Prerrogativa da classe

Auxílio-moradia não é penduricalho, diz representante de juízes paulistas

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8 de fevereiro de 2018, 10h37

A retomada dos debates sobre auxílio-moradia a juízes, que pode entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal, fez a Associação Paulista da Magistratura decidir se posicionar de forma firme em defesa do benefício.

O novo presidente da Apagamis, Fernando Bartoletti, afirma em entrevista à ConJur que a ajuda de custo não é sinônimo de privilégio, por uma razão simples: está na Lei Orgânica da Magistratura (artigo 65) desde 1979 — embora só tenha tornado-se realidade a partir de liminar do ministro Luiz Fux, em 2014.

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Para Fernando Bartoletti, presidente da Apamagis, ajuda de custo foi aprovada sob o fundamento de respeito à Constituição.
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Por não ter nenhuma vírgula que condicione o repasse, ele considera que se trata de direito individual, válido mesmo se o juiz tem imóvel próprio ou cônjuge na mesma situação. A norma também não pode ser vista sob o ponto de vista moral, avalia.

“Somente se excepciona o pagamento se há residência oficial à disposição do juiz. Se não existe, eu tenho direito, porque sou obrigado a residir na comarca. Isso é uma questão individual de cada magistrado”, diz o presidente da entidade, que reúne mais de 3 mil juízes.

Formado pela Faculdade de Direito da USP e titular da 2ª Vara da Fazenda Pública de Piracicaba, Bartoletti foi chefe do gabinete civil da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo até 2017, na gestão do desembargador Paulo Dimas Mascaretti.

Leia a entrevista:

ConJur — Como diferenciar o que é direito da magistratura do que é penduricalho?
Fernando Bartoletti —
Quando há direitos na lei orgânica, você nunca pode taxar de privilégio ou penduricalho. Privilégio é aquilo que se dá àquele que não tem direito. Se a lei dá o direito, o juiz tem de exercê-lo. Essa é uma regra para qualquer cidadão. Não se pode examinar uma lei ou uma postura legal sob o campo moral, porque o que é moral para uma determinada parte da sociedade pode ser imoral para outra.

Esse tipo de questionamento deveria ter sido colocado antes da aprovação da lei. Se a norma foi aprovada, a princípio tem presunção de que respeita a Constituição, inclusive um dos seus princípios, sobre a moralidade dos atos da administração pública. Agora, simplesmente falar que todo magistrado tem penduricalho é um desserviço e desvaloriza a magistratura como um todo.

Se há desvios ou eventuais abusos, vamos apontar quais são. E que se vá pelas vias judiciais ou administrativas questionar o fato e ver se aquilo deve continuar ou não. Mas não se pode colocar de forma geral ou genérica, como se qualquer coisa que o magistrado receba além do subsídio é privilégio ou penduricalho. Muitas dessas vantagens pecuniárias estão previstas em lei. Quem entra na carreira estava contando com aquilo. O auxílio-moradia existe na nossa lei orgânica desde a década de 70. Tem previsão clara: ajuda de custo para moradia.

ConJur — Parece um problema novo…
Fernando Bartoletti —
 Parece um problema novo, mas nunca foi seguido. O Estado nunca cumpriu com isso. E passou a cumprir a partir do momento em que houve uma reclamação e houve acolhimento dentro de um processo judicial numa liminar que está no Supremo, estendendo a todos os magistrados o benefício que era dado aos parlamentares.

E por que houve a extensão de forma geral e genérica? Porque está no texto, nunca revogaram isso. Se o poder público não tem residência oficial, o magistrado tem direito ao auxílio-moradia — que na nossa lei não recebe o nome ajuda de custo, tecnicamente a natureza é a mesma de indenização.

ConJur — O senhor considera necessária essa ajuda de custo?
Fernando Bartoletti —
Se você for buscar na Constituição e na própria Loman, o juiz é obrigado a residir na comarca onde é promovido ou transferido. Ele é obrigado a morar ali ou, se não houver moradia por perto, pode morar ali perto por autorização do tribunal. Mas o auxílio não é para ele pagar hotel, não é para pagar despesa de flat, é para ele morar… Morar no sentido de moradia. Não se confunde em ser proprietário de imóvel.

