Opinião

O perigo da simplista crítica de que "tudo é culpa do STF"

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4 de fevereiro de 2018, 10h20

* Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste domingo (4/2).

Em longo texto publicado na Folha em 28 de janeiro, Conrado Hübner Mendes bate tão forte na Suprema Corte que até achei que essa senhora de quase 200 anos iria pedir proteção do Estatuto do Idoso.

Embora interessante e agradável a um leitor contemporâneo, o texto errou a igreja, mas, é claro, visava mesmo atingir ao(s) cura(s).

Se a pretensão é denunciar, não há uma linha que já não tenha sido dita por dezenas de juristas. Qual é o impacto? Vi advogados, professores, juízes e procuradores incensando, à direita, o artigo; ao mesmo tempo, vários segmentos à esquerda acendiam ainda mais incensos. Nessa unanimidade, o STF ficou como a Geni da música.

Pelo tom, o texto parece antes ser sobre a atuação dos ministros (de certos ministros) e não um diálogo com eles. Não sei se assim se promove diálogo entre doutrina e instituições. Talvez eu seja otimista demais.

O que fica é um texto marcado pelo fatalismo típico de um certo realismo jurídico, mas que evita falar disso. O que resta é a crítica às decisões, antes em uma perspectiva política do que jurídica. O STF é incoerente nas decisões? Sim. Mas qual coerência seria a exigida de um ponto de vista normativo? O texto não diz.

Basta uma coerência consigo mesma para que uma instituição decida bem? Ora, esse tipo de coerência não é novo; Kelsen já falava dela como a única possibilidade de justiça do ponto de vista do que ele entendia como direito.

Uma ordem democrática exige mais do que a mera coerência interna de um tribunal. Até porque pode ser uma coerência no erro.

Aliás, como bom realista, Hübner Mendes reclama até da falta de coerência do STF no erro, por não obedecer sua própria decisão sobre presunção da inocência, continuando a conceder habeas corpus. Eis o problema de pensar que o direito é o que o Judiciário diz que é. Já eu espero que o STF retome, antes, a integridade do direito.

Por outro lado, Hübner Mendes passou ao largo de que a deficiência vista no STF é apenas o espelho da deficiência de todo o Poder Judiciário. Não da Constituição.

Ora, a sociedade e seus atores mostram, por ações e omissões, o quanto de apreço têm por sua Constituição. Outro reparo: desde a origem contemporânea da jurisdição constitucional, após 1945, é conhecido que o problema do jurídico é também político.

Não há como cindir. Como guardião da Constituição =esta que nada mais é do que o direito político (mas é direito)= a adequada crítica haverá de cobrar do STF uma posição sobretudo em relação à Constituição, impedindo seu fracasso nos momentos de crise. Mas a cobrança deve ser de todo o Judiciário.

O STF tem problemas? Muitos. Tenho sido um crítico duro do ativismo e do realismo retrô que assolam todo o direito brasileiro. Aliás, o texto de Hübner Mendes dá a impressão de que os juízes e os tribunais vão bem e que tudo acaba mal, mesmo, é no STF. O TRF-4 ficou fora dessa, pois não?

Se tivesse denunciado a perda da autonomia do direito, a chaga do livre convencimento, enfrentado a questão de se o direito é o que o Judiciário diz que é? (cerne da crise, pois não?), dito que o Judiciário não deve decidir por políticas ou moral e ainda metralhado a péssima dogmática jurídica que conforma esse estado de coisas, Hübner Mendes teria gastado menos balas nos ministros.

A crítica deve ser institucional. Hübner Mendes não concorda politicamente com o que o STF decide. Se este decidisse de outro modo, talvez não recebesse essa bomba epistêmica. Então não é o STF o problema. É o lado que ele tem tomado. Seria o caso só de inverter a polaridade?

Talvez este seja um dos maiores problemas da teoria do Direito no Brasil: ter-se transformado em uma teoria política do poder. E ela sempre dependerá do poder e do lugar da fala do crítico.

Por isso, a crítica política, cindida do direito de Hübner Mendes é parcialmente eficiente. Só faltou a crítica jurídica.

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