Prática abusiva

"Fichar" morador de favela viola intimidade, diz defensor-geral do Rio de Janeiro

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24 de fevereiro de 2018, 11h50

A exigência, feita por militares e policiais nesta sexta-feira (23/2), de que moradores das comunidades da Vila Kennedy, na zona oeste do Rio de Janeiro, apresentem seus documentos e sejam fotografados para verificar se possuem antecedentes criminais viola a intimidade e o direito de ir e vir das pessoas. É o que afirma o defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Para André Castro, mandados de busca e apreensão coletivos são inconstitucionais.
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em evento na sede da Defensoria Pública fluminense, ele também criticou a intenção do governo Michel Temer (MDB) de requisitar mandados de busca e apreensão coletivos durante a intervenção federal no estado, classificando a medida de inconstitucional.

“Isso nos causou muita surpresa e muita apreensão, porque hoje, no estado do Rio de Janeiro, para nós enfrentarmos o crime organizado, é necessário medidas de inteligência, e medidas bastante diferentes dessas que vêm sendo adotadas até agora. Para fazer mais do mesmo, para continuar invadindo barracos da favela, achando que dessa forma vai se reprimir o crime organizado, essa medida já fracassou. E ela traz graves conseqüências para a integridade dos moradores, para a própria vida de quem mora nas favelas”, disse Castro no lançamento da pesquisa Tráfico e sentenças judiciais – uma análise das justificativas na aplicação de Lei de Drogas no Rio de Janeiro, produzida pela Defensoria Pública do Rio e pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça.

Além disso, o defensor-geral repudiou a proposta de integrantes do governo Temer e generais de proteger militares e policiais que atirem em suspeitos, mesmo que eles não estejam agredindo ninguém.

“O regime democrático se fundamenta, muito fortemente, na transparência, na prestação de contas e na responsabilização. Todos os atos de todos os agentes públicos devem ser passíveis de prestação de contas e de responsabilização. E devem seguir as regras normais para que essa responsabilização seja feita. Não há como se criar tribunais especiais para um caso como esse”.

André Castro ainda declarou que a crise na segurança pública do Rio de Janeiro só será resolvida com a descriminalização das drogas. O uso de força, a seu ver, não mudará o cenário.

“O problema da segurança pública no Rio é gravíssimo, mas a solução não passa por aumentar a dose de um remédio que está matando o paciente. Aumentar a repressão em nada ajudará a resolver a o problema da segurança pública. Um tabu precisa ser superado: a política da guerra às drogas e a descriminalização precisam entrar na agenda nacional se nós quisermos ter um debate sério sobre segurança pública no país”.

Resistência judicial
Carolina Haber, diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria, disse à ConJur que a pesquisa mostrou que há uma “resistência” ao direito de defesa de acusados de tráfico por parte dos juízes.

De acordo com ela, formalmente, é garantido o contraditório e a ampla defesa aos réus. Mas, na prática, os magistrados acabam seguindo um roteiro padrão em sãs decisões. Ou seja: dão grande peso aos depoimentos de policiais e concluem que se o acusado foi preso em área dominada pelo tráfico, também vende drogas.

“Não vou dizer que o direito de defesa de acusados de tráfico não é respeitado, mas há uma resistência a ele por parte dos juízes”, ressaltou Carolina.

O estudo mostrou que, em 53,79% das condenações por tráfico de drogas no Rio de Janeiro, a palavra dos policiais foi a única prova usada pelo juiz para fundamentar sua decisão. E em 71,14% eles foram as únicas testemunhas dos processos.  

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