Opinião

Auxílio-moradia de juiz não se confunde com privilégio

Autor

  • Adib Abdouni

    é advogado constitucionalista e criminalista e autor do livro "Fake News e os Limites da Liberdade de Expressão".

16 de fevereiro de 2018, 6h46

O papel da magistratura é fundamental para a sociedade, especialmente pela sua independência funcional. Em tempos de crise política e econômica, como hoje no Brasil, é preciso ressaltar a importância do fortalecimento do Poder Judiciário. Mas, nas últimas semanas, o Judiciário se tornou foco de críticas sistemáticas diárias. Tudo por causa de suas prerrogativas, que muitos entendem como privilégios — que na verdade não são.
 
Ganhou destaque na imprensa, de modo a influenciar a opinião pública, a atuação de magistrados que condenaram políticos e figuras públicas dos mais altos cargos da elite brasileira. Isso tudo contrariando interesses espúrios daqueles que estavam acostumados a saquear os cofres públicos sem sofrer consequências da legislação, ou seja, os “criminosos do colarinho branco” que integravam a chamada elite brasileira.
 
Desta vez, os ataques direcionados contra a verba de caráter indenizatório percebida por parcela de juízes — denominada de auxílio-moradia — ganharam contornos de revide e vingança. De tempos em tempos, as críticas são direcionadas para as férias de 60 dias dos juízes — que também têm previsão legal.
 
Agora, a bola da vez é o auxílio-moradia: a mídia passou a veicular sistematicamente notícias e comentários sobre a percepção do auxílio-moradia como se ele nunca tivesse existido e passasse a ser novidade. É preciso ressaltar, no entanto, que não se vê nessas manifestações de repúdio ao aludido subsídio qualquer fundamento idôneo para retirar de magistrados tal remuneração — que é, inclusive, qualificada como de natureza alimentar. O auxílio-moradia deve integrar os vencimentos, em montante compatível com o exercício e a responsabilidade da nobre atividade judicante, que, por vedação constitucional, não pode ser desempenhada com nenhuma outra função, exceto com a de magistério.
 
Uma vez presentes vedações formais impostas constitucionalmente aos magistrados acerca da possibilidade de auferirem renda complementar, deve haver mecanismos remuneratórios hábeis para garantir condições de total independência. E ainda, de outra parte, para que os magistrados possam dedicar-se integralmente às funções inerentes ao cargo. Afinal, a atividade jurisdicional é função essencial do Estado e direito fundamental do jurisdicionado.
 
O Estado deve criar as condições atrativas e adequadas para estimular que profissionais experientes do Direito possam ingressar e se manter nos quadros da magistratura. Caso contrário, há pena de se incorrer em uma nefasta política negativa de desestímulo da carreira, a beneficiar, por evidente, aqueles que desejam um Poder Judiciário enfraquecido e inoperante em nome da impunidade.
 
O tão criticado auxílio-moradia — que não deve ser confundido com privilégio — tem amparo na Lei Complementar 35/79 (Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional). É dirigido àquelas situações em que não houver residência oficial à disposição do magistrado, foi inequivocamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e não tem qualquer pecha de ilegalidade. Presente um direito previsto em lei, não se pode negá-lo a qualquer pessoa — incluindo-se aí o juiz — o direito de usufruir dele.
 
Neste contexto, devem ser repelidas com vigor todas e quaisquer iniciativas que visem rever as normas de caráter obrigatório de verbas remuneratórias e indenizatórias das carreiras de Estado, além daquelas de revisão anual dos subsídios dos magistrados para repor as perdas inflacionárias. Isso se faz necessário para evitar a ocorrência de defasagens que acabem por implicar, ao cabo, o desmantelamento do Poder Judiciário e do próprio Estado Democrático de Direito. É preciso encerrar essa discussão que somente foi reacendida após o pulso firme da Justiça em casos criminais de grande repercussão para o país.

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