Garantias do Consumo

A adequação de informações nas embalagens de produtos industrializados

Autor

  • Simone M. S. Magalhães

    é advogada especializada em Direito do Consumidor mestranda em Direito Constitucional no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) vice-presidente da Comissão Nacional de Direito do Consumidor da Associação Brasileira de Advogados e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-DF e do Instituto Brasilcon.

14 de fevereiro de 2018, 7h00

Spacca
A dieta cotidiana dos brasileiros vem sofrendo visíveis mudanças nos últimos anos, tornando-se cada vez mais presente a ingestão de alimentos industrializados e, de forma preocupante, dos produtos ultraprocessados.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), os alimentos ultraprocessados contêm grandes quantidades de sódio, açúcares livres, gorduras saturadas, gor­duras totais e ácidos graxos trans, a exemplo dos doces ou salgadinhos de pacote, refrigerantes, macarrão e temperos instantâneos, salsichas e demais embutidos, dentre vários outros produtos facilmente encontrados em quaisquer supermercados1.

Com a maior oferta de alimentos industrializados, os impactos na dieta são perceptíveis, não somente no Brasil. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) demostram que a obesidade mundial teve a sua incidência praticamente duplicada entre os anos de 1980 e 2008, se apresentando de forma mais elevada nos países americanos, com 62% de sobrepeso e 26% de obesidade em adultos acima de 20 anos de idade. Situação ainda mais alarmante é encontrada no México, Chile e Estados Unidos, em que a obesidade e o sobrepeso estão presentes em 7 de cada 10 adultos2.

A obesidade em crianças e adolescentes alcançou dimensão epidêmica, decorrente de uma conjunção de fatores, deixando clara a necessidade de adoção de medidas para impedir o seu avanço. Nesse sentido, instituições como a OMS e a Organização das Nações Unidas para a Ali­mentação e a Agricultura (FAO) apontam os seguintes fatores como principais propulsores para a ampliação da obesidade e das doenças não transmissíveis conexas: “a) o alto consumo de produtos com poucos nutrientes e muito açú­car, gordura e sal (doravante denominados produtos energéti­cos com poucos nutrientes), como lanches e fast foods salgados ou açucarados, b) consumo rotineiro de bebidas açucaradas e c) atividade física insuficiente”3.

No Brasil, o Ministério da Saúde indica que a ingestão de hortaliças e frutas pela população manteve-se estável nos últimos anos, enquanto alimentos como refrigerantes e doces apresentaram ascensão em seu consumo4. Corroborando tal informação, dados da OMS advertem que, em 2014, mais de 54% dos brasileiros adultos apresentavam sobrepeso, enquanto 20% deles já tinham atingido o nível de obesidade. Entre as crianças, cerca de 7% dos menores de cinco anos já estavam acima do peso5.

No intuito de promover esforços comuns para combater os índices preocupantes de obesidade, bem como os seus consequentes impactos negativos, em 2014 foi aprovado de forma unânime, pelos Estados-Membros (incluindo o Brasil) reunidos no 53º Con­selho Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde, o Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes. No referido documento, a Opas tornou-se responsável por oferecer subsídios diversificados para a adoção, pelos países, de políticas destinadas à conscientização alimentar, a exemplo da melhoria das informações exibidas na rotulagem frontal das embalagens, a formulação de diretrizes nutricionais regionais para alimen­tação escolar, a promoção de ambientes para atividades físicas e o incentivo ao aleitamento materno6.

Atenta a esse quadro inquietante, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde7, há muito evidencia preocupação com a qualidade alimentar dos brasileiros. Entretanto, em conjunto com o trabalho que já vem sendo executado nos últimos anos pela referida agência, na regulação de condições obrigatórias na rotulagem dos alimentos, é imperiosa a necessidade de implementação de adequações no modelo vigente.

O objetivo é garantir o fornecimento de elementos mais adequados e claros aos consumidores, que constantemente se deparam com dificuldades para compreender as informações nutricionais da maneira como ela é apresentada nos rótulos. Com isso, a pessoa poderá atuar no mercado de alimentos de maneira mais consciente e com referências seguras e abrangentes para selecionar as suas alternativas alimentares.

