Segunda Leitura

Criação de um ministério exclusivo para Segurança Pública é medida urgente

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

18 de fevereiro de 2018, 8h00

Spacca
O Presidente da República, dia 16 de fevereiro, baixou o Decreto 9.288, determinando a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, a fim de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública” existente naquela unidade da Federação.[i]

O foco aqui não é a constitucionalidade, ou não, da intervenção decretada, mas sim a necessidade, ou não, da criação de um Ministério exclusivo da Segurança Pública, medida anunciada pelo chefe do Poder Executivo no dia 17 passado.[ii]

Escrevi sobre o tema, neste site, em coluna de 7/5/2017.[iii] E daquela data para hoje a segurança só fez piorar. Como se passaram nove meses, tempo suficiente para a gestação de um ser humano, espera-se que agora o ministério se torne realidade. Inclusive porque, ontem, sábado 17, o chefe do Poder Executivo anunciou a intenção de criá-lo.[iv]

A jornalista Dora Kramer, que reside no Rio de Janeiro e de lá não pretende se mudar, comparou a situação atual do município à ocupação nazista nos países da Europa. Citando Churchill, apontou a necessidade de resistir, pois “fugir não é uma opção. Os invasores não podem vencer; expulsá-los é a tarefa na qual devemos estar todos empenhados”.[v]

O Rio de Janeiro é a razão maior, porque é o local onde a situação atingiu maior gravidade e a repercussão é maior, face à sua notoriedade internacional e ao fato de que é a segunda cidade brasileira a atrair mais turistas.[vi]

No entanto, a violência já tomou conta da maioria das cidades brasileiras e as organizações criminosas estão assumindo o papel que o Estado, por ineficiência, excessiva burocracia, formalismo e corrupção, não dá conta.

Algumas organizações criminosas detêm a liderança na área. No entanto, há na maioria das cidades, inclusive de médio e pequeno porte, traficantes que dominam locais onde a pobreza impera e os serviços públicos são inexistentes ou insuficientes, proibindo o ingresso de estranhos, inclusive de funcionários públicos, e decidindo conflitos.

Exemplos. Em São Gonçalo, RJ, 13 bairros têm ruas interditadas por traficantes.[vii] Na Favela da Jereba, Fortaleza, CE, membros de uma facção executaram um adversário e postaram vídeo nas redes sociais.[viii] Em Vitória, ES, “Decidir quem merece viver ou não, é uma prática que está instituída em tribunais paralelos comandados por traficantes de drogas”.[ix] São Paulo há muito tempo tem tribunais do crime, decidindo e impondo até pena de morte.[x] Roraima, que já recebeu cerca de 40.000 venezuelanos à busca de emprego e comida, é um local vulnerável a ter lideranças criminosas que assumam o controle da situação.[xi]

As organizações criminosas são organizadas a partir de uma hierarquia rígida e a certeza da punição severa aos que transgredirem suas regras. Seus lucros têm no tráfico de entorpecentes sua maior renda, mas estão também em outras áreas, como o roubo de cargas.

A tendência é que se infiltrem em órgãos públicos, entre outras coisas, criando leis que lhes sejam favoráveis, interferindo diretamente na prática de atos administrativos (p. ex., nas licitações) e tendo juízes comprometidos.

Não se descarta a possibilidade de, em breve tempo, serem cobradas taxas de proteção de comerciantes, seguindo o exemplo da Máfia na Sicília, Itália, onde poucos têm a coragem de resistir a tal tipo de investida. Em Palermo, quando alguém abre um negócio, seja uma loja, uma pequena fábrica ou uma empresa, depois de solicitar as licenças começa a se preocupar se alguém veio a cobrar a “messa a posto”, às vezes até procurando por alguém da Máfia para “regularizar” a situação. [xii]

Tal tipo de criminalidade organizada nada tem a ver com os crimes econômicos que são objeto de várias operações (v.g., Lavajato). Apenas uma coisa as aproxima: a criminalidade econômica, envolvendo pessoas que detêm o poder econômico ou político, contribui, significativamente, para o fortalecimento de facções criminosas, pois gera pobreza, problemas sociais e ausência do Estado.

Reconhecer este cenário, discuti-lo, obviamente não é uma tarefa agradável. Por isso, certamente, raros são os estudos acadêmicos, sendo exceção a tese de doutorado de Camila C. N. Dias, na USP.[xiii]

Assim sendo, considerando que o art. 144 da Constituição afirma que todo brasileiro tem direito à segurança pública e partindo-se do pressuposto de que o Estado não cumpre este dever constitucional, forçoso é reconhecer que algo precisa ser feito.

