Metamorfose ambulante

OAB e relatora de projeto original criticam bloqueio de bens sem ordem judicial

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27 de fevereiro de 2018, 21h15

O Plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu, nesta terça-feira (27/2), que irá questionar no Supremo Tribunal Federal norma que criou o bloqueio administrativo indiscriminado de bens direto pela Fazenda Pública sem autorização judicial ou direito ao contraditório.

A regra foi inserida na conversão em lei da medida provisória que criou o programa de parcelamento de dívidas do Funrural. O artigo 25 da Lei 13.606/2018 determina que, após inscrição do débito na dívida ativa da União, o devedor que não fizer o pagamento em até cinco dias poderá ter seus bens bloqueados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

A proposta saiu da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB. O autor do parecer, Manoel Carlos de Almeida Neto, afirma que o artigo é um drible no Código Tributário Nacional. “A pretexto de instituir o Programa de Regularização Tributária Rural, enfiaram essas alterações que são violentíssimas. Esse tema de indisponibilidade de bens já está regulamentado pelo Código Tributário Nacional, que é uma lei complementar. Revogaram o CTN por meio de lei ordinária”, disse.

A deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), relatora do projeto de lei original, também é contra a medida. Ela apresentou nova proposta de sua autoria declarando que a prática é flagrantemente inconstitucional. Com o PL 9623/2018, Tereza quer revogar a regra.

A parlamentar reconhece na apresentação do projeto que a “patente” inconstitucionalidade do procedimento cria uma espécie de processo de execução fiscal “paralelo”, sem o devido processo legal e demais garantias e direitos individuais constitucionalmente assegurados aos contribuintes, “aparentemente” não notada durante a tramitação original da matéria no Congresso.

Para a deputada, a Constituição estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. “Por mais que se queira que o processo administrativo seja considerado um processo legal, faz-se necessário reconhecer que o mesmo se conduz, integralmente, no âmbito da própria Fazenda Nacional, não havendo um terceiro ator isento, no caso, o Poder Judiciário”, afirmou.

Tereza Cristina tomou posse, em 21 de fevereiro, na presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária, uma das maiores bancadas legislativas do Congresso Nacional, que reúne 200 deputados e 41 senadores.

Ações no Supremo
Com o processo da OAB, deve chegar a quatro o número de ações no Supremo contra o instrumento legal, todas relatadas pelo ministro Marco Aurélio. Os autores alegam afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal, da reserva de jurisdição, do direito de propriedade e da isonomia.

Falam também que a norma sequer possibilita indicação de bem menos oneroso ao contribuinte para quitação da suposta dívida. A primeira ação foi protocolada pelo PSB. 

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, autora de outra ação, diz que a indisponibilidade decretada sem autorização judicial, no caso do produtor rural, inviabilizaria a manutenção da atividade econômica do dono da terra, já que a propriedade no campo é utilizada para a própria obtenção de financiamentos, sem os quais o produtor não consegue adquirir matéria-prima para a produção agropecuária.

O dispositivo questionado determina que, após inscrição do débito na dívida ativa da União, o devedor que não fizer o pagamento em até cinco dias poderá ter o nome inscrito no SPC e Serasa e os bens e direitos bloqueados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

“Por uma sanção nefasta da Fazenda Nacional o cidadão contribuinte será penalizado com a proibição da compra parcelada de alimentos em supermercados, de medicamentos em farmácias, de livros para educação pessoal e familiar, dificultando a sua subsistência no âmbito do comércio em geral”, diz o relatório da OAB sobre a lei.

O presidente da Comissão Constitucional da OAB, Marcus Vinicius Coêlho, entende que ninguém pode ser cerceado de seus bens sem o devido processo legal. “Essa cláusula centenária do Direito não pode ser amesquinhada pela vontade arrecadatória sempre crescente do Estado. Somente o juiz possui autoridade para impor restrição patrimonial ao cidadão", afirmou.

Recentemente, a PGFN publicou portaria regulamentando o bloqueio.

Leia aqui a íntegra do parecer aprovado pela OAB.
Clique aqui para ler o PL 9.623/2018.

* Texto atualizado às 21h34 do dia 27/2/2018 para acréscimo de informação.

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