Opinião

Indício deve ser aplicado com cautela no processo penal

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11 de fevereiro de 2018, 10h04

“A suspeita grave por si só é o bastante para condenar, não se admitindo nenhum tipo de defesa nesse caso”.
Eymerich, 1376, Directorium Inquisitorum (Manual dos Inquisidores).

O Código de Processo Penal, que está em vigor desde 1940, diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, enumerando o indício como uma espécie de prova que pode ser apresentada no processo e, assim, que poderá servir para convicção de julgamento.

A convicção de um julgador, em matéria penal, pode ser fundada em uma presunção? Segundo o Código de Processo Penal brasileiro, sim. No entanto, para além de uma leitura rápida da lei, não pode ser defendido que o indício seja aceito como única prova para uma condenação.

Existe uma barreira jurídica e outra de interpretação sobre o mesmo que está para além de dizer que indício é prova já que o código o disse que o é, e porquanto o julgador julga livremente. Primeiro porque o julgador julga motivadamente.

Como barreira jurídica o indício se depara com o artigo 158 do Código de Processo Penal, para o qual toda a infração que deixar vestígios tornará indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Ou seja, não se pode presumir um homicídio, é necessário demonstrar pericialmente que houve morte. Lembrando a máxima que existe morte sem corpo, mas não existe homicídio sem morte. Assim, algumas vezes indícios podem levar a crença que houve um homicídio, mas a perícia é a barreira para evitar erros como o caso dos irmãos Naves ou da Escola Base de São Paulo.

Como barreira de interpretação, o indício se depara com o princípio de inocência, isto é, sendo a única prova, sua conclusão deve ser uma interpretação mais benéfica ao réu. Logo, sobrevém a necessidade de provas sólidas que permitam autonomamente sustentar aquilo que indiciariamente também se conclui. Ou seja, em razão do princípio de inocência, a presunção que se faz sobre um caminho também necessita amparo em provas diversas, sob pena de se presumir de forma mais benéfica ao réu.

Mas o que é indício? Segundo o Código de Processo Penal, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Inegável que a conclusão sobre o fato é advinda da imaginação de quem faz o processo de indução.

Tomemos o seguinte exemplo: uma vítima de homicídio por disparo de arma de fogo. Agora, uma primeira hipótese: a ranhura balística encontrada em uma munição, retirada de um corpo, no qual a conclusão pericial foi de que a morte se deu em razão do dano causado pelo projétil. Indício: para encontrar o autor do crime basta encontrar o dono da arma. Assim sendo, a arma é uma circunstância conhecida e provada que disparou determinado projeto, por indução, foi o seu dono quem fez o disparo. Por isso, caso seja encontrada a arma, encontrar-se-á o assassino.

O juiz poderia condenar o dono da arma somente com base neste indício? Ou necessita de haver provas outras que demonstrem, por exemplo, que a arma sempre esteve em poder do seu dono, que o mesmo esteve no local do crime, que foi ele quem disparou a arma, etc .?

Pode haver condenação quando um indício encontra amparo em outro indício? Deve ser dada a mesma forma de abordagem, isto é, barreira jurídica do art. 158 e interpretação mais benéfica para o réu. Ou seja, uma presunção, por si só, não pode ser base para outra presunção.

Seguindo no exemplo acima exposto: a munição foi encontrada no corpo da vítima, sendo que sem o projétil não haveria morte, logo, quem comprou a munição é o autor do crime (hipótese 2). Se somar a prova que o dono da arma também comprou a munição, duas hipóteses convergem a mesma pessoa, ou seja, dois indícios diferentes levam a uma verdade(?): pode haver condenação?

Situação três: uma testemunha relata que o dono da arma e a vítima se conheciam. E situação quatro: outra testemunha diz que o dono da arma e a vítima já se envolveram em brigas no passado.

