Olhar Econômico

Análise econômica traz benefícios para modernizar o Direito

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

22 de fevereiro de 2018, 11h47

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]A sofia (sabedoria) para os gregos significava o conhecimento em sua totalidade e o sofos (sábio) era o detentor desse conhecimento. Não havia, à época, divisão de matérias e, consequentemente, não existiam especialistas. Com o passar do tempo, a sofia passou a ser seccionada e surgiram ramos específicos, que não cessaram de aumentar. Mais modernamente, a especialização tornou-se dominante. Tal é positivo, pois comprova que o conhecimento está em estágio de aprofundamento. O ponto negativo, entretanto, reside na perda, em grande parte, da percepção de que, em última análise, o conhecimento não é estanque e que as matérias, de um modo ou de outro, se comunicam e se completam à maneira de vasos comunicantes.

Dentre as matérias “autônomas”, o Direito é das mais antigas, tendo-se corporificado em Roma, passando do direito arcaico para o direito clássico (149-126 a.C), até se espraiar pelo mundo ocidental. Desde o conceito de direito de Celsus —  Jus est ars boni et aequi (O Direito é a arte do bom e do equitativo) —, celebrizado por Ulpiano, até os formulados pelos juristas mais modernos, passando por Kelsen, tem-se notado grande diversidade. Autor da teoria pura do Direito, que afasta da ciência jurídica, tudo que seja meta ou extrajurídico (moral, ideologia, direito natural etc.), Kelsen considera o Direito como essencialmente normativo, dele apartando até mesmo os juízos de valor sobre o próprio conteúdo da norma jurídica. Para o jurista vienense, norma é o sentido de um ato por meio do qual uma conduta humana é prescrita, permitida ou, nomeadamente, facultada; e Direito é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regula o comportamento humano. Daí, para Kelsen, o Direito ser um fato e não um valor.

Inexiste unicidade, nem definitividade nos variados conceitos do Direito formulados através dos tempos, nem sequer entre juristas pertencentes à mesma vertente de pensamento, pois o Direito sofre mutações no desenrolar da história. Entretanto não há dúvida de que o Direito pertença ao ramo das ciências sociais e estude as regras obrigatórias que presidem as relações entre os componentes de uma sociedade organizada.

A grande maioria dos estudiosos situa o surgimento real da ciência econômica no século XVIII, com o movimento causado pela publicação do livro de Adam Smith, intitulado, Um Inquérito sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações (1776).

A etimologia do vocábulo economia (oikos = casa e nomos = lei) permite a inferência de tratar-se de uma ciência social; enquanto que os assuntos por ela desenvolvidos, desde seu aparecimento, demonstram que ela estuda o comportamento dos seres humanos, no que diz respeito às suas necessidades em correlação com os recursos disponíveis — geralmente escassos — que existem para atendê-los. Para tanto, a preocupação com a produção, distribuição e consumo de bens e serviços, de um lado; assim como o funcionamento dos sistemas econômicos e o relacionamento entre agentes econômicos, de outro; constituem o âmago dessa disciplina. Obviamente deve-se entender o termo oikos de sua nomenclatura, como abrangendo não somente as pessoas na vida doméstica, mas também, as respectivas vivências nos países e no mundo. O objetivo finalístico da economia é indicar soluções para questões atuais. A evolução do conceito de economia vai cambiando em consonância com a transformação do pensamento econômico.

A revolução industrial criou terreno propício não somente para o desenvolvimento da ciência econômica, mas também para sua intercorrelação com outras disciplinas. Nesse ambiente, o relacionamento dela com o direito foi consequência natural. A começar dos anos 50 do século XX, nos Estados Unidos da América, brotou uma corrente de pensamento visando a aproximação do direito e da economia, conhecida como law and economics ou análise econômica do Direito. O referido país, de tradição costumeira da commom law, pôde ser o berço da análise econômica do Direito, por ter como peculiaridade de seu modus operandi jurídico, o enquadramento dos fatos nos precedentes judiciais pré-existentes. Essa operação privilegia a objetividade, o realismo e o pragmatismo, mais difíceis de se alcançar em ordenamentos jurídicos seguidores do direito continental europeu, de tradição doutrinária. Dessa forma, os processos legais mais do que assegurar direitos, passaram a produzir alocação de recursos, possibilitando a redução dos custos sociais da transação e a promoção da eficiência nas relações sociais.

