Caça às bruxas

Hoje pratica-se a regra da prisão provisória definitiva, critica Gilmar Mendes

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6 de fevereiro de 2018, 14h46

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defendeu que a corte volte a discutir a possibilidade de execução antecipada da pena. De acordo com ele, hoje o que se pratica, inclusive na operação "lava jato", é a regra da prisão provisória definitiva.

Dorivan Marinho/SCO/STF
Gilmar Mendes afirmou que prisão antecipada "se tornou imperativa, nesse ambiente de caça às bruxas".
Dorivan Marinho/SCO/STF

"A gente tem pessoas presas provisoriamente. Tem a sentença que confirma e em segundo grau ele está preso preventivamente. A prisão começou em primeiro grau com o decreto da prisão provisória. Isso é que precisa ser discutido e avaliado", disse o ministro, que concedeu entrevistas ao jornal Folha de S.Paulo e à rádio CBN.

Gilmar Mendes afirmou que, independentemente do caso envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a questão deve ser discutida. Isso porque, segundo ele, desde a decisão do STF permitindo a execução antecipada da pena, os tribunais começaram a aplicar a prisão de forma automática, sem analisar a necessidade de cada caso.

"Virou regra, como se tivesse sido um axioma. Se tornou imperativa, nesse ambiente de caça às bruxas", afirmou o ministro. Nesse contexto, concluiu que cabe ao Supremo fazer uma avaliação para saber o que é o mais equilibrado. Gilmar Mendes lembrou que o ministro Dias Toffoli apresentou uma proposta intermediária, para que a execução da pena somente aconteça após decisão do Superior Tribunal de Justiça.

A questão deve ser discutida pela corte em duas ações que ainda não tiveram seus méritos analisados. Nelas, o Partido Ecológico Nacional e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pedem para a corte revisar o entendimento sobre o tema. O relator das ADCs, ministro Marco Aurélio, já afirmou que pretende levar o caso ao Plenário do Supremo.

Críticas aos ministros
O STF tem sido alvo constante de críticas, pressionado por cada decisão tomada. Nesse ponto, o ministro critica a atuação de parte de seus colegas de trabalho e da mídia, que, segundo ele, se tornaram uma espécie de "caixa de ressonância do Ministério Público".

Gilmar Mendes reconheceu que, durante o governo Lula, teve um temor de que houvesse um tipo de "bolivarianização" do tribunal, de se indicar agentes políticos para novas vagas. No entanto, segundo ele, o que houve foi o inverso. 

"Hoje a gente vive uma bolivarianização de forma invertida. Não é mais um agente político que manda o tribunal decidir desta ou daquela maneira. Alguns ministros, em alguns casos, decidem de acordo com o que as ruas podem imaginar que é justo. Nossa função é decidir de forma contramajoritária. E não bater palma para maluco dançar", afirmou.

Segundo Gilmar Mendes, hoje estamos vivendo uma fase populista da sociedade e as pessoas têm medo de serem criticadas, atacadas, ou de sofrerem, em sua vida pessoal, um escrutínio mais forte por parte da mídia, o que, diz ele, é comum quando se nada contra a corrente.

"Acabou-se criando, em muitos casos, restrições ao Habeas Corpus, o que viola a tradição do STF, ou a conversão do tribunal, em muitos casos, em mero órgão de chancela da Procuradoria."

Para o ministro, está havendo uma louvação de argumentos inconsistentes, inclusive no Judiciário. Um exemplo citado por ele é a liminar da ministra Cármen Lúcia que suspendeu parcialmente as regras do indulto natalino.

"Disseram que o indulto beneficiaria presos na operação 'lava jato'. E não se mostra um réu da 'lava jato' que seria beneficiado. Não obstante, a procuradora-geral pede e a presidente do Supremo confirma, com esse argumento."

Auxílio-moradia
Ao falar sobre o auxílio-moradia, Gilmar Mendes disse que essa é apenas a ponta do iceberg dos problemas do Judiciário e defendeu que seja rediscutida a autonomia financeira dos tribunais.

O ministro aponta que, principalmente no Judiciário estadual, há casos de juízes que recebem até o triplo do teto constitucional. Ele conta que foi informado pelo ministro João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, que no Maranhão foi pago o auxílio-moradia retroativo a 2011. "Em um estado que não está pagando policiais, que teve greve de policiais, isso fica difícil de se explicar. Se tornou uma verba normal, remuneratória", disse.

Gilmar rebateu também o argumento apresentado pelo juiz Sergio Moro de que o benefício compensaria a falta de reajuste nos salários. "As situações mais esdrúxulas mostram que 'Ah, bom. Nós estamos ganhando pouco. Não houve revisão (salarial), então vamos dar um jeito'. Dar um jeito é o quê? Pedir uma liminar aos colegas? Isso compromete a magistratura e é um problema de responsabilidade fiscal."

Ficha limpa
O ministro, que deixa nesta terça-feira (6/2) a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, falou ainda sobre a possibilidade de revisão da ficha limpa. Gilmar Mendes afirmou que não há espaço para questionar a lei, uma vez que o Supremo já reafirmou mais de uma vez sua constitucionalidade.

"A inelegibilidade depois de uma condenação em segundo grau talvez seja uma das poucas certezas que a gente tenha em relação à Lei da Ficha Limpa. A não ser que se consiga a suspensão da condenação no âmbito penal, a pessoa está fora do processo. A condenação é quase que uma inelegibilidade aritmética", complementou, afirmando acreditar que o ex-presidente Lula não consiga concorrer em 2018 devido a sua condenação na "lava jato".

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