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STF publica acórdão sobre direitos de herança de cônjuges e companheiros

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16 de fevereiro de 2018, 12h13

Quase nove meses depois de rejeitar a discriminação nos direitos de herança e sucessões entre cônjuges e companheiros, o Supremo Tribunal Federal divulgou acórdão sobre o assunto. A ConJur destacou os principais trechos apresentados pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, ao reconhecer que a interpretação do Código Civil não pode aplicar diferenças nos dois tipos de casos.

O julgamento ocorreu em maio de 2017, quando Barroso foi seguido pela maioria dos demais membros do Plenário (RE 878.694). A corte também equiparou, na mesma sessão, uniões estáveis entre homossexuais e heterossexuais (RE 646.721). O acórdão foi publicado em setembro.

O Superior Tribunal de Justiça também já aplicou entendimento semelhante ao afastar parentes colaterais da sucessão, no ano passado. 

Leia trechos dos fundamentos de Barroso:

Na história brasileira, em decorrência da forte influência religiosa, o conceito jurídico de família esteve fortemente associado ao casamento. Seu objetivo principal era a preservação do patrimônio e da paz doméstica, buscando-se evitar interferências de agentes externos nas relações intramatrimoniais e nas relações entre pais e filhos. Nesse sentido, todas as Constituições anteriores à de 1988 que trataram expressamente do tema dispunham que a família se constitui pelo casamento”.

Até pouco tempo atrás, o prestígio ao matrimônio tinha suporte em uma concepção da família como ente autônomo, e não como um ambiente de desenvolvimento dos indivíduos. A família era tutelada pelo Estado ainda que contra a vontade de seus integrantes, ou seja, independentemente dos custos individuais a serem suportados”.

Durante a segunda metade do século XX, porém, operou-se uma lenta e gradual evolução nesta concepção na sociedade brasileira, com o reconhecimento de múltiplos modelos de família. Nesse período, parcela significativa da população já integrava, de fato, núcleos familiares que, embora não constituídos pelo casamento, eram caracterizados pelo vínculo afetivo e pelo projeto de vida em comum. Era o caso de uniões estáveis, de uniões homoafetivas, e também de famílias monoparentais, pluriparentais ou anaparentais (sem pais, como a formada por irmãos ou primos). Na estrutura social, o pluralismo das relações familiares sobrepôs-se à rigidez conceitual da família matrimonial”.

Sensível às mudanças dos tempos, a Constituição de 1988 aproximou o conceito social de família de seu conceito jurídico. Três entidades familiares passaram a contar com expresso reconhecimento no texto constitucional: (i) a família constituída pelo casamento (art. 226, §1º); (ii) a união estável entre o homem e a mulher (art. 226, § 3º); e (iii) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, a chamada família monoparental (art. 226, § 4º). A Constituição rompeu, assim, com o tratamento jurídico tradicional da família, que instituía o casamento como condição para a formação de uma família ‘legítima’”.

Se o Estado tem como principal meta a promoção de uma vida digna a todos os indivíduos, e se, para isso, depende da participação da família na formação de seus membros, é lógico concluir que existe um dever estatal de proteger não apenas as famílias constituídas pelo casamento, mas qualquer entidade familiar que seja apta a contribuir para o desenvolvimento de seus integrantes, pelo amor, pelo afeto e pela vontade de viver junto”.

Essa evolução, no entanto, foi abruptamente interrompida pelo Código Civil de 2002. O Código trouxe dois regimes sucessórios diversos, um para a família constituída pelo matrimônio, outro para a família constituída por união estável. Com o CC/2002, o cônjuge foi alçado à categoria de herdeiro necessário (art. 1.845), o que não ocorreu – ao menos segundo o texto expresso do CC/2002 – com o companheiro”.

Assim, caso se interprete o Código Civil em sua literalidade, um indivíduo jamais poderá excluir seu cônjuge da herança por testamento, mas este mesmo indivíduo, caso integre uma união estável, poderá dispor de toda a herança, sem que seja obrigado a destinar qualquer parte dela para seu companheiro ou companheira”.

Se é verdade que o CC/2002 criou uma involução inconstitucional em seu art. 1.790 em relação ao companheiro, é igualmente certo que representou razoável progresso no que concerne ao regramento sucessório estabelecido no art. 1.829 para o cônjuge. No citado artigo 1.829, reforça-se a proteção estatal aos parceiros remanescentes do falecido, tanto pela sua elevação à condição de herdeiro necessário, como pelos critérios de repartição da herança mais protetivos em comparação com a legislação até então existente.

Considerando-se, então, que não há espaço legítimo para que o legislador infraconstitucional estabeleça regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, chega-se à conclusão de que a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002, e não daquele estabelecido nas leis revogadas. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002”.

Clique aqui para ler o acórdão.
RE 878.694

* Texto atualizado às 16h30 do dia 16/2/2018 para correção.

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