Atualmente, estão sendo levados a debates importantes pontos estabelecidos na Agenda Regulatória 2017-2020 da Anvisa, instrumento de planejamento que congrega, entre seus temas, a área alimentar, sendo conferida especial atenção e prioridade a dois de seus subtemas: a “rotulagem de alimentos” e a “promoção comercial e publicidade de alimentos”8.

Serão discutidas e propostas diversas alterações nos rótulos e parâmetros para a parte frontal das embalagens, com possibilidade de adoção da sinalização semafórica, em que as cores indicariam a existência de grande quantidade de sódio, açúcar, gorduras saturadas, gorduras totais, gorduras trans e adoçantes, dentre outros componentes.

Opção defendida pela Opas, em substituição à sinalização semafórica, implica na inserção de selos frontais contendo indicação sobre o alto teor desses nutrientes críticos da seguinte forma: “muito açúcar”, “muito sódio”, “contêm adoçantes” ou “contém gordura trans”. O padrão de inserção de selos de advertência foi adotado recentemente pelo Chile, após estudos científicos e pesquisas de opinião apontarem que a informação prestada dessa forma simples e direta auxilia os consumidores a identificarem os excessos desses componentes indesejados9.

Além disso, cogita-se a proibição de estímulos visuais destinados às crianças, como personagens e desenhos animados, inseridos nos recipientes dos alimentos processados ou ultraprocessados, que, não raro, atuam como fator determinante na decisão de compra, independentemente da qualidade do produto.

Deverá ser avaliado, também, impedimentos à presença de afirmações que induzam o consumidor a acreditar que está diante de alimento saudável quando, na verdade, a lista de ingredientes indica o oposto.

Outra mudança esperada se refere à tabela nutricional, com a estipulação de dados mais padronizados, a fim de auxiliar o consumidor na comparação entre produtos de marcas e tamanhos diferentes.

São constantes os alertas emitidos por diversas organizações internacionais, como OMS, Opas e FAO, no intuito de incentivar as pessoas a adotarem uma alimentação mais natural, apontando os riscos que o excesso da ingestão de produtos ultraprocessados representam à saúde. Nesse sentido, é perceptível que as políticas públicas atingem um nível mais satisfatório de realização, quando o consumidor tem uma melhor compreensão sobre os malefícios a que está submetido.

O cenário atual é, portanto, bastante promissor, com a expectativa de importantes adequações nas embalagens dos alimentos industrializados em função das recomendações das referidas organizações internacionais para a prevenção dos males causados por uma alimentação rica em ultraprocessados. Espera-se, para tal, que os setores envolvidos e, principalmente, a população e entidades representativas dos consumidores participem ativamente, promovendo o amadurecimento das questões em tela, com o alcance de benefícios efetivos para a sociedade.

A busca pela informação adequada e clara nos rótulos dos alimentos fortalece a autonomia dos indivíduos, possibilitando o consumo mais racional. Assim, as pessoas conseguirão fazer escolhas de maneira fácil e fundamentada, sobre a conveniência de adquirir determinados produtos, conforme as suas convicções e objetivos, podendo, caso queiram, limitar ou excluir a ingestão de alimentos com pouco valor nutricional, garantindo uma alimentação mais saudável, que resulte em melhor qualidade de vida.


1 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington, DC, USA: 2016, pág. 14.
2 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes. Washington, DC, USA: 2014, págs. 13 e 14.
3 Idem, pág. 8.
4 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília/DF. 2013. 1ª edição. 1ª reimpressão. pág.13.
5 Disponível em: http://www.fao.org/americas/noticias/ver/pt/c/466066. Acesso em 11 de fevereiro de 2018.
6 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington, DC, USA: 2016, pág. 5.
7 Lei 9.782/99, artigo 3°, define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e dá outras providências.
8 Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/anvisa-define-planejamento-regulatorio. Acesso em 11 de fevereiro de 2018.
9 Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5541:rotulos-de-alimentos-no-brasil-devem-ser-mais-claros-defende-opas&Itemid=839. Acesso em 12 de fevereiro de 2018.

Autores

  • Brave

    é advogada especializada em Direito do Consumidor. Tem pós-graduação em Ordem Jurídica e Ministério Público e em Direito do Consumidor e Magistério Superior. É membro da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal e associada ao Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!