Atitude temerária

Entidades reagem a opinião de diretor-chefe da PF sobre inquérito de Temer

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10 de fevereiro de 2018, 12h04

Causou mal-estar na Polícia Federal a declaração do diretor-geral da PF, Fernando Segovia, de que a tendência é que a corporação recomende o arquivamento da investigação contra o presidente Michel Temer no chamado inquérito dos portos. A declaração foi feita em entrevista à agência Reuters. Segundo Segóvia, não foram encontradas provas nas investigações.

Além disso, o diretor-chefe afirmou que seria possível abrir investigação interna para apurar a conduta do delegado Cleyber Malta Lopes pelos questionamentos enviados a Temer no caso. Na ocasião, a defesa do presidente disse que as perguntas colocavam em dúvida a “honorabilidade e a dignidade pessoal” do presidente.

Em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) afirmou que, "independentemente da posição que ocupe na instituição, nenhum dirigente deve se manifestar sobre investigações em andamento. Seja para fazer observações sobre os elementos colhidos ou para antever conclusões, que são de atribuição exclusiva da autoridade policial que preside o inquérito policial".

A entidade criticou ainda a possibilidade de apuração contra o delegado Cleyber Malta Lopes: "Nenhum delegado pode ser alvo de apuração por fazer perguntas a um investigado, independentemente de quem seja ele ou do cargo que ocupe. É natural que interrogados se melindrem com alguns questionamentos da autoridade policial, porém cogitar qualquer tipo de punição seria forma de intimidação e mitigação da autonomia investigativa prevista no ordenamento jurídico", diz a associação, pedindo que qualquer representação nesse sentido seja arquivada.

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) também publicou nota criticando a atitude de Segóvia. "É sempre temerário que a direção-geral emita opiniões pessoais sobre investigações nas quais não está diretamente envolvida. A Polícia Federal trabalha com independência, de modo que eventuais declarações à imprensa não afetarão a rotina dos colegas dedicados à apuração citada pelo diretor."

Claudio Lamachia, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, diz que não é apropriado nem recomendável que o diretor-chefe da Polícia Federal dê opiniões a respeito de investigações em curso, sobretudo porque manteve recentemente reuniões com Michel Temer.

Quanto à possibilidade de punição ao delegado que conduz o inquérito sobre o presidente da República, Lamachia afirma que é preciso "observar que o investigador deve ter sua liberdade e independência preservadas. Ao agir de acordo com a lei, o investigador não comete ilícito".

Leia a íntegra das notas:

Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal
Independentemente da posição que ocupe na instituição, nenhum dirigente deve se  manifestar sobre investigações em andamento. Seja para fazer observações sobre os elementos colhidos ou para antever conclusões, que são de atribuição exclusiva da autoridade policial que preside o inquérito policial, quando do relatório final, conforme estabelece o artigo 10, § 1º do Código de Processo Penal, sob pena de violar prerrogativas dos delegados e fragilizar os resultados, quaisquer que sejam eles, dos trabalhos investigativos.

Toda representação dirigida à Polícia Federal deve ser analisada e, se admitida, apurada nos termos das leis e regulamentos. É prerrogativa do Delegado de Polícia ouvir testemunhas e investigados. Nenhum delegado pode ser alvo de apuração por fazer perguntas a um investigado, independentemente de quem seja ele ou do cargo que ocupe. É natural que interrogados se melindrem com alguns questionamentos da autoridade policial, porém cogitar qualquer tipo de punição seria forma de intimidação e mitigação da autonomia investigativa prevista no ordenamento jurídico.

Portanto, uma representação que verse sobre desconforto do Presidente da República em relação às perguntas que lhe foram encaminhadas deve ser liminarmente arquivada, por falta de justa causa, uma vez que no inquérito policial não vigem relações hierárquicas de qualquer natureza.

A ADPF espera que o diretor-geral garanta, nas palavras e nos atos, os instrumentos necessários para que os delegados exerçam suas atribuições de forma técnica e republicana, sem temor por reações do poder político e econômico e declare publicamente o compromisso com a aprovação da PEC 412, que prevê a inclusão da autonomia da Polícia Federal na Constituição Federal e dormita no Congresso Nacional desde o ano de 2009".

Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)
É sempre temerário que a direção-geral emita opiniões pessoais sobre investigações nas quais não está diretamente envolvida. A Polícia Federal trabalha com independência, de modo que eventuais declarações à imprensa não afetarão a rotina dos colegas dedicados à apuração citada pelo diretor. Entre os elementos que garantem a isonomia da PF estão os laudos produzidos pela perícia criminal federal, que é uma carreira submetida, por força de lei, à necessidade de agir com equidistância das partes. Os laudos garantem a sustentação científica da investigação e do processo criminal.
Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)".

Conselho Federal da OAB
"As instituições precisam transmitir credibilidade para a sociedade. Nesse sentido, não me parece recomendável, nem é apropriado, que o diretor-geral da Polícia Federal dê opiniões a respeito de investigações em curso, sobretudo porque, recentemente, manteve reuniões com o investigado. O momento do país pede o fortalecimento das instituições.

Quanto à possibilidade de punição ao delegado que conduz o inquérito sobre o presidente da República, devemos observar que o investigador deve ter sua liberdade e independência preservadas. Ao agir de acordo com a lei, o investigador não comete ilícito".
Claudio Lamachia, presidente nacional da OAB

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