Em suma, pode o juiz presumir culpa com indícios estranhos ao fato penal? Observar que todos os fatos acima não colocam o dono da arma no local do crime. Melhor dizendo, o dono da arma, que adquiriu a munição, que foi usada na sua arma para causar a morte de alguém, por conhecer a vítima e já ter se desentendido e brigado com ela no passado… é, por indução, o autor do crime? Muito bem leciona Lenio Streck, “Não é o juiz que faz a prova nem é o juiz que intui provas”[1].

O que se quis demonstrar é que o indício é uma forma válida de analise de hipóteses e não há por que uma nova lei processual penal abdicar de sua conceituação enquanto análise de hipóteses para confrontar provas e teses. Contudo, por razões jurídicas e por princípios penais, o indício não pode ser considerado como sendo a prova, principalmente quando for exclusivo para impor uma sentença condenatória.

Contudo, o uso de indícios, de uma forma secundária, pode ser usado para fortalecer um julgado que possui provas sólidas de culpa. Por exemplo: a pólvora encontrada em perícia no braço do “dono da arma”, com filmagens que colocam o dono da arma no local do crime, formando um contexto compatível com os vestígios do crime, somado aos indícios acima narradas, tornam um conjunto de convencimento sólido de que o mesmo fez o disparo de arma de fogo que gerou a morte. Mas a conclusão da hipótese causou a morte ainda não afasta a possibilidade excludente de ilicitude, inimputabilidade, erros etc.

Prova e convicção não são sinônimos. A convicção processual depende de provas que estejam dentro do processo e que não sejam puras presunções, principalmente quando essas convicções são internas de quem julga ou investiga, ou estejam no imaginário externo ao processo.

Feita esta análise, cabe uma olhada sobre o Supremo Tribunal Federal: o HC 97.781/PR, de relatoria do ministro Marco Aurélio e que teve votos-vistas dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, no qual houve divergência sobre a conclusão condenatória por indícios e presunções.

Voto vencido, o ministro Marco Aurélio registrou a impossibilidade de decreto condenatório a partir de elementos indiciários: “Se é certo que os indícios não merecem a excomunhão maior, não menos correto é assentar-se a insuficiência em se tratando de prova necessária a embasar uma condenação criminal”.

No entanto, para o ministro Luiz Fux “através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, o julgador pode, mediante raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta”.

Da mesma forma Dias Toffoli, reafirmando que os indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contra indícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente.

Eis que o ônus da prova é do réu de, para além de indícios, provar a sua liberdade. Mas Alexandre Morais da Rosa, já vem apresentando a sua Teoria dos Jogos há algum tempo[2].

Por fim, importante acentuação faz Nicolitt[3] sobre a prova indiciária. Para o autor, o indício pode fornecer elementos para motivada convicção do julgador, salientando que o valor desta prova é tão frágil quanto uma regra de experiências (probabilidades com base em fatos passados) ou até mesmo podendo ser categórica, quando a conclusão do silogismo se depara com a contradição (quem provadamente estava em um lugar, por conclusão lógica não estava em outro). Por isso, a advertência de Aury Lopes Jr[4], para o qual não se pode confundir provas com indícios, ainda que toda a prova seja um indício do que ocorreu.

 


[2] “[…]a presunção de inocência milita justamente sob o viés de que o acusado nada precisa provar, mas desfalece, via dissonância cognitiva, como metanarrativa diante das estruturas condicionadas à condenação, em que o utilitarismo e pragmatismo tornam a condenação o produto certo, o que deve ser entregue na lógica de produção. Coluna Limite Penal, da ConJur: “Entender como funciona o jogo processual será decisivo”.

[3] André Nicolitt, Manual de Processo Penal, 5ª Ed., São Paulo: revista dos Tribunais, 2014, p. 683.

[4] Direito Processual Penal, 12 ed., 2015. São Paulo: Saraiva, p. 514.

Autores

  • Brave

    é advogado, mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS, especialista em Direito Empresarial pela FSG, professor de Direito Processual Penal e Direito Penal Econômico, conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, além de membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal.

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