Dupla cidadania

Governo cassa nacionalidade brasileira de empresário dono da Telexfree

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15 de fevereiro de 2018, 18h59

O Ministério da Justiça cassou nesta quinta-feira (15/2) a nacionalidade brasileira do empresário Carlos Nataniel Wanzeler, dono da Telexfree, empresa que vendia pacotes de internet e foi considerada um esquema de pirâmide financeira. Segundo portaria publicada no Diário Oficial da União, o empresário se naturalizou norte-americano em março de 2009, o que implicaria na renúncia da nacionalidade brasileira.

De acordo com o ministério, os autos do processo administrativo são sigilosos. A portaria se justifica no artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal. O dispositivo diz que “será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade”.

A advogada Hortênsia Medina, do Almeida Castro Advogados Associados, diz que o caso do cliente se encaixa nas exceções constitucionais. Segundo ela, Wanzeler se naturalizou norte-americano para que a filha pudesse morar com ele nos EUA, com visto de permanência.

Portanto, ele estaria protegido pela alínea “b” do inciso II do parágrafo 4º do artigo 12 da Constituição: brasileiros naturalizados em outros países podem manter a dupla cidadania se o fizerem por “imposição como condição de permanência em território estrangeiro”.

A advogada diz ainda que Wanzeler responde a diversos processos no Brasil, inclusive a pedidos de ressarcimento. Por isso pesam sobre ele diversas medidas cautelares, inclusive a apreensão do passaporte, para que não saia do Brasil – a justificativa para a apreensão é justamente a dupla cidadania, já que os EUA também não extraditam nacionais.

Pirâmide
Wanzeler é considerado foragido pela Justiça dos Estados Unidos. Ele é réu num processo que discute o ressarcimento a prejudicados pela pirâmide da Telexfree. Em 2014, o empresário chegou a ter bens bloqueados e a ser indiciado para prestar esclarecimentos ao juiz, mas em dezembro daquele ano fugiu para o Brasil, onde nasceu.

Hoje ele vive no Espírito Santo, onde foi denunciado pelo Ministério Público Federal por lavagem de dinheiro e evasão de divisas em operações financeiras no Brasil e nos Estados Unidos. De acordo com o MPF, os crimes renderam ao empresário R$ 213 milhões. A família dele é acusada de envolvimento em desvios de mais de R$ 23 milhões. As denúncias dizem que Wanzeler usou as empresas Agrofruta, Brasil Factoring (dona da Telexfree) e IRN Participações e Empreendimentos para cometer os crimes.

Nos Estados Unidos, Wanzeler é investigado desde 2015 por crimes financeiros. Segundo as investigações, uma testemunha contou ter sido procurado para tratar de um esquema para enviar US$ 40 milhões à China a mando de Wanzeler. Esse dinheiro, segundo os investigadores, seria resultado de lavagem de dinheiro envolvendo as empresas ligadas à Telexfree nos EUA.

Jurisdição internacional
A portaria que cassou a nacionalidade de Wanzeler se baseia no artigo 250 Decreto 9.119, de dezembro de 2017, que regulamenta a Lei de Migração. O dispositivo é resultado direto do imbróglio jurídico causado pela cassação da nacionalidade brasileira de Claudia Sobral, nascida no Brasil e naturalizada norte-americana.

Ela teve a extradição pedida pelo governo dos EUA em 2013, mas como o Brasil não extradita nacionais, não pôde atender ao pedido. Foi quando começou a batalha judicial em busca da declaração de perda da nacionalidade dela.

O principal obstáculo foi demonstrado num parecer do Ministério Público Federal no caso que proibia a decretação de perda de nacionalidade de brasileiros nascidos em solo nacional. Só perderiam a nacionalidade quem pedisse isso ao governo brasileiro.

No caso de Cláudia, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu que, como ela jurou a bandeira dos EUA, automaticamente abriu mão da nacionalidade brasileira. Cerca de um ano depois da cassação da nacionalidade, Cláudia foi extraditada para os EUA, para responder ao processo como norte-americana, e não como brasileira.

Foi o primeiro caso de extradição de nacional desde 1891. E, como se tratou de uma construção jurisprudencial, o governo formulou uma saída jurídica com o artigo 250 do Decreto 9.119/17: “A declaração da perda de nacionalidade brasileira se efetivará por ato do Ministro de Estado da Justiça, após procedimento administrativo”.

Origem
O processo administrativo contra Wanzeler foi instaurado pelo Ministério Público Federal. Segundo o órgão, como a naturalização norte-americana foi pedida espontaneamente, ele se enquadra nas situações constitucionais de perda de nacionalidade brasileira. E não se encaixa nas exceções constitucionais, que autorizam a manutenção da dupla cidadania nos casos em que a naturalização seja condição para exercício de direitos civis.

Hortênsia Medina, no entanto, afirma que o pedido de naturalização foi feito com base no princípio da “unidade familiar”, exceção já observada em diversos precedentes do Judiciário norte-americano.

Wanzeler morou nos EUA durante mais de 15 anos e abriu a Telexfree lá, associado a um amigo norte-americano. O pedido de perda da nacionalidade brasileira provavelmente faz parte da estratégia do MPF para instruir um pedido de extradição do empresário.

Leia a portaria de decretação deperda da nacionalidade de Wanzeler:

PORTARIA Nº 90, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2018

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, no uso da atribuição conferida pelo art. 250 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017, tendo em vista o constante do Processo nº 08018.006758/2017-21, do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, resolve:

DECLARAR a perda da nacionalidade brasileira de CARLOS NATANIEL WANZELER, nascido em 24 de dezembro de 1968, filho de Marilza Machado Wanzeler, nos termos do art. 12, §4º, inciso II, da Constituição, por ter adquirido a nacionalidade norte-americana em 18 de março 2009.

TORQUATO JARDIM

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