Motivo revelado

Moro justifica sigilo sobre delações dizendo que é pela segurança de delatores

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5 de fevereiro de 2018, 17h03

As defesas de acusados na operação “lava jato” já foram aos tribunais inúmeras vezes reclamar do sigilo imposto a delações de outros réus. Ao condenar três ex-gerentes da Petrobras, nesta segunda-feira (5/2), o juiz federal Sergio Moro respondeu que as limitações servem para manter a segurança dos delatores, pois as colaborações contêm "endereços" e outras informações que podem expô-los a riscos.

“Tem este juízo por praxe negar o acesso aos próprios autos do acordo, uma vez que neles constam dados relevantes sobre endereço, bens, deslocamentos dos colaboradores, cuja exposição poderia envolver certo risco”, disse o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, ao responder questionamento da defesa de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras, que foi condenado a nove anos e seis meses de prisão.

Ao pedir o acesso, a defesa de Ferreira alegou que essas limitações permitiram que provas importantes fossem escondidas. Para Moro esse argumento é mentiroso e “pura especulação”. “Há outros elementos probatórios, sim, mas que envolvem corrupção em outros contextos, outras empresas, outras pessoas, e que, por ora, estão sob sigilo, já que ainda sob investigação e não compõem o objeto da presente ação penal”, defendeu o magistrado.

A maior parte dos advogados que atuou no processo também pediu a invalidação das acusações pela falta de informações apresentadas pelo Ministério Público Federal. Moro negou esses pedidos, mesmo confirmando ser possível questionar a denúncia pela falta de descrição "de detalhes do fluxo financeiro” envolvendo alguns supostos crimes por conta “dos lapsos da investigação, já que não foi possível […] o rastreamento perfeito dos valores”.

Agência Brasil
Moro defendeu restrição a acesso em delações para manter segurança delatores.
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Apesar disso, o juiz federal defendeu a atuação do MPF, alegando que o material apresentado “descreve o que reputa como provas das condutas de corrupção e de lavagem”. Como exemplo, citou a “manutenção de valores milionários em contas no exterior pelo gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira”.

Argumento usado
Esse mesmo argumento foi usado para prender preventivamente a vizinha do triplex em Guarujá atribuído ao ex-presidente Lula. Ela foi conduzida coercitivamente e ficou um mês presa acusada por Deltan Dallagnol de participar do esquema de corrupção na Petrobras porque, além de morar ao lado do imóvel apontado como prova de corrupção, mantinha um trust no exterior.

Na decisão que definiu sua prisão temporária, posteriormente convertida em preventiva, Moro explicou que "constituir ou utilizar empresas offshores não é crime nem ilegal", mas detalhou que se essas companhias forem usadas para lavar dinheiro ou ocultar fraudes, isso constitui crime. Ao determinar a medida, o juiz federal a justificou citando os riscos à investigação por eventuais fraudes ou provas destruídas.

No fim das contas, segundo investigações posteriores à prisão, a vizinha do triplex, que é empresária, enviou dinheiro ao exterior por indicação do seu então advogado, que lhe sugeriu os serviços do Escritório Mossack Fonseca — investigado justamente por supostamente auxiliar a remessa também de montantes ilícitos para o exterior. Até o momento, nada foi encontrado que a ligue aos desvios cometidos na Petrobras.

Delator não é parte da acusação
Advogados de parte dos acusados também alegaram vício procedimental defendendo que o prazo para alegações finais só deveria ter sido aberto após as últimas manifestações das defesas dos delatores. Mas Moro rebateu afirmando que afirmação “de acusado colaborador não equivale à acusação”. “Não cabe mudar o Código de Processo Penal com base em interpretações criativas”, complementou.

Outro ponto questionado pelas defesas foi a validade das provas obtidas por meio de quebra de sigilo fiscal por investigação independente da Receita Federal. Moro justificou essa possibilidade citando o modelo de operação dos desvios cometidos na Petrobras, que envolvia empreiteiras fornecedoras da estatal, empresas de fachada e contratos de prestação de serviços.

Ele contou que, a pedido do MPF, foi decretada a quebra do sigilo fiscal das empreiteiras investigadas ao mesmo tempo em que, a Receita Federal iniciou fiscalização independente sobre essas mesmas companhias. O ato, disse, não configura violação do sigilo fiscal porque não existe essa limitação aos agentes da Receita Federal.

Além disso, o juiz federal também afirmou que esses servidores têm o dever de informar as autoridades sobre qualquer irregularidade constatada em fiscalização, conforme determinar o parágrafo 3º, inciso I, do artigo 198 do Código Tributário Nacional.

O dispositivo determina que não é proibida a divulgação, para fins penais, de informações sobre representações fiscais. Mas o parágrafo 2º desse mesmo artigo condiciona qualquer ato como esse a “processo regularmente instaurado” e à entrega feita “pessoalmente à autoridade, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”.

Também foi questionada a validade de provas obtidas a partir de um retificação, por um dos réus, em sua declaração para aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, que ficou conhecido como a Lei da Repatriação. Segundo Moro, a anistia prevista na Lei 13.254/2016 é limitada a crimes contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro, mas “não se aplica a crimes contra a Administração Pública, como corrupção”.

Penas aos condenados
Além de Ferreira, foram condenados os empresários Marivaldo do Rozário Escalfoni e Paulo Roberto Gomes Fernandes, ambos a 14 anos e três meses de prisão. Já os delatores Luis Mário da Costa Mattoni, que foi administrador da Andrade Gutierrez, e Edison Krummenauer, que também foi gerente na Petrobras, receberam penas diferenciadas.

Mattoni, que, por conta do acordo não pôde ter pena maior que 15 anos, cumprirá 18 meses regime semiaberto diferenciado — recolhimento domiciliar entre 20h e 6h e integral aos fins de semana — e quatro anos em regime aberto diferenciado — recolhimento domiciliar das 22h as 6h e integral aos fins de semana —, além de prestar serviços à comunidade por 20 horas semanais durante esses cinco anos.

Krummenauer, que não pôde ter pena maior que 10 anos por ter feito delação, cumprirá seis meses de sua pena em regime fechado na carceragem da Polícia Federal em Curitiba; seis meses em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, semiaberto diferenciado por um ano com tornozeleira eletrônica — recolhimento domiciliar entre 20h e 6h e integral aos fins de semana —, prestar sete horas semanais de serviços comunitários e liberdade condicional para o período restante.

Outro acusado, o ex-gerente da Petrobras Maurício de Oliveira Guedes, foi absolvido. Apesar das condenações, todos os réus foram absolvidos das acusações de formação de organização criminosa.

Clique aqui para ler a decisão.

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