Opinião

Direito ao silêncio é seletivo porque Ministério Público é justiceiro

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11 de fevereiro de 2018, 8h00

Ao ler a notícia “Juíza de Brasília reclama de 'silêncio seletivo' de réus em ação penal”, escrita por Marcelo Galli na ConJur, me vi na urgência de tecer essas breves palavras, me insurgindo contra tal interpretação negativa de um direito de defesa, que vem sendo atacado constantemente nos dias atuais, talvez os mais sombrios da história nacional para quem vem a responder a uma ação penal.

Segundo o autor da matéria, cujo tema é eventual desequilíbrio no processo penal em virtude do direito ao silêncio invocado por alguns réus, a juíza Ana Claudia Loyola de Morais Mendes, da 1ª Vara Criminal de Brasília, teria se insurgido quanto à opção destes acusados, ao invocarem tal garantia constitucional somente diante das indagações do Ministério Público, afirmando a magistrada que “a recusa dos réus desequilibrou os instrumentos processuais em benefício da defesa e configurou uma tentativa, novamente, de prejudicar o estado, e não o Ministério Público”.

Quanto uso do direito ao silêncio invocado por um réu, ora apontado de seletivo — como se isso fosse um adjetivo negativo — necessário relembrar, primeiramente, a possível causa dessa postura, totalmente legítima, adotada por alguns réus. Não houvesse, há tempos, grande parte dos integrantes do Ministério Público abandonado sua função primária de fiscal da lei, em buscada verdade real – ao invés de almejar uma condenação a qualquer custo —, não tenho dúvida, como advogado de defesa, que os acusados teriam o maior interesse em responder as perguntas do parquet.

Entretanto, hoje, a figura do membro ministerial é, unicamente,a de acusador. Portanto, na ótica acusatória, nada que o réu diga será interpretado, minimamente, em seu favor. Então, por que se submeter às perguntas de quem não quer esclarecer, mas sim condenar, quando a Constituição Federal lhe garante o direito a se calar?

Quanto ao segundo ponto da matéria, referente à consequência do ato de silenciar, qual seja, o alegado desequilíbrio processual causado por tal exercício de um direito, ingênuo seria desconsiderar que tal desequilíbrio na relação processual já existe há muito tempo, e pendendo em favor da acusação. O Desequilíbrio está presente, por exemplo, no local onde se senta o membro do Ministério Público numa sala de audiências, acima das defesas e ao lado do magistrado, falando-lhe ao pé do ouvido.

O desequilíbrio existe também no tempo que o membro ministerial dispõe para estudar e acompanhar em sigilo os autos de uma investigação, muitas vezes durante meses antes da deflagração de uma operação policial, na qual o investigado é conduzido coercitivamente e seu advogado sequer pode ler o material existente antes da oitiva de seu cliente. Desequilíbrio é o Ministério Público poder investigar sem ninguém lhe fiscalizar, sem sofrer controle externo. Ou seja, a lista de desequilíbrios em prol da acusação é vasta.

O tão atacado direito de permanecer calado, não só garantido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, LXIII, mas também pelo Código de Processo Penal, em seu artigo 186, não importará em confissão e não poderá sequer ser interpretado em prejuízo da defesa, sendo que em nenhum dos diplomas citados há vedação ao silêncio parcial. Ao oposto, o código processual no citado artigo diz “…o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”. Ou seja, no seu direito “de não responder perguntas que lhe forem formuladas” há clara possibilidade de seletividade das indagações.

Por certo, não há qualquer impeditivo expresso de se negar apenas contra essa ou aquela indagação. Aliás, nos tempos atuais em que o Ministério Público se espelha tanto no direito norte-americano, vale lembrar que lá o direito da não autoincriminação pode ser invocado a cada pergunta que é feita a um acusado, perante o grande júri.

Então, é preocupante ver magistrados e membros do Ministério Público interpretarem o direito ao silêncio “seletivo” como algo a ser combatido. Infelizmente, é necessário lembrar o básico, que o interrogatório é o momento de autodefesa do acusado e que nosso sistema constitucional não admite a autoincriminação obrigatória. Conforme diz a lei processual (artigo 186, parágrafo único, do CPP): “O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. Então, como se obrigar um acusado a responder ao órgão acusatório, que, repita-se, não está ali em busca da verdade dos fatos, mas tão somente de uma condenação?

Por fim, para quem acusa tal exercício de direito de ser uma estratégia “indigna e covarde”, cumpre dizer, nos tempos atuais, o seguinte: estratégia indigna e covarde é, ao invés de intimar um investigado para prestar depoimento, conduzi-lo coercitivamente para que não tenha acesso aos autos e para que não possa se reunir adequadamente com seu advogado, a fim de ser devidamente inteirado do teor das investigações e melhor responder às indagações para esclarecimento dos fatos. Covardia é se requerer uma prisão preventiva, mesmo sem elementos concretos para tanto, no intuito de, com a mais drástica das medidas cautelares, arrancar uma delação premiada do sujeito. Isso sim é indigno.

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