Caso dos dreamers

Suprema Corte rejeita pretensão de Trump de "pular" tribunais inferiores

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28 de fevereiro de 2018, 12h38

A Suprema Corte dos EUA negou, nesta segunda-feira (26/2), um pedido do governo Trump para julgar uma ação judicial antes que ela fosse julgada, no mérito, em tribunais federais de primeiro e segundo grau. Essa espécie de atalho na tramitação de processos pela Justiça existe, mas é muito raro. Normalmente, só é admitido em casos de emergência nacional.

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Trump tentou levar ação sobre dreamers à Suprema Corte, mas ministros não aceitaram "atalho" jurídico.
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A ação judicial em questão se refere à tentativa de Donald Trump de acabar com o programa conhecido como Daca (Deferred Action for Childhood Arrivals), através de decreto presidencial. O programa, que foi criado pelo ex-presidente Obama em 2012, protege pessoas que entraram ilegalmente no país ainda crianças.

O Daca garante a cerca de 700 mil dreamers (sonhadores), como são conhecidos popularmente, o direito estudar, trabalhar e, enfim, viver nos Estados Unidos temporariamente — isto é, a permanência legal no país desses cidadãos já culturalmente americanizados deve ser renovada a cada dois anos.

Até agora, a disputa judicial sobre a extinção do Daca não foi além de duas liminares concedidas por dois tribunais federais de primeiro grau a autores das ações contra a medida presidencial. Em janeiro, um tribunal da Califórnia e, em fevereiro, um tribunal de Nova York proibiram o governo Trump de extinguir o Daca antes que a questão seja decidida nos tribunais.

Isso significa que o processo deverá seguir seu trâmite normal pela Justiça. Se o tribunal federal de recursos da Califórnia decidir contra o governo Trump, o que poderia acontecer em alguns meses, a Suprema Corte dos EUA poderá então julgar o caso. Ou seja, a Suprema Corte não “matou” as pretensões jurídicas do governo. Apenas determinou que o processo deve seguir seu curso normal, com todos os outros, e chegar à Suprema Corte algum dia.

Mas a Suprema Corte “matou” a estratégia política de Trump. Em setembro de 2017, ele anunciou o decreto que iria extinguir o Daca. Mas deu uma esperança aos dreamers ao abrir um prazo até 5 de março deste ano para o Congresso aprovar uma lei que regularizasse, definitivamente, a situação deles no país.

Assim, se ele criou um problema com o anúncio da extinção do Daca, uma medida impopular para 70% dos eleitores, ele mesmo ofereceu uma solução: pediu ao Congresso a aprovação do que ele chamou de “a lei do amor” (pelos dreamers). Ou seja, se os dreamers começassem a ser presos e deportados a partir de 5 de março, a culpa seria do Congresso, que não teria aprovado a nova lei em tempo.

Porém, as ações na Justiça para impedir a entrada em vigor do anunciado decreto presidencial enfraqueceram a moeda de troca oferecida por Trump, uma vez que a ameaça de extinção do Daca até 5 de março desapareceu.

Por isso, ele tentou o atalho para a Suprema Corte, que é composta de cinco ministros conservadores (republicanos), como seu governo, e quatro ministros liberais (democratas), como a oposição. Ou seja, ele teria uma forte moeda de troca para aprovar uma lei a seu feitio.

Um projeto de lei para regularizar a situação dos dreamers passaria com alguma facilidade, se o presidente Trump não tivesse complicado as coisas. Os republicanos têm uma larga maioria na Câmara dos Deputados e uma pequena maioria (51 a 49) no Senado. Precisaria apenas de uma certa colaboração dos senadores democratas, o que não seria difícil de conseguir.

Trump, porém, anunciou que não sancionaria apenas uma lei. Só sancionaria um pacote de quatro leis. E a lei carro-chefe seria, evidentemente, a que iria regularizar a situação dos dreamers, altamente preciosa para os democratas e parte dos republicanos. A lei número dois seria o cancelamento do sistema de loteria para obtenção de residência (green-card) nos EUA. Não há muita oposição a isso.

A complicação começa com a lei número três, que preveria restrições aos beneficiários do atual sistema de imigração por parentesco. Por exemplo, filhos de cidadãos americanos (por naturalização) maiores de 18 anos, irmãos, avós etc. não teriam mais direito de requerer residência. Isso contraria a política chamada “reunificação da família”, há muito adotada pelos EUA e que é preciosa para os democratas e parte dos republicanos.

A quarta lei do pacote agrava definitivamente as coisas. Trump condicionou a sanção das demais leis à aprovação de recursos financeiros para ele construir o muro em toda a fronteira com o México.

Durante a campanha eleitoral de 2016, ele prometeu a construção do muro e declarou que o México iria pagar por ele. De o México pagar, ele já desistiu, pelo menos por enquanto. E conseguir a liberação de recursos do contribuinte americano parece inaceitável pelos políticos, porque é uma proposta que desagrada a maioria dos eleitores.

Na via política, com eleições para a Câmara dos Deputados e um terço do Senado em novembro deste ano, nada indica que medidas legislativas impopulares serão aprovadas ainda Neste ano. Na via judicial, com o trâmite normal dos processos pelo Judiciário, nada indica que alguma decisão seja tomada antes das eleições — mesmo que a Suprema Corte aceite julgar as ações.

Por via das dúvidas, Trump já começou a declarar, repetidamente, que, se não for aprovada uma lei para regularizar a situação dos dreamers, a culpa será dos democratas. Ele não se refere às outras três pretensões legislativas (especialmente a verbas para o muro), não menciona o fato de os republicanos terem maioria no Congresso nem a oposição de parte dos próprios políticos republicanos em um ano de eleições.

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