Opinião

Direito brasileiro avança com Cobrança Internacional de Alimentos

Autores

  • Marcelo Godke

    é sócio do Godke Advogados especialista em Direito Empresarial Mercado de Capitais (securitização derivativos IPOs) Integridade Corporativa M&A Societário Project Finance Contratos Domésticos e Internacionais e em Direito dos Contratos pelo Ceu Law School professor do Insper e da Faap mestre em Direito pela Columbia University School of Law e doutorando pela Universiteit Tilburg (Holanda) e em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

  • Anna Maria Godke de Carvalho

    é sócia de Godke Silva & Rocha Advogados (São Paulo e Miami).

24 de fevereiro de 2018, 7h30

“Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado”, disse Clarice Lispector. A legislação brasileira atinente ao direito internacional privado vem passando por mudanças e reformas muito interessantes e que podem alçar o Brasil a um novo patamar. São exemplos disso a adesão, pelo Brasil, à Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, à Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e à Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, bem como as regras contidas no Novo Código de Processo Civil que permitem a eleição exclusiva de foro estrangeiro em contratos internacionais.

Mais recentemente, em 19 de outubro de 2017, o Brasil deu mais um importante e espantoso passo: promulgou o Decreto 9.176, de 19 de outubro de 2017, que inseriu, em nosso sistema jurídico, a Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família (que será referida como “Convenção Internacional de Alimentos”) e o Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos (que será referido como “Protocolo sobre a Lei Aplicável”), celebradas em 2007 na Haia (que serão referidos conjuntamente como “Convenções de Alimentos”).

É fato notório que, historicamente, o Brasil sempre foi muito reticente em aceitar mecanismos mais eficientes de cooperação judiciária internacional. Mas, a adesão às Convenções de Alimentos é importante para inserir, cada vez mais, o Brasil dentre o grupo de países que pretendem facilitar e mitigar as dificuldades normalmente encontradas em ações contenciosas de âmbito internacional. É importante ressaltar, ainda, que o Brasil, que historicamente demora muito para se alinhar a este tipo de iniciativa, não se fez de rogado: os primeiros países em que a Convenção de Alimentos entrou em vigor são a Albânia e a Noruega, ambas em 1º de janeiro de 2013 e, após pouco mais de 4 anos, o Brasil também depositou sua ratificação. É mais uma espantosa mudança em nosso modus operandi. A utilidade das Convenções de Alimentos será muito grande para reduzir o mecanismo tradicional de envio e cumprimento de cartas rogatórias, cujo procedimento, em território nacional, pode arrastar-se por muitos e muitos anos. Pelo novo método, o pedido de cooperação internacional será feito via autoridades centrais dos países envolvidos, sem a necessidade do juízo de delibação efetuado em sentenças emitidas por autoridades judiciárias estrangeiras, que hoje é demorado e efetuado perante o Superior Tribunal de Justiça.

As Convenções de Alimentos trazem várias inovações em nosso Direito, principalmente por flexibilizar o procedimento de execução internacional de alimentos. O processo, mesmo com as formalidades naturalmente encontradas na via judicial, será menos formal. Um exemplo disso é o parágrafo 1º do artigo 21 da Convenção Internacional de Alimentos, que determina que, caso o Estado Requerido não possa “reconhecer ou executar a totalidade da decisão” oriunda do Estado Requerente, ainda assim “reconhecerá ou executará qualquer parte divisível da referida decisão que possa ser objeto de reconhecimento ou execução”. Além disso, o parágrafo 2º do mesmo artigo determina que “[s]empre será possível solicitar reconhecimento ou execução parcial da decisão”. Assim, eventual decisão oriunda do Estado requerente que se choque parcialmente contra a ordem pública do Estado requerido (artigo 22, “a”) poderá ser reconhecida em relação à parte que não vá contra preceitos de ordem pública. Assim, aproveitar-se-ão parcialmente decisões sem se considerar inexequível todo o pedido. Um enorme avanço.

Um outro importante passo diz respeito à gratuidade de justiça. A jurisprudência pátria consolida-se no sentido de que, caso o representante legal do menor em ação de alimentos tenha condições financeiras (mesmo que o menor propriamente dito não o tenha, por não ter renda suficiente para tanto), a gratuidade de justiça será indeferida (note-se que a gratuidade é para o menor, não para o seu representante legal). Já o artigo 15 da Convenção Internacional de Alimentos determina que o “Estado Requerido prestará assistência jurídica gratuita para qualquer pedido em matéria de alimentos para pessoa menor de 21 anos, e decorrente da relação de filiação (…)”. Assim, não caberá ao juiz determinar se o representante legal deverá arcar com custas processuais, já que, pelo simples fato de necessitar de alimentos, ser menor de 21 anos de idade e ser filho ou filha do executado, deverá ser deferida a gratuidade de Justiça ao menor.

Por fim, podemos citar mais um exemplo do espantoso avanço: o artigo 3º do Protocolo Sobre Lei Aplicável determina que o Direito que regerá a obrigatoriedade de se prestar alimentos será a do país onde o credor habitualmente reside. Não caberá à autoridade judiciária brasileira abrir espaço para discutir se dever-se-á aplicar a nossa lei ou a de outro país. Assim, caso o devedor dos alimentos queira rediscutir a sua obrigação de prestar alimentos, deverá fazê-lo no país em que o credor-solicitante residir, evitando-se novo julgamento acerca de questão já decidida em território estrangeiro.

As mudanças trazidas pelas Convenções de Alimentos são, de fato, de causar espanto, muito positivo por sinal. Outras mudanças neste sentido serão muito bem-vindas e alçarão o Brasil a novos patamares.

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