O novo não pode ser o antigo discurso de que é necessário mais educação e políticas públicas que atendam as populações necessitadas. Estas medidas ─ claro ─ são verdadeiras e não há quem delas discorde. Mas são fluidas, distantes, de alcance a longo prazo. Enquanto isto as pessoas, principalmente as de baixa condição social, que são as que mais sofrem as consequências da violência.

É preciso um Ministério da Segurança Pública que preencha o vazio organizacional da falta de uniformidade das secretarias de segurança, que promova políticas públicas de âmbito nacional, promova a troca de boas experiências, avance nas estatísticas, hoje sabidamente deficientes, estimule e cobre o fortalecimento da Polícia Científica, acompanhe e cobre a realização de concursos públicos,[xiv] analise os currículos das escolas de formação e capacitação, pacifique os conflitos entre a Polícia Civil e a Militar, invista na tecnologia, encaminhe projeto de lei destinado à agilização das investigações policiais, modernizando o inquérito policial criado em 1871, e adote novas medidas, inteligentes e inovadoras.

Dir-se-á que um novo Ministério importa em despesas. E é verdade. Mas, certamente a segurança, que em 2014 era a segunda preocupação dos brasileiros[xv] e que talvez hoje seja a primeira, tem maior importância que muitos dos 28 ministérios e secretarias existentes.

Finalmente, a escolha do Ministro não poderá ser atrelada aos desejos dos partidos políticos ou ideologia. É preciso um especialista, de habilidade política (não partidária) e que tenha vivência e respeitabilidade na área, para que possa unir polícias, pessoas e estados com interesses divergentes.

Alguém que siga a lição de Confúcio, ditada cinco séculos antes de Cristo, quando um governante lhe perguntou como seria possível obter o apoio do povo: “Governe-o com dignidade, que haverá reverência; trate-o com bondade, que haverá dedicação; promova os bons e instrua os incompetentes, que se promoverá entusiasmo”.[xvi]

Assim, resta esperar que o Ministério da Segurança Pública venha, sem o pessimismo de quem opta por acreditar que tudo sempre dará errado.


[i] https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/decreto-intervencao-rj-2.pdf, acesso em 18/2/2017.

[ii] Temer anuncia criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, disponível em https://noticias.r7.com/brasil/temer-anuncia-criacao-do-ministerio-extraordinario-da-seguranca-publica-17022018. Acesso em 18/2/2017.

[iii] O Brasil precisa de um Ministério da Segurança Pública. Em: https://www.conjur.com.br/2017-mai-07/segunda-leitura-brasil-ministerio-seguranca-publica. Acesso 18/7/2017.

[iv] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/temer-anuncia-no-rio-que-criara-ministerio-da-seguranca-publica.shtml. Acesso em 17/2/2018.

[v] Ato de resistência. Disponível em Revista Veja, 21/2/2018, p. 43.

[vi] https://blog.geofusion.com.br/turismo-no-brasil-quais-os-destinos-mais-visitados, acesso em 18/2/2016.

[vii] http://www.osaogoncalo.com.br/seguranca-publica/39230/sao-goncalo-tem-13-bairros-cercados-por-barricadas-de-traficantes. Acesso em 18/2/2017.

[viii] http://www.blogdofernandoribeiro.com.br/index.php/81-categorias/violencia-urbana/2990-bandidos-matam-membros-de-faccao-rival-e-postam-imagens-do-fuzilamento-nas-redes-sociais.

[ix] https://especiais.gazetaonline.com.br/trafico/. Acesso em 18/2/2018. Acesso em 18/2/2017.

[x] https://www.google.com.br/search?q=tribunal+do+crime+em+pirassununga&oq=tribunal+do+crime+em+pirassununga&aqs=chrome..69i57.7086j0j8&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em 18/2/2017.

[xi] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/16/politica/1518736071_492585.html. Acesso em 18/2/2017.

[xii] https://www.estilogangster.com.br/qual-e-a-principal-atividade-da-cosa-nostra/

[xiii] Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Em.http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-13062012-164151/pt-br.php. Acesso em 18/2/2018. Acesso em 18/2/2017.

[xiv] O Rio Grande do Norte, que atravessa séria crise na segurança, não abre concurso para delegado desde 2008. Vide: https://jcconcursos.uol.com.br/portal/noticia/concursos/concurso-pc-rn-67977.html. Acesso em 18/2/2017.

[xv] Pesquisa Instituto Datafolha. Em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/08/seguranca-e-2-maior-preocupacao-dos-brasileiros-segundo-pesquisa.html. Acesso em 18/2/2017.

[xvi] Michael Schuman. Confúcio e o mundo que ele criou. São Paulo: Tres Estrelas, 2016, p. 61.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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