Surgiram nessa época autores e obras paradigmáticos, como: Becker, que estudou os problemas econômicos das minorias (The Economics of Discrimination – 1957); Coase, que se dedicou ao custo social, visto por critérios jurídicos e econômicos (The Problem of Social Cost – 1960); e Calabresi, pai da análise econômica normativa (Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts – 1961).

Em razão dessa ebulição, passou a haver influência da economia, em vários aspectos do Direito, mormente na elaboração das leis e na sua exegese. Embora a análise econômica do Direito, inicialmente, tenha possibilitado a aplicação das categorias econômicas e da racionalidade à pesquisa das normas reguladoras dos mercados; posteriormente, por influência de Becker, avançou para condutas não comerciais: direito das minorias, direito de família, direito penal, responsabilidade civil etc.

Posner, em seu trabalho, Some Uses and Abuses of Economics in Law, conceitua análise econômica do Direito como o movimento de pensamento tipificado pela aplicação da teoria microeconômica neoclássica para analisar instituições e o sistema jurídico. Assim, instrumentos práticos e teóricos da ciência econômica e afins auxiliariam o desenvolvimento do direito, permitiriam sua melhor compreensão e aplicação e tornariam suas consequências mais eficazes, mais eficientes e mais equitativas.

O autor em comento é o mais reconhecido estudioso e professor de análise econômica do Direito na atualidade, continuando a pontificar na Faculdade de Direito de Chicago. O mestre, detentor de formação jurídica e experiência como magistrado propiciou câmbio na orientação da economia e do Direito, a partir de suas teses, de cunho liberal, elaboradas por ocasião da recessão havida na década de 70 do passado século. Dentre suas contribuições, destacam-se: (i) a conscientização de que o Direito é influenciado pela racionalização econômica, em razão de se desenvolver pari passu à evolução da sociedade; (ii) a necessidade de conformação dos institutos jurídicas à sociedade histórica; (iii) a utilidade da busca de eficiência, segundo a qual uma decisão para ser ótima deve aprimorar o nível de alguém, sem agravar o do outro.

Mais recentemente o autor passou a entender eficiência como propulsora de riquezas. Seu livro mais festejado é Economic Analysis of Law (1972). Não foi por acaso que suas teses tornaram-se sinônimo de análise econômica do Direito. Contudo para que tal análise continue a evoluir, é imperativo possam ser elas revisitadas, inclusive com o subsídio das críticas, mormente as advindas da Europa, que lhe tem sido feitas. Certamente ajudará sua superação, a compreensão de que elas foram criadas com base na realidade econômica e social norte-americana e para serem aplicadas em outros quadrantes do mundo devem sofrer os devidos ajustes.

A Europa assistiu a diferentes abordagens econômicas do Direito: (i) a ligada à Escola Historicista germânica e ao conceito de Staatswissenschaften, de cunho não neoclássico; e (ii) as vinculadas às teoria críticas da Escola de Frankfurt e as derivadas do Marxismo, que não se intitulam “análise econômica do Direito”.

Dentre os pontos benéficos da análise econômica do Direito, figuram a possibilidade de alcançar-se: solução mais equitativa, já preconizada no brocardo Jus est ars boni et aequi; a amenização do rígido jus positivismo de Kelsen; e que a objetividade permeie a aplicação do direito, normalmente caracterizada pela subjetividade. Em suma, a abordagem interdisciplinar do Direito — ciência jurídica, ciência econômica e afins — contribui para reconstituir — ainda que parcialmente — a sofia grega. Por todos os benefícios que traz, a análise econômica do Direito merece, sempre mais, ser cultivada.

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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