Surto de islamofobia

Leis que proíbem a adoção da xaria pelos tribunais dos EUA proliferam

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1 de janeiro de 2018, 10h15

Em 2017, foram apresentados 23 projetos de lei nos Legislativos de 18 estados americanos, com o objetivo de proibir os juízes de levar em consideração a xaria– ou a lei islâmica – em julgamentos. A xaria é respeitada por muitos juízes nos EUA, quando se trata, por exemplo, de julgar problemas de família em que muçulmanos estejam envolvidos.

Esse “surto de islamofobia”, segundo o jornal The Guardian, se deve em grande parte às manifestações preconceituosas do presidente Donald Trump contra o islamismo. Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu barrar a entrada de muçulmanos no país. E depois de assumir a presidência, editou três decretos que visavam banir a entrada de vários países de maioria muçulmana – sem muito sucesso, até agora.

A hostilidade de Trump e de seus auxiliares mais próximos aos muçulmanos encorajou os parlamentares estaduais republicanos a apresentar projetos de lei que eliminem qualquer consideração pelos tribunais da xaria em julgamentos. Dos 23 PLs apresentados, 22 são de autoria de parlamentares republicanos. Um é de autoria de um comitê de filiação partidária não declarada.

Juristas ouvidos pelo The Guardian disseram que os projetos de lei são supérfluos, porque a Constituição do país é o direito nacional (law of the land) supremo, de forma que qualquer lei estrangeira é subordinada a ela. A xaria, em si, traz mais diretrizes religiosas do que dispositivos jurídicos. Uma das diretrizes diz que o muçulmano deve obedecer às leis do pais em que está.

Outros estados já apresentaram projetos de lei contra o Direito Islâmico no passado, mas nem sempre se tornam lei. Segundo o diretor do Haas Institute da Universidade da Califórnia em Berkley, Elsadig Elsheikh, mesmo que esses PLs não sejam aprovados, eles cumprem alguns objetivos, como o de espalhar o medo entre os muçulmanos e a ideia de que não merecem confiança, justificar a sujeição da comunidade à vigilância e qualquer forma de exclusão e discriminação.

Algumas leis aprovadas no passado foram declaradas inconstitucionais por juízes federais, porque evidenciavam a discriminação religiosa, ao se referir à xaria ou lei islâmica especificamente. Assim, os novos projetos de lei propõem a exclusão de “leis estrangeiras” nos tribunais do país. Mas não existe qualquer outra lei estrangeira, que não a xaria, que seja comumente considerada pelas cortes nos EUA.

Direito Islâmico no mundo
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Leiden, na Holanda, divide os sistemas jurídicos de países muçulmanos, segundo o jornal Huffington Post, em três categorias: sistemas clássicos da xaria, sistemas seculares e sistemas mistos.

Nos países com sistemas clássicos, a xaria tem status oficial ou um alto grau de influência no sistema jurídico. Normalmente, cobre Direito de Família, Justiça Criminal e, em alguns lugares, crenças pessoais, incluindo punições para apostasia (abandono da fé), blasfêmia e por não fazer orações. Entre os países que adotam esse sistema estão: Irã, Iraque, Egito, Arábia Saudita, Paquistão, Afeganistão, Sudão, Iêmen, Catar, Mauritânia, Maldivas e regiões dos Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Malásia e Nigéria.

Nos países com sistemas mistos, com maioria muçulmana, a xaria cobre Direito de Família, enquanto tribunais seculares cobrem tudo o mais. Entre esses países estão: Argélia, Marrocos, Líbano, Jordânia, Kuwait, Líbia, Síria, Somália, Bahrain, Bangladesh, Malásia, Brunei, Gâmbia, Comores, Djibouti, Omã e Faixa de Gaza.

Em diversos países de maioria muçulmana, a xaria não exerce qualquer papel no sistema jurídico. Entre esses países com sistemas seculares estão: Burkina Faso, Chade, Guiné, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal, Tunísia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Albânia, Kosovo e Turquia.

Alguns países têm tribunais dedicados ao Direito de Família, disponíveis para a minoria muçulmana. Entre eles: Reino Unido, Israel, Eritreia, Etiópia, Gana, Quênia, Tanzânia, Uganda, Índia, Cingapura, Sri Lanka e Tailândia.

Nos Estados Unidos não existem tribunais islâmicos, mas, em algumas cortes, os juízes levam em consideração a lei islâmica em suas decisões. É mais comum em direito de família. O juiz pode, por exemplo, reconhecer um contrato de casamento islâmico de um país muçulmano para decidir sobre um divórcio nos EUA.

Em uma decisão marcante pró-xaria, em 2010, o juiz Joseph Charles, de Nova Jersey, concluiu que um homem muçulmano estuprou repetidamente sua ex-mulher, também muçulmana. Mas, após o testemunho do imame (líder religioso) do muçulmano, o juiz negou o pedido da ex-mulher de proibi-lo de se aproximar dela. O juiz citou a “crença muçulmana” do homem.

Nota: Em vez de xaria, é comum na Internet a grafia “sharia”. Mas, essa é uma grafia errada, em português, segundo a Wikipédia.

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