Opinião

Com prisão domiciliar para grávidas e mães, STF protege crianças do encarceramento

Autor

  • Maíra Fernandes

    é advogada criminal coordenadora do Departamento de Novas Tecnologias e Direito Penal do IBCCrim professora convidada da FGV Rio e da PUC Rio mestre em Direito e pós-graduada em Direitos Humanos pela UFRJ.

23 de fevereiro de 2018, 10h06

“Como está meu filho?” Esta é a pergunta que se repete nos presídios femininos, já que 80% das internas são mães (Infopen Mulher/2014). Nada é capaz de aplacar a angústia de uma separação que não foi determinada pelo juiz, mas é o efeito prático do encarceramento.

Quando um homem é preso, sua esposa, mãe, filha lhe dão suporte e mantêm vivo o contato dele com os filhos, o que serve de esperança e alento. Quando a mulher é presa, muitas vezes a família se desfaz. Do lado de dentro, verdadeiros cemitérios de mulheres vivas, locais de saudade e solidão. Do lado de fora, crianças abandonadas à própria sorte.

Se ela estiver grávida, ou com seu filho dentro do sistema, o cenário é igualmente desolador: a maioria dos presídios não possui estrutura para preservar a saúde da gestante, tampouco para garantir um espaço de convivência lúdico entre mãe e filho. São tantos os relatos de partos nas celas ou nas viaturas, que não se sabe como elas e os rebentos sobrevivem — ou não sobrevivem, e os dados de mortalidade podem estar sendo escamoteados por aí. Quando chegam ao hospital, não raro elas dão à luz algemadas: tortura e violência obstétrica em último grau.

Esta é a realidade que a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal pode mudar. Ao conceder prisão domiciliar a presas provisórias gestantes ou mães de filhos de até 12 anos, a mais alta corte do país fez jus ao seu papel de garantidora da Constituição Federal, impedindo que os direitos fundamentais de mulheres e crianças sejam tão flagrantemente violados. A questão é de humanidade e abre espaço para a discussão do encarceramento feminino, que cresceu 680% nos últimos anos no país.

Pesquisa que realizamos com gestantes e internas com bebês nas unidades do Rio de Janeiro (UFRJ, 2015) traçou o perfil dessas mulheres: jovens (78% até 27 anos), negras ou pardas (77%), solteiras (82%), primárias (70%) e presas provisoriamente (73,2%). A maioria das entrevistadas havia sido detida em estado avançado de gravidez (sete a nove meses), o que impressiona e comove.

A maioria (63,4%) estava sendo processada por crimes relacionados a drogas, mas apenas uma mulher afirmou ter sido gerente de boca de fumo. As demais estavam em posições subalternas e vulneráveis. A maioria relacionou a prática do crime a dificuldades financeiras e se declarou responsável pelo sustento do lar, integral ou parcialmente. Metade trabalhava na época da prisão, mas em empregos precarizados (85% sem carteira assinada).

São mulheres invisíveis que carregam o preconceito e o estigma em todas as suas formas. Elas estão em um lugar predominantemente masculino, construído por homens, para homens, e apenas (mal) adaptado para elas, o que torna a privação de liberdade ainda mais cruel.

Eis a relevância da decisão do STF, que joga luz sobre tema tão sensível e, em boa hora, protege bebês e crianças dos efeitos — sempre perversos — do encarceramento.

Autores

  • Brave

    é sócia do escritório Técio Lins e Silva, Ilídio Moura e Advogados Associados, mestranda em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro.

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