ConJur — Mesmo que tenha imóvel próprio?
Fernando Bartoletti —
Somente se excepciona o pagamento se há residência oficial à disposição do juiz. Se não existe, eu tenho direito, porque sou obrigado a residir na comarca. Isso é uma questão individual de cada magistrado. Então o magistrado promovido para uma determinada cidade tem que morar ali.

Da mesma forma, se eu sou deslocado para ir a uma cidade que não é a minha comarca, vou fazer um serviço extraordinário. Eu tenho direito à diária pelo deslocamento. E a diária é para fazer o quê? Cobrir a despesa de condução, alimentação, tudo.

Se sou deslocado para uma cidade onde tenho parentes e vá ficar na casa desses familiares, não tenho mais direito a receber essa diária? Eu não estou tendo deslocamento? São coisas que você começa a tentar mudar o sentido daquele instituto, daquela norma que é da diária ou do auxílio-moradia.

Então o juiz sempre teve esse direito. É que não pagavam até então, agora estão pagando. Modular isso eu acho difícil. Primeiro porque a norma não permite modulação. A norma fala só quando tiver residência oficial. É o único impedimento.

ConJur — Há residência oficiais disponíveis?
Fernando Bartoletti —
Posso falar sobre o estado de São Paulo, onde algumas comarcas tinham residência oficial — uma casa cedida pela prefeitura ou um imóvel da Secretaria da Justiça. Hoje não há mais isso, porque esses imóveis deterioraram ou viraram anexos ao fórum. Dentro do estado de São Paulo, não existe nenhum lugar com residência oficial disponível em condições para ser usada por um magistrado.

Então todos acabam recebendo desde que cumpram o que está na resolução. Na verdade, o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], para clarear, digamos assim, disciplinou quais eram os procedimentos que os magistrados deveriam seguir para fazer jus a isso. Mas eu insisto que isso decorre do cargo, do exercício do cargo, por disposição constitucional que eu tenho que morar na comarca, eu tenho que residir na comarca.

ConJur — O CNJ tem competência, na sua opinião, para restringir o benefício a quem tem cônjuge que já recebe o benefício?
Fernando Bartoletti —
O CNJ deu uma disciplina, uma forma para que você pudesse requerer esse benefício e receber. Uma das vedações ocorre quando um dos cônjuges já recebe o mesmo benefício. Volto a insistir: isso não é privilégio, decorre do exercício do cargo, então é direito individual. Ele tem direito a receber o beneficio, porque está na lei. A lei por sua vez não fala, não tem nenhuma vírgula dizendo que é para pagar despesa de hotel, de flat, de hospedaria, nada. Por isso não tem que comprovar, da mesma forma como ocorre com os auxílios alimentação e transporte.

Por ser um direito individual, todos têm direito a receber. Enquanto não for mudada a legislação, é ônus do Estado colocar no orçamento o valor para custear isso, como faz com o Congresso Nacional e com outras carreiras de Estado com benefícios similares.

Diplomatas, por exemplo, quando são deslocados para outros países, têm uma verba a mais ou residência locada ou custeada pelo Brasil. Os militares também, quando servem lá fora. Cada carreira tem sua especificidade e tem, digamos assim, seus direitos para compensar trabalho que é diferente.

ConJur — Por isso não entra no teto, na sua avaliação?
Fernando Bartoletti — 
Veja, a questão do teto é outra briga que vem de falta de informação. O teto foi imposto para quê? Para limitar o ganho de qualquer servidor público. Foi escolhido o teto do ministro do Supremo. Mas é o teto de remuneração das atribuições ordinárias. Qualquer atividade que ele exerça de forma extraordinária tem que ser remunerado por algum valor.

Então é uma questão de examinar na técnica jurídica o que é subsídio e o que é teto. Subsídio é base de teto. Qualquer coisa que se faça fora daquilo por obrigação legal, acumulando vara, se deslocando para ir para outra comarca, indo servir na Justiça Eleitoral, o magistrado tem de receber por aquilo.

O funcionário, quando trabalha com hora extra, não recebe? Quando ele tem uma atividade insalubre, não tem adicional? A mesma coisa é o servidor público. Então o subsídio tem como parâmetro o teto do vencimento pago às atribuições ordinárias. Qualquer atribuição diferente não pode ser colocada dentro do teto. Não faz sentido colocar diárias para dentro do teto, plantão para dentro do teto, remuneração eleitoral para dentro do teto.

* Texto atualizado às 14h06 do dia 15/2/2018 para correção.

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