Opinião

O direito de voto das ações preferenciais nas sociedades de economia mista

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16 de fevereiro de 2018, 6h28

*Este texto é uma versão reduzida do artigo Atenção ao investir em ações preferenciais de sociedades de economia mista. Clique aqui para ler a íntegra.

1. Introdução
É questionável se as ações preferenciais emitidas por sociedades de economia mista de capital aberto estão sujeitas, integralmente, à mesma disciplina imposta às demais companhias de capital aberto, em decorrência das imprecisões normalmente aferidas nos respectivos estatutos, prospectos de oferta pública e formulários de referência.

Para esclarecermos essa dúvida, reproduzimos a peculiar exceção lecionada por José Edwaldo Tavares Borba:

“As ações preferenciais sem direito de voto poderão pertencer inteiramente ao capital privado, posto que não afetam o poder de controle. Cabe, porém, assinalar que essas ações, quando o dividendo fixo a elas destinado deixar de ser pago, poderão, pela regra geral (art. 111, § 1º, da Lei nº 6.404/76), adquirir o direito de voto, o que poderia interferir sobre o poder de controle. Esse efeito, todavia, considerada a natureza da sociedade de economia mista, cujo controle deve pertencer ao poder público, não seria aplicável nos casos e na medida em que viesse a afetar a efetividade do poder de controle estatal” (grifamos)[1].

2. Diferença entre as ações preferenciais e ordinárias
Existem duas espécies de ações negociadas no mercado de valores mobiliários, destacadas e resumidas abaixo[2].

  • Ações preferenciais (artigos 17 e 111 da Lei 6.404/76) usualmente não possuem o direito de voto, mas têm prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos em relação às ações ordinárias, nos termos do estatuto da companhia (artigo 19). São destinadas a investidores que almejam majoritariamente a obtenção de proveitos patrimoniais, sem a pretensão de envolvimento na administração do empreendimento, querendo simplesmente alocar os seus recursos e conseguir o retorno compatível.
  • Ações ordinárias (artigo 110) são aquelas que necessariamente têm direito a voto.

Na hipótese de a companhia emissora deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus os acionistas preferencialistas sem direito de voto, pelo prazo estipulado no estatuto, não superior a três exercícios consecutivos, em regra, esses adquirirão a concessão do sobredito direito, que será conservado enquanto estiver pendente o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam quitados os cumulativos em atraso (artigo 111, parágrafo 1°).

Essa premissa tem como lógica o fato de que, não havendo a concretização da vantagem econômica legalmente garantida aos titulares de ações preferenciais com prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos, é inválida a manutenção da restrição política a que estavam obrigados, facultando-se a prerrogativa de voto para poderem participar ativamente nas deliberações sociais e nos esforços para a recuperação financeira da companhia[3].

3. Noções gerais sobre as sociedades de economia mista
A sociedade de economia mista é definida pelo artigo 5º, III, do Decreto-Lei 200/67 como: “A entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta” (grifamos), repetido com pequenas modificações pelo artigo 4º, caput, da Lei 13.303/2016.

Rafael Carvalho Rezende Oliveira enfatiza: “(…) Ainda que seja possível a participação societária de pessoas da iniciativa privada, o controle societário deve permanecer com os Entes federados ou com entidades da Administração Pública Indireta” (grifamos)[4].

As sociedades de economia mista se submetem ao regime jurídico próprio das “empresas privadas”[5] (artigo 173, parágrafo 1º, II, da CRFB) e podem ser constituídas com o capital aberto ou fechado, sendo esse primeiro o mais comum, onde se permite a captação de recursos junto ao público, por meio da emissão de valores mobiliários (artigo 2º da Lei 6.385/76), havendo subordinação às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (artigo 235, parágrafo 1°, da Lei 6.404/76 e artigo 4°, parágrafo 2º, da Lei 13.303/2016).

Na condição de capital fechado, a companhia não formula apelo à poupança pública, obtendo recursos entre os próprios acionistas e/ou terceiros subscritores[6].       

São exemplos atuais de sociedades de economia mista de capital aberto: Petrobras, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Eletrobras[7].


[1] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 15ª edição. São Paulo: Atlas, 2017, p. 506-507.
[2] PARENTE, Norma Jonssen. Tratado de Direito Empresarial: Volume 6 – Mercado de Capitais. Coordenação: Modesto Carvalhosa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 140-142.
[3] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada – Volume II. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 185-186.
[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 118.
[5] O texto constitucional utiliza o termo empresa em desacordo com o entendimento extraído dos artigos 966 e 982 do atual Código Civil e predominante na doutrina especializada em Direito Societário, que conceitua empresa como a forma de organização da atividade econômica exercida pela sociedade empresária, e não como o tipo de constituição societária.
[6] MIRANDA, Maria Bernadete. Sociedade de Economia Mista e Concentração de Empresas, p. 7. In Revista Virtual Direito Brasil – Volume 5 – nº 1 – 2011.
[7] Cuja proposta de desestatização foi aprovada pelo Conselho do Programa de Parceria de Investimentos (CPPI) em 23/8/2017 e comunicada ao mercado no dia seguinte. Na 170ª Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de Acionistas, realizada em 8/2/2018, foram aprovadas seis desestatizações de distribuidoras localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país, na esteira da Medida Provisória 814/2017, que possibilita a privatização da Eletrobras, com a eficácia plena do ato normativo mantida até a presente data pela decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

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