Criação de precedentes

TJ-AM oficia Defensoria para atuar como guardiã dos vulneráveis em ações penais

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27 de fevereiro de 2018, 14h24

O Tribunal de Justiça do Amazonas começou a aceitar a Defensoria Pública do estado como assistente em ações penais, na condição de custos vulnerabilis, ou “guardião dos vulneráveis”. O entendimento foi conduzido pelo desembargador Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro, que considera a admissão do órgão uma medida de restabelecer a paridade de armas em relação ao Ministério Público, que atua como acusador e “guardião da lei”, ou custos legis.

Na segunda-feira (26/2), Chíxaro determinou mais uma vez a intimação da Defensoria para manifestação numa apelação criminal. O caso concreto é o de um réu condenado a 29 anos de prisão por homicídio qualificado que responde ao processo preso. O MP do Amazonas opinou pelo desprovimento da apelação e a manutenção da condenação.

A intimação da Defensoria para participar do processo na mesma condição que o MP partiu de uma decisão tomada de ofício pelo desembargador. Ele se baseou em precedente dele mesmo, de agosto de 2017, em que atendeu a pedido do defensor público amazonense Maurílio Maia subscrito pelo defensor público-geral do estado, Rafael Barbosa.

De acordo com o desembargador, a atuação da Defensoria como guardiã dos vulneráveis tem quatro objetivos:

  • Atualização da função da Defensoria Pública diante de sua definição como “essencial à função jurisdicional do Estado”, prevista no artigo 134 da Constituição Federal;
  • “Débito histórico com o modelo de assistência jurídica adotado pela Constituição de 1988”;
  • “Reequilíbrio da relação jurídico-processual penal, inclusive na formação de precedentes que interessem ao papel constitucional da Defensoria Pública”;
  • Atualização do Código de Processo Penal, de 1941, com o artigo 134 da Constituição.

Segundo Chíxaro, a intervenção da Defensoria em processos penais é um mecanismo para “abrandar a vulnerabilidade processual daqueles atingidos pelo poder punitivo estatal”. Para ele, é uma forma de compensar a falta de paridade de armas da lei processual penal, herdada do código de processo italiano “de regime autoritário”.

Ele cita texto do jurista italiano Luigi Ferrajoli, autor do livro Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, em que defende que o sistema de justiça deve agir para favorecer as garantias individuais dos acusados. Na obra, o autor defende que, no caso de o réu ter contratado um advogado, o juiz não só deve se abster de dispensar o defensor público como deve “sustentá-lo como órgão complementar”.

“A partir da renovada visão constitucional da Defensoria Pública, o Processo Penal deve também ser parcialmente repensado para reequilibrar paridade de armas nessa esfera do Direito. Ou seja, a Defensoria Pública deve ser instrumento para reduzir, como afirma Luigi Ferrajoli, a ‘disparidade institucional que de fato existe entre acusação e defesa’”, completa o desembargador.

Formação de precedentes
Ernesto Chíxaro também parece preocupado com a criação de precedentes favoráveis à paridade de armas no processo penal. Isso significa, para o desembargador, a criação de precedentes favoráveis aos mais vulneráveis, ante a força institucional que o Ministério Público tem quando atua como fiscal da lei.

Chíxaro cita o colega juiz Alexandre Morais da Rosa, colunista da ConJur, para dizer que a dupla atuação do MP em casos penais configura um “doping processual”. Se a acusação tem duplo papel, pode pedir a condenação e reforçar suas teses depois, facilitando na criação de precedentes pró-Estado no processo penal, o que acaba prejudicando a população hipossuficiente, argumenta o juiz.

“Considerando a teoria das posições processuais dinâmicas, entendo que o defensor público poderá atuar como representante processual-postulatório, como também institucionalmente, na condição de ‘custos vulnerabilis’ ou em atuar complementar”, conclui o desembargador.

Civil e penal
O magistrado afirma que o Código de Processo Civil de 2015 dá tanto para o MP quanto para a Defensoria “papéis público-constitucionais na formação de precedentes”. Ele cita o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDC), mecanismo pelo qual os tribunais identificam processos cujas discussões são iguais ou semelhantes, para definir a tese que será aplicada. Esses incidentes podem ser suscitados pelos juízes, pelo e pela Defensoria.

E em causas cíveis, a Defensoria Pública já tem sido aceita como fiscal do respeito às garantias legais e processuais dos “hipossuficientes organizacionais”. A expressão se refere a grupos que têm dificuldade de levar suas demandas à análise do Judiciário, o que resulta em desrespeito a direitos, analisa o desembargador.

Chíxaro cita como paradigma uma decisão de dezembro de 2017 do Tribunal de Justiça de São Paulo em que o desembargador Marrey Uint autorizou a intervenção da Defensoria num agravo de instrumento contra liminar que determinou a saída de famílias de uma área com “risco de escorregamento”.

Segundo o desembargador, nesses casos, “a Defensoria Pública deve, em princípio, assumir duplo papel, de representante legal dos substituídos, em representação extraordinária, e ‘custos vulnerabilis’, devendo sempre ser ouvida depois as partes e antes de qualquer medida judicial”. A favor da defesa, completou Chíxaro, do TJ-AM, a Defensoria deve ser admitida no processo “para fins de apresentação de sua posição institucional de defesa dos direitos humanos dos vulneráveis”.

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