objeto de recente notícia e criou enorme insegurança jurídica, pois abala a credibilidade das decisões em repercussão geral proferidas pelo STF.

Fica evidente que em que pese o entendimento do nobre ministro no julgamento recente nas turmas, não se observou que no RE 439.796 julgado em repercussão geral ficou consignado que não basta ser a norma após a EC 33/2001, mas também deve a norma para ter validade ser posterior à Lei Complementar Federal 114/2002 e a Lei Paulista 11.001/2001 é anterior, sendo manifestamente inconstitucional.

Ou seja, no RE 439.796-PR o Supremo Tribunal Federal afastou as demais objeções, mas afirmou inconstitucional a lei local editada antes da edição da LCF 114/02 de 16-12-2002 que adequou a LCF 87/96 à EC 33/01; isto porque, a Constituição não é regra matriz do tributo e apenas depois de alteração procedida na LCF 87/96 pela LCF 114/02 de 16.12.2002, que adequou a Lei Complementar à EC 33/01, poderiam os Estados alterar a legislação local.

Como pode uma turma do STF julgar contra a decisão do Plenário em Repercussão Geral?

Não há dúvida que são inconstitucionais as leis locais editadas antes da LCF 114/02, entre elas a Lei Paulista 11.001/01 de 21.12.2001 que deu ao inciso V do artigo 1º da LE 6.374/89 a seguinte redação:

“V – Entrada de mercadorias ou bem, importados do exterior por pessoa física ou jurídica, qualquer que seja a sua finalidade”;

E ao caput do § 1º e ao seu inciso I a redação seguinte:

“É também contribuinte a pessoa natural ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:

1. importe mercadoria ou bem, qualquer que seja a sua finalidade.

Veja ainda que o TJ-SP através do seu Órgão Especial e seguindo o RE 439.796 em repercussão geral assim decidiu, de forma especifica pela Inconstitucionalidade da cobrança de ICMS na importação para uso própria da Lei Paulista, senão vejamos:

Incidente de inconstitucionalidade. Lei Estadual 11.001/2001. Artigo 1º, inciso VII, que deu nova redação ao inciso V do artigo 1º da Lei Estadual 6.374/1989. Incidência de ICMS sobre a entrada de mercadorias ou bem, importados do exterior por pessoa física ou jurídica, qualquer que seja sua finalidade. Descabimento. Legislação anterior à edição de legislação complementar federal sobre o tema. Violação da exigência plasmada no artigo 146, inciso III, 'a' da Constituição Federal. Entendimento no E. Supremo Tribunal Federal. Incidente de inconstitucionalidade acolhido.
(TJSP; Arguição de Inconstitucionalidade 0018486-77.2016.8.26.0000; Relator (a): Borelli Thomaz; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 9ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/06/2016; Data de Registro: 01/07/2016)

Assim, de rigor que seja esclarecida a total inconstitucionalidade da Lei Paulista, visto que não há suporte de validade para a exigência do tributo na hipótese.

De fato, a Lei Estadual Paulista 11.001/2001, instituidora do ICMS sobre a importação por pessoa física ou jurídica, qualquer que seja a sua finalidade, embora posterior à EC 33/2001, precede a Lei Complementar definidora do contribuinte do imposto (LC 114/2002), em ofensa ao art. 155, § 2º, inciso XII, alínea a, da Constituição Federal. Com efeito, a incidência do ICMS passou a ser prevista no artigo 155, §2º, IX, “a”, da Constituição Federal somente após a Emenda Constitucional n.º 33/2001.

Nos termos do RE 439.796-PR, temos que a primeira exigência foi cumprida com a edição da LC 114/02, que alterou a LC 87/96, lei esta que traça as regras gerais em matéria de ICMS.

Mas, a segunda exigência está pendente no Estado de SP, ante a inexistência de lei local após a edição da LC 114/02. No Estado de São Paulo, a matéria foi disciplinada pela Lei Estadual 11.001, de 21 de dezembro de 2001, a qual deu nova redação ao parágrafo único do artigo 7º, da Lei 6.374/89 ou seja, antes da LC 114/02.

Passou-se, a partir do Diploma legal, a considerar contribuinte do ICMS toda pessoa física ou jurídica que importe bem ou mercadoria do exterior. Com esse quadro, verifica-se a impossibilidade de tributação, pois o exercício da competência tributária estadual edição da Lei 11.001/2001 — deu-se em momento posterior à EC 33/2001, porém, anteriormente à norma geral federal, Lei Complementar 114, de 16 de dezembro de 2002.

Inexiste a validade da exigência do ICMS na importação para uso próprio no Estado de SP, pois ausente umas das três condições previstas pelo STF, quais sejam, existência de competência, exercício dessa competência pela União, resultante em norma geral em matéria tributária e exercício de competência por cada um dos estados-membros; quando da edição da Lei paulista, faltava o exercício da competência pela União, o qual só se concretizou com a edição da LC 114/2002, razão pela qual de rigor que seja aplicada a decisão em repercussão geral do RE 439.796 e seja anulada toda e qualquer decisão contrária a ela pelos fatos e motivos já expostos em especial o respeito ao contribuinte e ao princípio da segurança jurídica.

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